Hemocentros de várias partes do País estão sendo afetados pela falta de doadores de sangue durante a pandemia do novo coronavírus. Segundo a Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, foi registrada uma queda em torno de 20% nos estoques de hemocomponentes em outubro, na comparação com o mesmo período do ano passado.

Em São Paulo, a Fundação Pró-Sangue está com o estoque em situação crítica, quadro que pode afetar cirurgias eletivas de médio e grande portes, que podem ser canceladas. “Não está vindo doador. Procuramos saber pela rede nacional e vimos que vários Estados estão em situação de penúria. Estamos pensando se, com essa situação, teremos de suspender cirurgias eletivas”, afirma Vanderson Rocha, diretor-presidente da Fundação Pró-Sangue e professor titular de Hematologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

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Até anteontem, a entidade contava com apenas 30% das bolsas necessárias para suprir mais de 100 instituições públicas de saúde na Região Metropolitana de São Paulo. “Os sangues do tipo O+, O-, B+, B- e A- estão em estado de emergência, garantindo o abastecimento para menos de um dia”, informa a instituição. São cerca de 10 mil bolsas coletadas e processadas mensalmente.

Diretor técnico-científico da Fundação Pró-Sangue, Alfredo Mendrone Junior diz que o medo de infecção pelo vírus afastou doadores. “Os postos de doação estão inseridos em centros hospitalares, e a maioria dos doadores chega de transporte público, mas o hemocentro instituiu medidas de segurança para evitar a contaminação.”

Situação crítica. Medrone Junior classifica o quadro como o “mais crítico” desde a fundação da Pró-Sangue, em 1984. “Fomos afetados pela greve dos caminhoneiros, tivemos paralisação por causa dos ataques do PCC, mas foram períodos curtos. Esta situação está perdurando por meses. É o pior cenário que já vivemos.”

De acordo com Carla Luana Dinardo, a diretora de relações externas da fundação, a entidade precisa recuperar o estoque nos próximos 15 dias. “Nós precisamos de todos os tipos de sangue, mas o que mais precisa é o tipo O, porque a maior parte da nossa população é de tipo O e a maior parte dos pacientes é também. Uma bolsa de sangue pode salvar até quatro vidas”, afirma ela. O agendamento pode ser realizado pela internet, e quem teve a covid-19 deve esperar 30 dias para doar.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que, diante do risco de desabastecimento na pandemia, a Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados acionou o Plano Nacional de Contingência para Grandes Eventos. Segundo a pasta, isso “possibilitou a mobilização de hemocomponentes por todo o território nacional, transferindo para Estados mais afetados um total de 2.106 hemocomponentes de janeiro a outubro, garantindo a continuidade do tratamento dos brasileiros que necessitaram de transfusão”.

Outros Estados

Além de São Paulo, outros Estados estão com níveis críticos em ao menos um tipo de sangue. Em Alagoas, é o caso dos tipos AB+, O- e B+. Lá o estoque de A- está vazio. No Amazonas, este é o quadro dos tipos AB+ e O-. Na Bahia, O+. Em Minas Gerais, O-, O+ e A+. “Ao longo dos meses, o nível dos estoques chegou a um quadro crítico em São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Amazonas”, afirma Medrone Junior. A situação da interrupção do abastecimento de energia elétrica no Amapá é outra preocupação. “No Amapá, além da falta de doadores, o apagão prejudicou o armazenamento de sangue e Distrito Federal e Pará vão ajudar com bolsas de sangue.”

A Fundação Hemopa vai enviar 140 bolsas de sangue para o Hemocentro do Amapá. A entidade paraense realizou uma campanha nos dias 10 e 11. Segundo o Ministério da Saúde, a Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados começou a fazer um monitoramento da situação no Estado e reorganizou os estoques de medicamentos hemoderivados refrigerados. O ministério informou que o hemocentro do Amapá está funcionando com geradores.

Em rede. O sistema de coleta e distribuição de sangue no Brasil é eficiente, rápido e com pouca burocracia, segundo José Francisco Marques Comenalli, vice-presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). Ele explica que, na rede nacional de hemocentros, a distribuição de um local para os hospitais depende de um contrato exigido pela Anvisa, mas também por demanda de cada unidade. O documento prevê que se faça um pedido de emergência, por exemplo, o que ocorre com certa frequência.

“Na rede SUS, geralmente se pega o hemocentro do Estado que distribui quantidade preestabelecida para os centros satélites que não têm coleta. Existe também uma troca entre esses centros quando há uma queda (de estoque) em determinado tipo sanguíneo. No privado, tem de ter contrato com o SUS para receber os componentes que faltam, mas não pode fornecer do privado para o SUS, a menos que tenha contrato duplo, que é o que acontece na maioria”, diz ele.

Comenalli acrescenta que pode haver diferenças de um Estado para outro quando é preciso enviar o material sanguíneo para além da fronteira estadual, o que requer autorização da Anvisa. Mas ele afirma que tudo é feito de maneira muito rápida. “O sangue sempre está em déficit no País, essa situação de emergência acontece com muita frequência, principalmente com plaquetas, que vencem em cinco dias. As hemácias duram de 35 a 42 dias, e o plasma pode ficar de dois a três anos no congelador. Plaquetas é um problema mais grave.” (COLABOROU LUDIMILA HONORATO)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.