22/09/2022 - 18:06
Trata-se de uma doença “rara” e “devastadora”, que faz os pacientes afetados sofrerem “terrivelmente”. O francês Emmanuel Mignot dedicou sua carreira ao estudo da narcolepsia até descobrir sua causa e lançar um pouco de luz sobre um dos grandes mistérios da biologia: o sono.
Sua descoberta lhe rendeu um importante prêmio nos Estados Unidos – o Breakthrough Prize, que lhe foi atribuído nesta quinta-feira (22) em conjunto com o japonês Masashi Yanagisawa. Os dois cientistas chegaram a conclusões similares simultaneamente.
Graças às pesquisas deles, estão sendo desenvolvidos medicamentos que prometem revolucionar o tratamento deste e de outros transtornos do sono.
Os narcolépticos, que são aproximadamente uma a cada 2.000 pessoas, não conseguem evitar adormecer repentinamente.
Alguns também são afetados por uma paralisia temporária repentina (cataplexia).
“Eu me sinto muito orgulhoso porque o que descobri está fazendo uma grande diferença para meus pacientes. É a melhor recompensa que se pode ter”, disse à AFP o professor universitário de Stanford, Califórnia, cujo consultório é procurado por narcolépticos de todo o mundo.
Há 30 anos, quando acabava de se formar em medicina e ciência, Mignot decidiu viajar aos Estados Unidos durante o serviço militar para estudar o funcionamento de um remédio, então usado contra a narcolepsia.
A doença era “praticamente desconhecida” e “ninguém a estudava”, lembra. Mas ele “ficou completamente fascinado”.
“Pensei: esta doença é incrível, as pessoas adormecem o tempo todo, não temos ideia do porquê, e se pudéssemos encontrar a causa, poderíamos entender algo novo sobre o sono”, explicou à AFP este pesquisador de 63 anos.
– A chave perdida –
Stanford tinha na época com cães narcolépticos e Mignot se propôs a descobrir o gene que lhes causava a doença.
Um empreendimento gigantesco porque então as técnicas de sequenciamento genético eram primitivas.
“Todos me diziam que estava louco”, lembra o cientista, que agora mora com o cachorro narcoléptico Watson, que ele adotou.
“Achei que levaria alguns anos e demorou dez”, diz. Finalmente, em 1999, veio a descoberta: um receptor localizado nas células do cérebro que nos cães narcolépticos funciona de forma anormal.
Este receptor é como uma fechadura, que só abre com a chave adequada, ou seja, uma molécula, descoberta ao mesmo tempo pelo japonês Masashi Yanagisawa, que a denominou orexina (também chamada hipocretina).
Trata-se de um neurotransmissor produzido no hipotálamo, na base do cérebro, por um grupo muito pequeno de neurônios.
Imediatamente, Mignot fez os primeiros testes em humanos. E os resultados foram impressionantes. Por exemplo: os níveis de orexina no cérebro dos narcolépticos são nulos.
Normalmente, esta molécula é produzida em grandes quantidades ao longo do dia, especialmente à tarde, permitindo combater a fadiga acumulada.
Nos cães, a fechadura está quebrada, mas nos humanos, falta a chave para abri-la.
Esta diferença explica porque a doença pode ser hereditária nos cães, mas não nos humanos.
“Não se faz uma descoberta assim duas vezes na vida: encontrar a causa de uma doença”, maravilha-se o francês.
– Tratamento “milagroso” –
Por enquanto, a maioria dos pacientes é tratada com uma combinação de anestésicos para dormir profundamente à noite e anfetaminas para se manter acordados durante o dia.
Mas, nos testes, quando ingeriram um medicamento que imita a orexina, os resultados foram “realmente milagrosos”, diz Mignot.
Ocorreu uma verdadeira “transformação” nos pacientes, que apresentaram “olhos diferentes”. Estavam “tranquilos”, diz o cientista.
O desafio continua sendo desenvolver uma fórmula que proporcione a dose adequada no momento adequado.
Várias empresas, inclusive a japonesa Takeda, estão trabalhando no tema, e alguns medicamentos poderiam ser autorizados nos próximos anos.
Também são possíveis as aplicações em outras doenças: por exemplo, para pacientes deprimidos que têm dificuldades para se levantar ou para aqueles em coma com problemas para despertar, aponta o pesquisador.