Em meados de janeiro, poucos dias após ter tomado posse como CEO da Volkswagen do Brasil, o sul-africano David Powels, 53 anos, comandou a primeira grande reunião com sua equipe de diretores, desde sua posse, no começo daquele mês. A expectativa era de que a conversa se desse em inglês. Em vez disso, Powels se dirigiu aos colegas de trabalho em português, proeza até certo ponto surpreendente para quem não praticava o idioma de Camões desde 2007, quando saiu do Brasil, onde ocupava a diretoria financeira, para assumir a presidência da filial da montadora alemã na África do Sul.

Além de se virar no português, apesar de lhe escaparem algumas palavras e do sotaque carregado, Powels conhece bem as idiossincrasias da economia brasileira. No lado positivo e no negativo. Afinal, foi o responsável pela contabilidade e pelas finanças da filial, no período 2002-2007. Desde então, a Volkswagen perdeu o posto de líder absoluta e ocupa a terceira colocação no ranking de vendas de automóveis e de comerciais leves, atrás da Fiat e da General Motors. Mais. O veteraníssimo Gol, outrora um campeão absoluto de vendas, amarga a sexta posição, atrás até mesmo do novato HB20, da coreana Hyundai.

Porém, o executivo já deixou claro que pretende lidar com o cenário atual com o sangue frio esperado de quem atua em um setor no qual é preciso encarar os desafios de curto prazo, sem perder de vista o horizonte. “A economia atravessa um período difícil e a indústria automotiva está em uma situação delicada”, afirma. “Já vivemos períodos semelhantes no Brasil, porém nunca deixamos de olhar para o futuro.” Um exemplo da confiança da montadora na economia brasileira foi dado na quarta-feira 24, quando o executivo anunciou investimentos de R$ 460 milhões na fábrica de motores de São Carlos, no interior paulista, para o período 2015-2018.

A maior parte dessa bolada está sendo gasta na produção dos motores com tecnologia TSI (turbo), lançados há menos de seis meses na Europa e que equipam veículos de ponta, como o Tiguan e o Passat. Por aqui, o primeiro modelo a contar com essa motorização é o compacto up!, cuja versão incrementada será apresentado no final de julho. No entanto, para turbinar a Volkswagen, Powels sabe que terá de fazer muito mais que isso. Em linhas gerais, sua estratégia inclui ganhos de produtividade e o fortalecimento do portfólio, com veículos de maior valor agregado, que possibilitem melhorar a lucratividade da operação.

Retomar a pole position não é um objetivo de curto prazo dos executivos da montadora alemã. Trata-se de algo que é percebido como positivo pelo mercado. “A liderança só faz bem quando é acompanhada de rentabilidade”, diz Paulo Cardamone, da consultoria americana IHS, especializada na indústria automotiva. É nesse contexto que entra a nacionalização de modelos cobiçados pelo consumidor local, como a nova versão do esportivo Golf, que será produzido na fábrica de São José dos Pinhais, no Paraná, além do Jetta, um sedã médio importado do México e que passará a ser montado na fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

“Com a abertura do mercado, os carros da Volkswagen começaram ser vistos como ultrapassados”, afirma Wim van Acker, sócio da consultoria The Hunter Group, baseada em Michigan, nos Estados Unidos. “Diante desse desafio, me surpreende a escolha de um homem de finanças para a função de CEO no Brasil.” Mas é certo que Powels sabe fazer contas e conhece de estratégia de negócios. Graduado em contabilidade pela British Institute of Cost and Management Accountants ele ocupou cargos de destaque no grupo Volkswagen. Começou em sua terra natal, em 1989, foi para a matriz, na Alemanha, onde também cuidou das finanças da Audi.

A tarefa de Powels, sem dúvida, será facilitada pelo fato de seu antecessor, Thomas Schmall, promovido ao Conselho de Administração mundial da Volkswagen, ter lançado as bases da estratégia de atualização do portfólio. Foi Schmall quem desenhou e conseguiu a aprovação para o plano de investimentos de R$ 9,2 bilhões para o quadriênio 2012-2016. Agora, caberá a Powels usufruir dos dividendos. A começar do fortalecimento da produção local, que lhe permitirá maior flexibilidade na hora de fixar o preço de venda dos produtos. Sem contar a possibilidade de ampliar as exportações.

No ano passado, a Volkswagen obteve US$ 1,14 bilhão com as vendas externas, liderando o setor. Além da Argentina, maior parceiro comercial do Brasil na América do Sul, a montadora também tem feito negócios com clientes do México, da Colômbia, do Paraguai e do Uruguai. “Estamos começando a explorar oportunidades, também, na África e no Oriente Médio”, afirma Antonio Megale, diretor de assuntos governamentais da Volkswagen. Esse é um quesito importante quando o mercado doméstico está enfraquecido. É, no caso do Brasil, não é apenas uma força de expressão.

No acumulado janeiro-maio, as vendas de automóveis e de comerciais leves desabaram 19,3% e 23,5%, respectivamente, em relação a igual período de 2014, de acordo com a Anfavea, que reúne as montadoras. A expectativa é de que esta situação perdure ao longo do ano fechando com vendas de 2,7 milhões de automóveis e utilitários. Bem distante da marca recorde de 3,6 milhões, obtida em 2002. A retomada dependerá da reação da economia como um todo. “Se o PIB crescer 2% ao ano não vai ajudar em nada o nosso setor”, diz. “Queremos que a economia avance num ritmo de 4% a 6%.” Enquanto isso, o contabilista Powels faz e refaz contas.

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“Nunca deixamos de olhar para o futuro”

A situação econômica pode comprometer os planos da Volkswagen para o Brasil?
A economia atravessa um período difícil e a indústria automotiva está em uma situação delicada. Mas a Volkswagen está no Brasil há 62 anos. Foi o primeiro País no qual instalamos uma fábrica fora da Alemanha. Por conta disso, mesmo diante de problemas pontuais, nunca deixamos de olhar para o futuro.

O investimento na fábrica de motores mostra isso?
Sem dúvida. A tecnologia TSI (turbo) foi lançada há cerca de seis meses e será a primeira vez que será utilizada em motores que equipam veículos de grande volume de vendas.

A empresa pretende fazer novas dispensas de trabalhadores?
Teremos de fazer os ajustes que se mostrarem necessários à nova realidade do mercado. Apesar disso, vamos usar todas as ferramentas disponíveis para evitar demissões.