A mais recente pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que mede o nível de empreendedorismo ao redor do mundo, revelou números impressionantes sobre a vontade do brasileiro de ser dono do próprio destino. O estudo de 2009 mostrou que 18,8 milhões de pessoas possuem empresas ainda em estágio inicial ou com 42 meses de vida no Brasil – dados que colocam o País na segunda posição em número de empreendedores, atrás apenas da China. Muitos deles percorrem um caminho tortuoso para criar e manter um novo negócio a partir do zero. 

 

 

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Mas o sonho de ser empresário pode estar mais próximo do que se pensa. Você já se imaginou dono da companhia onde atualmente é funcionário? Alguns empreendedores pensaram nesse caminho mais curto para alcançar o topo, aproveitaram oportunidades para assumir a empresa onde batiam o ponto e deixaram o negócio mais saudável e lucrativo. 

 

É o caso de Cristiano Kok, do grupo Engevix. Em 1997, quando comprou a empresa das mãos de João Rossi Cuppoloni, dono da Rossi Residencial, a companhia, especializada em projetos de engenharia pesada, faturava R$ 40 milhões. Na época, Kok ocupava o cargo de presidente. 

 

Hoje, como dono e ao lado de mais dois sócios, ele comanda um grupo com receitas anuais de R$ 1,5 bilhão. “Como éramos executivos, sabíamos muito do potencial da empresa”, diz Kok. “Mas, para crescer, tínhamos que correr riscos que o João Rossi não queria. Aí, ele resolveu nos vender a Engevix.” Eis o que se chama management buyout, termo usado para definir uma transação quando o funcionário compra a empresa onde trabalha. 

 

 

A história de companhias que passam o comando para os seus empregados pode parecer estranha para muitos. Mas isso acontece por diversas razões. Seja porque o controlador não tem um sucessor, seja porque a empresa enfrenta dificuldades financeiras e quer se livrar dos passivos. 

 

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“Também há casos de multinacionais que não querem mais manter uma subsidiária no País. Quando não acham comprador, acabam vendendo ouentregando para o funcionário”, diz Patricia Molino, sócia da área de people & change da consultoria KPMG no Brasil. 

 

Foi isso, aliás, que permitiu o surgimento do Grupo MPE, empresa com receita anual de R$ 1,2 bilhão que atua em áreas como engenharia e agronegócios. Até o fim da década de 80, a companhia, batizada de Montagem de Projetos Especiais (MPE), pertencia à gigante americana General Electric (GE) e coordenava projetos de grande porte como aeroportos e unidades industriais. 

 

Sua carteira de clientes era formada por gente grande, como a Petrobras. “Eu comandava essa área e estávamos crescendo muito. Mas, em 1987, recebi um comunicado que a GE iria acabar com essa divisão”, diz Renato Ribeiro Abreu, hoje sócio da companhia. 

 

Na época, o executivo americano Jack Welch, então CEO da GE, decidiu fechar unidades de negócios da companhia para poder focar nas áreas que a empresa dominava. De olho nisso, Abreu enxergou a chance de virar o dono. 

 

Ao lado do também executivo Mário Aurélio da Cunha Pinto, propôs à GE que vendesse e financiasse a operação para eles. Depois de muitas negociações, conseguiu fechar o acordo. 

 

“A GE pediu meus dois apartamentos como garantia”, lembra Abreu. A esposa, Maria de Lourdes, diz ele, ficou apreensiva. “Falei para ela que se desse errado ia virar pescador em Cabo Frio”, brinca. Mas ele não precisou chegar a esse ponto. Um amigo entrou como avalista do negócio e a GE parcelou a venda da MPE em três anos. 

 

Com o que ganhava na companhia, pagava as prestações. De uma empresa com 1,5 mil funcionários, hoje o grupo MPE ostenta sete mil empregados e seus tentáculos estão espalhados em áreas que vão desde instalações elétricas, construção pesada e fabricação de tubos até a indústria do petróleo. 

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A empresa também conta com fazendas de criação de gado, de camarão e de frutas. “Mas até hoje saio de casa para trabalhar e acho que estou indo para a GE”, diz Abreu. Isso, apesar de parecer mero detalhe, faz toda a diferença, pois revela uma transição tranquila. 

