07/07/2022 - 15:23
Boa parte da população de Brumadinho, em Minas Gerais, apresenta níveis acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de exposição a metais considerados tóxicos, como cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês. A conclusão está em um estudo da Fiocruz, divulgado na manhã desta quinta-feira, 7. O trabalho também revela uma incidência acima da média nacional de problemas respiratórios e casos de depressão e ansiedade na região.
Em 2019, o rompimento de uma barragem da mineradora Vale no município deixou 270 mortos, em uma tragédia apontada como o maior desastre ambiental já registrado no País. Por isso, pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pedido do Ministério da Saúde, decidiram avaliar as condições de vida, saúde e trabalho dos moradores, na tentativa de determinar impactos específicos da exposição das pessoas à tragédia e, posteriormente, ao mar de lama que cobriu parte da região. Os resultados obtidos são compatíveis com essa exposição anômala.
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“A ideia era tentar entender o que acontece com a saúde da população a médio e longo prazo depois de um desastre desse tipo”, explicou o pesquisador Sérgio Viana Peixoto, da Fiocruz e da UFMG, coordenador-geral do trabalho.
“A literatura internacional mostra uma frequência maior de doenças crônicas e problemas de saúde mental após grandes desastres, mas os trabalhos foram feitos com base em terremotos, tsunamis, atentados terroristas. Não tínhamos nada sobre barragens. Fizemos então as medidas que todos os estudos desse tipo fazem e acrescentamos a questão dos metais pela particularidade do desastre.”
Exames
A exposição aos metais foi dosada no sangue e na urina dos moradores. Os cinco metais foram escolhidos por serem os mais tóxicos à saúde segundo a OMS e estarem relacionados à atividade mineradora.
Os resultados mostram que em mais da metade dos adolescentes (52,3%), por exemplo, os níveis de manganês no sangue estão acima do recomendado (15 mg/L). Quase 30% dos jovens (28,9%) têm níveis de arsênio total na urina acima do limite máximo (de 10 mg/g) e 12,2% deles têm chumbo no sangue em quantidade acima do aceitável (10 mg/dL).
Entre os adultos, grande parte (37,0%) apresenta manganês no sangue acima do aceitável e 33,7% têm arsênio total na urina acima do limite da OMS.
A exposição aos metais também foi atestada entre as crianças de 0 a 6 anos de idade. Os resultados mostram que em todas elas foi detectada a presença de pelo menos um dos cinco metais testados. As análises também apontam que metade das amostras urinárias tinha pelo menos um metal acima dos limites de referência. O arsênio, por exemplo, foi encontrado acima dos limites em 41,9% das amostras e o chumbo em 13,0% delas.
“Quando a gente dosa o metal no sangue ou na urina, não estamos falando de intoxicação, contaminação; essa dosagem indica que a pessoa está exposta ao metal, que existe metal no ambiente em que vive”, explicou Peixoto, lembrando que, se pessoas estivessem intoxicadas, já haveria registros no sistema de saúde local.
“Nossa ideia agora é monitorar a saúde da população e contar com outros esforços, do Estado e do município, para entendermos de onde estão vindo esses metais, se da água, do solo, da poeira.”
Segundo Peixoto, chumbo e manganês, por exemplo, são absorvidos pelo sistema respiratório. Já o arsênio em geral vem pela água contaminada.
A intoxicação por metais (mas não necessariamente a exposição) pode causar problemas sérios de saúde, como problemas hepáticos, renais, neurotoxicidade e até câncer. Mas não se sabe o que a exposição contínua aos metais a longo prazo pode causar. Essa é uma das importantes respostas que os especialistas buscam.
“O exame que fizemos (de sangue e urina) mostra a exposição aos metais, não a intoxicação”, ressalta o pesquisador. “Tudo o que está relatado na literatura diz respeito à intoxicação. Nesses casos, há impacto nas funções hepáticas, renais e neurológicas, no caso do manganês e do chumbo, além de alterações menos específicas, como vômitos, diarreias. Mas precisamos ainda entender o que essa exposição crônica pode causar ao organismo.”
