O Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) do Banco Central deu bastante espaço para os riscos no cenário global na ata do seu 54º encontro, que manteve o Adicional Contracíclico de Capital Principal relativo ao Brasil (ACCPBrasil) em zero. O comitê afirmou que há vulnerabilidades acumuladas no setor financeiro que podem escalar para a “materialização de uma crise financeira sistêmica”.

O Comef citou como pontos de atenção a resiliência dos núcleos de inflação e a deterioração das perspectivas fiscais nas economias centrais, assim como a redução de ativos comprados por BCs durante a pandemia de covid-19 e disse que se mantém “relevante” o risco de episódios de reprecificação de ativos financeiros.

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“Os eventos de estresse no setor financeiro mostraram que há vulnerabilidades acumuladas tanto nos bancos quanto em instituições financeiras não bancárias que podem escalar para a materialização de crise financeira sistêmica”, disse o BC na ata, ponderando que até o momento as economias emergentes têm mostrado resiliência diante do cenário externo adverso e que a exposição do sistema financeiro do Brasil ao risco cambial e à dependência do funding externo é baixa. “A transparência, previsibilidade e credibilidade na condução das políticas monetária, fiscal e macroprudencial são essenciais para mitigar os riscos sistêmicos”, completou.

O colegiado ainda disse que a maior volatilidade e elevação das taxas de juros de longo prazo nas economias centrais, em especial nos Estados Unidos, e maiores incertezas em torno do crescimento na China, têm impactado as condições financeiras internacionais.

“O Comitê está atento à evolução dos cenários doméstico e internacional e segue preparado para atuar, de forma a minimizar eventual contaminação desproporcional sobre os preços dos ativos locais”, assegurou. “O Comitê segue entendendo que políticas macroeconômicas que aumentem a previsibilidade fiscal, que reduzam os prêmios de risco e a volatilidade dos ativos contribuem para a estabilidade financeira e, consequentemente, melhoram a capacidade de pagamento dos agentes.”

Em relação às vulnerabilidades no sistema financeiro internacional, apesar do alívio no estresse do setor bancário dos EUA, o Comef alertou que algumas instituições financeiras americanas ainda enfrentam desafios na captação de depósitos e no gerenciamento de liquidez. Os eventos bancários do início do ano, conforme o comitê, aumentaram mais as condições gerais de crédito no país, mas a autarquia afirma que ainda há incerteza sobre o impacto total no crédito, que já mostra desaceleração na concessão a empresas e famílias.

“A exposição de bancos médios ao setor imobiliário comercial, que continua sendo adversamente afetado pelos elevados níveis de vacância de escritórios desde a crise de covid-19, e sua importância para o crédito imobiliário em geral, seguem sendo pontos de atenção.”

O BC ainda considerou que as autoridades globais têm atuado para manter a confiança nos sistemas financeiros e evitar o contágio para outras instituições e outras jurisdições, citando as medidas tomadas pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) e por outros reguladores americanos. “Várias jurisdições mantiveram ou aumentaram seus buffers contracíclicos de capital desde o último Comef.”

Sobre a China, o Comef disse que aumentou a percepção de risco de liquidez e solvência em empresas de incorporação imobiliária e que o Banco Central da China vem atuando para dar suporte à atividade econômica, que teve recuperação aquém da esperada após o fim das políticas de covid zero. “Neste cenário, e em um contexto de aperto das condições financeiras globais, foram observadas também saídas líquidas de capitais e desvalorização cambial naquele país desde o último Comef”, observou o colegiado.

Brasil

No cenário doméstico, o BC afirmou que o financiamento à economia real continuou desacelerando, mas disse que o principal foco de atenção ainda é o apetite ao risco das instituições financeiras na concessão de crédito às famílias e às empresas. Segundo o regulador, em relação às famílias, o ritmo de crescimento nas modalidades mais arriscadas, como cartão de crédito e crédito não consignado, permanece desacelerando. Mas o endividamento e o comprometimento de renda permanecem historicamente elevados, embora observe-se maior conservadorismo nos critérios das novas concessões.

Com relação às empresas, o ritmo de crescimento do crédito também segue desacelerando, mas não se percebe alteração relevante nos critérios de concessão, segundo o BC. “O Comef avalia que é importante os intermediários financeiros continuarem preservando a qualidade das concessões, levando em conta, notadamente, a exposição total dos seus clientes junto ao Sistema Financeiro Nacional (SFN).”

Em relação ao mercado de capitais, o BC afirmou que há uma progressiva retomada e que se mantém como fonte relevante de financiamento, principalmente para as grandes empresas. “Os spreads dos títulos de dívida corporativa diminuíram desde o último Comef, embora permaneçam em níveis superiores aos praticados anteriormente aos eventos ocorridos no início do ano”, disse, em referência ao rombo bilionário das Americanas.

O Comef ainda disse que as provisões mantiveram-se adequadas, acima das perdas, esperadas, e que os níveis de capitalização e de liquidez do SFN continuam acima dos requerimentos prudenciais. Além disso, os resultados dos testes de estresse demonstram que o sistema segue resiliente.

“O impacto mais severo continua sendo o observado no cenário de quebra de confiança no regime fiscal. Teste de análise de sensibilidade verificou que mesmo que os ativos problemáticos dobrassem em relação a seus níveis atuais, o sistema não apresentaria desenquadramentos relevantes.”