22/05/2020 - 12:25
O estoque de insumos farmacêuticos para a produção de medicamentos à base de cloroquina e hidroxicloroquina caiu diante da pandemia da covid-19. Mesmo sem eficácia comprovada contra o vírus, as drogas passaram a ser recomendadas de forma ampla a pacientes da doença pelo Ministério da Saúde após pressão do presidente Jair Bolsonaro.
Sem somar a demanda pela covid-19, ainda não estimada, são consumidos 35 milhões de comprimidos desses medicamentos por semestre no Brasil, incluindo o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada.
As drogas são indicadas para tratamento de doenças crônicas, como lúpus e artrite reumatóide, além da malária. As informações constam em documento enviado na semana passada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao Ministério da Economia, obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Em abril, a agência informou à equipe econômica que havia cerca de 8,9 milhões de comprimidos destas drogas estocados. Na atualização enviada em maio, são cerca de 11,6 milhões de unidades. A soma considera diferentes apresentações de medicamentos, como sulfato de hidroxicloroquina 400 mg e difosato de cloroquina 150 mg. Segundo a Anvisa, como as empresas aumentaram o estoque do produto acabado, o insumo para a fabricação caiu.
Incentivado por Bolsonaro, o laboratório do Exército produziu 1,25 milhão de comprimidos entre os dois informes da Anvisa. A instituição estava com o estoque zerado até o fim de março e sem material para embalar o medicamento. O Comando do Exército não informou estimativas de novas entregas.
O Ministério da Saúde prometeu reforçar o envio da cloroquina aos Estados e municípios. A pasta informou na quarta-feira já ter distribuído 2,93 milhões de comprimidos apenas para uso contra a covid-19 – 1,46 milhão de unidades estão no estoque do ministério.
O governo estima que os comprimidos já entregues servem para 163,86 mil pacientes da covid-19. A pasta deseja entregar até agosto mais 6,762 milhões de unidades, estimadas para cerca de 375,6 mil pessoas.
Principal fornecedora do material para a formulação da droga ao Brasil, a Índia restringiu as suas exportações de insumo farmacêutico. O chanceler Ernesto Araújo afirmou, pelo Twitter, que o Brasil receberá uma tonelada desse produto após negociação com o governo indiano. Bolsonaro chegou a conversar no começo de abril com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, para receber um carregamento do insumo.
Para advogados, médicos e gestores de saúde, o esforço do governo federal para ampliar a prescrição da cloroquina, imposto por Bolsonaro, ocorre à margem das regras do SUS. A criação de protocolo com diretrizes de tratamento tem um rito próprio na rede pública, que considera principalmente a comprovação da eficácia da droga e a viabilidade econômica para a distribuição do produto.
“Não tem viabilidade. Não existe medicamento suficiente para caso leve da covid-19. O Ministério da Saúde está incentivando uma prática médica que vai colocar mais gente em risco”, afirmou Daniel Dourado, médico, advogado sanitarista e pesquisador da USP.
Segundo o último informe da Anvisa, a Apsen Farmacêutica tem o maior estoque do produto no Brasil. São 8,32 milhões de comprimidos. A Cristália informou ter 1,3 milhão de unidades estocadas da droga. Depois do Exército, o quarto maior estoque é da EMS/Germed. São 675 mil comprimidos. A Anvisa informou que a Sanofi-Aventis reduziu o estoque de 180 mil para 16 mil comprimidos.
A Fiocruz reduziu o estoque de 3 milhões para 27 mil comprimidos. O laboratório público foi o principal fornecedor do governo para o programa de tratamento de malária e, também, para pacientes da covid-19. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.