Não é fácil se tornar milionário. Esse é um clube freqüentado por poucos. De acordo com o Relatório sobre a Riqueza Mundial, divulgado na semana passada pela corretora Merrill Lynch e pela consultoria CapGemini, existem 98 mil milionários no Brasil, cada qual com pelo menos US$ 1 milhão em ativos financeiros. No total, a fortuna dessa elite ultrapassa US$ 1,75 trilhão. Mais difícil do que entrar para esse clube exclusivíssimo é se manter nele. ?Para quem é milionário, o fundamental é conservar a riqueza?, diz o planejador financeiro pessoal Louis Frankenberg, especialista em aconselhar endinheirados. ?Uma vez que uma pessoa ficou rica, tudo o que ela quer é ganhar mais dinheiro ou não perder tudo que conquistou?. O objetivo é o mesmo: ser rico eternamente. É por isso que o mercado está cheio de produtos e de serviços voltados para o consumidor de alta renda. Exigente e criterioso, é um público que exige qualidade e exclusividade acima de tudo.

A começar pela saúde. Foi de olho nesse segmento que surgiu a Lincx Serviços de Saúde, de São Paulo. A empresa faz diferença ao oferecer o que há de melhor entre médicos, hospitais e laboratórios. A rede credenciada inclui especialistas de primeira linha, como os Adib Jatene e David Uip. Enquanto os outros planos de saúde pagam em média R$ 25 por consulta, a Lincx remunera seus médicos em até R$ 200. O associado da empresa ainda tem direito a livre escolha de médicos e de hospitais, incluindo cirurgias no exterior. ?Se meu cliente quiser operar de catarata no Texas, ele paga no cartão de crédito e recebe quando voltar ao Brasil?, afirma o oftalmologista Silvio Corrêa da Fonseca, diretor superintendente da Lincx e um dos sócios da empresa. O plano individual completo para pacientes com idade entre 39 a 43 anos tem mensalidade de R$ 2.450. Caro? Não para os 12.700 clientes da empresa. ?Saúde não tem preço, mas a medicina tem custo?, filosofa Fonseca. ?Se há público para o restaurante Fasano e para a butique Daslu, há também para a Lincx?.

Além da saúde, os milionários brasileiros dão atenção especial à segurança. Para essa turma, carro blindado se transformou em artigo de primeira necessidade. A procura é tamanha que empresas de blindagem já oferecem para clientes civis um tipo de proteção antes exclusiva de chefes de governo. É o caso da G5, a primeira a trazer para o mercado brasileiro a blindagem nível 3, capaz de suportar tiros de fuzil AR-15 e até explosões de granada. Preço do serviço: US$ 100 mil (o equivalente a R$ 246 mil pelo câmbio da semana passada), quase cinco vezes mais que uma blindagem nível 3A, a mais usada para proteger contra a violência urbana. ?Essa blindagem suporta até atentados e é voltada para um público AAA, como banqueiros e grandes empresários?, diz André Giaffone, sócio da G5, que estima vender duas blindagens dessas por mês.

Quando o assunto é segurança, os milionários não economizam. Além do carro blindado, o pacote inclui motorista treinado, escolta, agentes armados para toda a família, alarmes e vigilância eletrônica. De acordo com um estudo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, existem no Brasil cerca de 1.500 empresas de segurança legalmente registradas. É um mercado que movimenta mais de US$ 800 milhões por ano. Quanto mais importante o cliente, maior o gasto e o nível de sofisticação da proteção. Na Pires Segurança, de São Paulo, o treinamento dos agentes combina tiro ao alvo, defesa pessoal e até aulas de etiqueta. ?Nossos vigilantes recebem lições de tiro e de como se portar à mesa pois, muitas vezes, acompanham o cliente em eventos?, afirma Carlos Alberto Andrade, gerente de operações especiais e escolta VIP da Pires Segurança. ?Temos agentes que, além do português, são fluentes em inglês, espanhol e italiano?. Maior empresa de segurança do país, a Pires é responsável pela proteção de grandes empresários, que não abrem mão do anonimato. Segundo Percival Aracema, diretor comercial da Pires, somente um desses clientes conta com uma equipe de 28 homens armados, carro e escolta blindados, sistema de comunicação e até cães treinados. ?Há quem desembolse R$ 60 mil por mês com segurança?, diz Aracema.