 

Afinal, o funcionário que vira dono já está acostumado com o modelo de gestão da companhia e sabe muito bem o que está comprando. Há, porém, uma questão que deve ser analisada com muita cautela quando a companhia é adquirida por dois funcionários que possuíam diferentes cargos hierárquicos. 

 

“Às vezes, o profissional que era diretor vira sócio do presidente. É preciso saber que se trata de uma relação totalmente diferente”, diz Renato Bernhoeft, da Höeft Consultoria Societária. 

 

Cristiano Kok, que era presidente da Engevix antes de comprá-la, soube lidar bem com essa situação. Em 1996, João Rossi, o então dono da companhia, procurou-o pedindo mais dividendos. De brincadeira, Kok disparou: “Te entrego mais dividendos se você vender a empresa para mim.” 

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Para surpresa de Kok, Rossi concordou, mas com uma condição: outros dois diretores, Gerson de Mello Almada e José Antunes Sobrinho, deveriam entrar no negócio. “Ele dizia que um sozinho poderia quebrar a empresa”, lembra Kok. “Assim criamos um time para tocar a companhia. 

 

Até hoje, nos damos muito bem.” As negociações para assumir o negócio duraram cerca de seis meses. Rossi, diz Kok, retirou da empresa as contas a receber e acertou que os novos donos desembolsariam uma determinada quantia durante seis anos e meio como pagamento do negócio. 

 

“Quitamos em seis anos apenas com o que a empresa gerou”, diz Kok. O segredo foi entrar em novas áreas em que a Engevix não atuava. Em vez de apenas desenvolver projetos, a companhia passou a contratar empresas terceirizadas e coordenar a construção de obras de grande porte, como refinarias e plataformas de petróleo, linhas de transmissão de energia e usinas hidrelétricas. 

 

O grupo, que tem projetos contratados da ordem de R$ 2,5 bilhões em andamento, não parou por aí. Kok não esconde o orgulho de ter multiplicado o faturamento por 37 em apenas 13 anos. Não deixa de dizer também que fez o número de funcionários saltar de 500 para 3,5 mil. 

 

“Geramos mais de 20 mil empregos indiretos”, conta. O antigo dono se arrepende de ter vendido? “O João Rossi é um homem muito bem-sucedido”, desconversa Kok. Procurado pela reportagem, Rossi preferiu não se manifestar.

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É possível que muitos se arrependam de se desfazer de suas empresas depois de vê-las bem maiores do que eram. Mas há casos em que repassá-las aos funcionários é a única saída. “Para companhias com muitas dívidas é uma maneira de evitar a liquidação e se livrar do passivo”, diz Patrícia Molino, da KPMG. A Brinquedos Estrela 

 

passou por uma situação como essa. Na década de 90, pressionada pela abertura de mercado que permitiu a entrada dos brinquedos chineses, a empresa viu seu faturamento minguar, as dívidas crescerem e suas ações derreterem. Diante desse cenário, o controlador vendeu a companhia para o então presidente Carlos Tilkian. 

 

O empresário não revela detalhes da operação que fez dele o dono da companhia. Deixa claro, contudo, o que o levou a adquirir o controle da empresa. “Grande parte dos executivos tem o sonho de ter o próprio negócio”, diz Tilkian. 

“Percebi que ali estava a possibilidade de realizar esse sonho.” Hoje, o presidente – e dono – da Estrela comanda uma companhia que faturou R$ 113 milhões em 2009 e ainda tem um alto nível de endividamento.

 

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São R$ 54,3 milhões de acordo com o último balanço financeiro. Tilkian, porém, vem reestruturando a companhia nos últimos anos. Desde que a comprou, em 1996, impôs um plano para diminuir sua exposição às intempéries do ambiente econômico. 

 

Hoje, parte da produção de brinquedos da Estrela vem da China e outra de duas fábricas próprias, uma no interior de São Paulo e outra no interior de Minas Gerais. “E estamos construindo uma nova unidade em Sergipe para atender a região Nordeste”, diz Tilkian. 