Os pesquisadores também avaliaram as condições gerais de saúde da população com base em diagnósticos médicos anteriores e na percepção dos próprios moradores. Pelo menos 12,3% dos adolescentes disseram já ter recebido diagnóstico médico de asma ou bronquite asmática.
Mas o porcentual é bem mais alto entre moradores do Parque da Cachoeira (23,8%) e do Córrego do Feijão (17,1%) – duas regiões diretamente expostas ao rompimento da barragem. A pneumonia foi citada por 10,9% dos adolescentes, mas entre os moradores do Pires, região banhada pelo Rio Paraopeba, que foi atingido pela lama, o porcentual chega a 16,7%.
Entre os adultos, as doenças com diagnóstico médico mais citadas foram hipertensão (30,1%), colesterol alto (23,1%) e diabetes (9,8%). Embora sejam doenças prevalentes no País, os números locais encontrados são superiores aos registrados nacionalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS): 23,9%, 14,6% e 7,7% respectivamente.
Praticamente a metade dos moradores (49%) disse ter observado alterações na saúde dos filhos depois do desastre. Os principais problemas mencionados foram respiratórios e de pele. Os relatos de alergia respiratória em Parque da Cachoeira, local diretamente atingido, foi quatro vezes maior do que em Aranha, por exemplo, região mais distante. Também em Parque da Cachoeira e em Tejuco, com maior exposição e poeira de mineração, os relatos de infecção de pele foram três vezes superiores aos de Aranha.
Saúde mental
Em relação à saúde mental, o porcentual de adultos com diagnóstico médico de depressão foi de 22,5% – número bem superior ao relatado pela população brasileira adulta em 2019 na PNS, 10,2%. Os diagnósticos de ansiedade e problemas de sono foram reportados por 33,4% dos entrevistados.
Ainda em relação à saúde mental, os pesquisadores também aplicaram um questionário com perguntas sobre sentimentos e sintomas que podem indicar que o sujeito apresenta um quadro depressivo e/ou de ansiedade, mesmo que não tenha sido diagnosticado clinicamente. Entre os maiores de 18 anos, 29,4% apresentavam episódio depressivo e 19,2% de transtorno de ansiedade.
“Mais uma vez constatamos que, embora o porcentual de relatos relacionados a transtornos mentais tenha sido elevado em todo o município, a proporção para algumas condições foram ainda mais altas entre os moradores de Tejuco, Parque das Cachoeiras e Pires”, disse o pesquisador. “Vale lembrar que fizemos essas análises depois do rompimento da barragem, mas também em meio a uma pandemia; ou seja, pode ter havido uma sobreposição de fatores.”
O trabalho destaca ainda que o número de consultas médicas realizadas em 2021 em Brumadinho foi elevada, sendo ainda maior nas regiões diretamente expostas ao desastre, como Parque da Cachoeira, Pires e Tejuco.
Os resultados fazem parte da primeira etapa do estudo (que começou em julho do ano passado). Outras três etapas estão previstas para este ano, 2023 e 2024. Participam do trabalho 3.297 moradores, sendo 217 crianças e 275 adolescentes.
Por meio de nota, a mineradora Vale afirmou desconhecer o estudo, mas lembrou que não há casos de intoxicação registrados na região:
“A Vale desconhece o estudo que está sendo realizado pela Fiocruz Minas e irá analisar os resultados assim que tiver acesso ao documento. A empresa reforça que não há registros nas comunidades locais de intoxicação por metais pesados em decorrência do rompimento da barragem B1, em 2019. É igualmente importante destacar que o rejeito de minério de ferro é formado em sua maioria por minerais ferrosos e quartzo, sendo classificado não tóxico e consequentemente não perigoso, conforme NBR 10.004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas.”