As preocupações de quem chegou ao topo da pirâmide social não se limitam ao presente – assegurar o futuro da família é iniciativa compulsória. Por isso, a oferta de apólices de vida para pessoas de alta renda é uma aposta das seguradoras no País. Esses produtos oferecem valores mais altos de indenização, com serviços e atendimento diferenciados. O objetivo é conquistar os clientes dos chamados seguros offshore, adquiridos fora do País. A Icatu Hartford foi uma das primeiras a entrar na briga. Recentemente, criou uma divisão especial para atender a clientela rica, batizada de Unique. ?O segmento de vida representa 20% do mercado total de seguros no Brasil, enquanto nos Estados Unidos a participação é de 58%?, diz Marcelo Ribeiro, diretor da Canada Life, adquirida pela Icatu no ano passado. A estimativa da empresa é chegar a 100 mil segurados em cinco anos. Para ser cliente da divisão Unique é preciso ter pelo menos R$ 250 mil em reservas para contratar a apólice de vida e pagar contribuições mensais de R$ 2 mil nos planos de previdência. A indenização máxima pode chegar a R$ 10 milhões.

Boa parte dos potenciais clientes dos seguros de alta renda são pessoas que pretendem repatriar o capital aplicado no exterior. O empresário José Renato da Costa Alberto, de São Paulo, recusava-se a adquirir seguros offshore e, para conseguir um alto valor de indenização, tinha dois seguros de vida nacionais que somavam R$ 400 mil. Em setembro de 2004, quando nasceu sua filha Maria Fernanda, decidiu aumentar o valor segurado. Suspendeu as duas apólices antigas e comprou o novo seguro da Vida Seguradora, com cobertura de R$ 1 milhão. A empresa lançou sua apólice de alta renda em agosto do ano passado e hoje já tem cerca de 100 contratos fechados. A indenização mínima é de R$ 1 milhão e a máxima, de R$ 19 milhões.

Os seguros de vida para alta renda se diferenciam pela boa qualificação do perfil do cliente. Por isso, os exames médicos são obrigatórios. A seguradora Mapfre, que lançará sua apólice de vida em julho (com indenizações de R$ 500 mil a R$ 15 milhões), estabelece cinco perfis de segurado. Para defini-los, pesa na avaliação ser ou não fumante, ser homem ou mulher (elas têm maior expectativa de vida), relação entre peso e altura estável, histórico de doenças na família, entre outros. ?Essa avaliação mais detalhada vai assegurar que os sinistros sejam pagos sem muita contestação?, diz Marcos Eduardo Ferreira, vice-presidente da área de vida e previdência da Mapfre.

Na hora de sair em busca dos clientes, a estratégia comum a todas as seguradoras é unir os seguros com os planos de previdência privada. Afinal, são dois produtos que olham o longo prazo. A Icatu criou planos de previdência com fundos de investimento exclusivos para quem tem acima de R$ 10 milhões. Nesses planos existe a possibilidade de co-gestão entre o investidor e a instituição. ?Temos alguns pedidos de profissionais do mercado financeiro que querem ter maior poder de decisão sobre seu plano de previdência?, fala Marcelo Ribeiro, da Icatu. A Mapfre segue a mesma cartilha: planos de previdência ?private? de vários gestores que oferecem taxas regressivas de carregamento. O FIF Corporate Renda Fixa, lançado em agosto do ano passado, rendeu 7% desde o lançamento até maio passado. Nele, a taxa de carregamento, que começa em 3% para aportes de R$ 500, deixa de ser cobrada se o investidor atingir reservas de R$ 80 mil no prazo de um ano.

A preocupação dos endinheirados com a segurança financeira, no entanto, não é apenas com o futuro, mas também com a manutenção do atual patrimônio. A Chubb, uma das maiores seguradoras do mundo, oferece coberturas completas, como é o caso da apólice residencial que inclui obras de arte. Nela, estão previstos danos causados por incêndios, infiltrações e até acidentes provocados por empregados. Em geral, o valor do prêmio gira em torno de 1% do valor de aquisição da peça. Na hora de contratar, é feita uma análise minuciosa dos riscos a que a obra está submetida. ?Se há 10 peças em apenas uma sala de jantar, o risco é maior. É melhor espalhar as obras pela casa?, recomenda Mara Aranha, diretora da Chubb responsável pela análise de risco. A cobertura inclui diversos serviços exclusivos, como transporte das obras para exposições e galerias, e oferta de profissionais especializados para restauração e reparos. Seguros, planos de saúde, vigilância e previdência privada fazem parte de uma estratégia de manutenção da boa vida. ?É um tabu imaginar que basta ser rico hoje para permanecer rico amanhã?, diz o consultor René Werner. Segundo ele, a perpetuação da riqueza exige planejamento e controle, inclusive dos gastos. ?Dinheiro que vem fácil também vai embora fácil?.