 

Assim, dependendo do cenário macroeconômico (sobretudo do câmbio), ele define se importa os produtos da China ou fabrica aqui no País. “Posso importar até 90% dos brinquedos”, diz ele. No ano passado, do total de produtos vendidos pela marca, 45% vieram da Ásia e o restante foi fabricado no Brasil. 

   

Há quem imagine que comprar uma empresa é a solução de todos os problemas ou que, da noite para o dia, quem era funcionário vira rei. Não é bem assim. “O funcionário tem que ter em mente que está correndo grandes riscos. Pode até perder os bens pessoais”, diz Celso Pedroso de Campos Filho, professor de administração da PUC-Campinas.  “Mas, em compensação, as oportunidades de ganho também são maiores.” Marcus Vinícius Granadeiro Corrêa, dono do Construtivo.com, portal que disponibiliza ferramentas digitais para projetos de engenharia, conhece muito bem essa sensação. 

 

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“Antes de assumir a empresa deu um baita frio na barriga”, confessa. A empresa havia sido fundada em 1999 dentro de uma incubadora do banco Santander chamada BtoBen. A ideia era criar sucessos da internet e aproveitar os negócios milionários que eram realizados no mundo pontocom. 

 

A bolha, porém, estourou e o Santander decidiu se desfazer da operação. Granadeiro, que ocupava a gerencia comercial, se candidatou a comprar a empresa. “Assumi o passivo e paguei R$ 500 pela companhia”, diz ele. Em 2004, desta vez como dono, reestruturou a empresa. 

 

Saiu de um escritório em um dos prédios mais modernos de São Paulo, no bairro da Vila Olímpia, para uma casa própria no bairro do Itaim. Os 12 funcionários que tinha na época deram lugar para 16 atualmente e mais cinco em uma filial de Porto Alegre. “Desde a aquisição da companhia, multiplicamos o faturamento por dez e atendemos clientes como OAS, Shell, Metrô de São Paulo, entre outros”, diz Granadeiro.

 

Os casos de funcionários que viram dono nem sempre são tão épicos. “O mais comum é o fundador dar uma participação para o empregado mais dedicado”, diz o consultor Renato Bernhoeft. “Mas isso é um equívoco. O empresário que faz isso não sabe a arapuca em que está se metendo. Um estranho na sociedade pode gerar conflito com os herdeiros.” 

 

O ex-banqueiro Luiz Cezar Fernandes, que fundou o banco Pactual, em 1983, passou por uma experiência parecida com essa. Ele deu participação para alguns funcionários, entre eles um jovem prodígio chamado André Esteves. 

 

Mas, depois de alguns problemas financeiros pessoais de Fernandes, Esteves e os outros sócios acabaram comprando a participação do banqueiro. Tempos depois, o banco de investimentos era vendido por US$ 3,1 bilhões ao suíço UBS e Esteves levou boa parte dessa bolada. 

 

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Assim, em alguns anos, o modesto funcionário da área de informática tornou-se bilionário. Hoje, Esteves comanda o BTG, um outro banco de investimentos montado por ele. Sua trajetória mostra que ele quis permanecer dono da companhia. 

 

Outros, porém, só foram empreendedores por um período curto, quase por necessidade. Um exemplo típico desse fenômeno é o do inglês Ross Brawn. Quando a recente crise econômica estourou, no fim de 2008, a montadora Honda, que competia na Fórmula-1, decidiu abandonar a categoria. 

 

Procurou compradores e não achou quem estivesse disposto a bancar o negócio. A saída era fechar e demitir os cerca de 700 funcionários. Para evitar essa situação desastrosa, Brawn comprou a equipe por um valor simbólico de uma libra, o equivalente a R$ 3,20 na época do contrato. 

 

O novo dono correu atrás de patrocínio, de motor e tratou de criar um carro vencedor. Resultado: a sua Brawn GP foi campeã mundial no primeiro ano de competição. Brawn, contudo, não quis continuar como o todo-poderoso chefão da empresa. 

 

Em novembro do ano passado, logo depois de comemorar a conquista do campeonato, ele vendeu 75,1% das ações para a alemã Mercedes-Benz. Brawn sentiu na pele o que é ser dono. Como dizia o poeta Fernando Pessoa (1888-1935), “precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.”