17/04/2002 - 7:00
DINHEIRO ? O que surgirá dessa fusão?
ALCIDES HELLMEISTER FILHO ? Surgirá a maior empresa de auditoria do País. Teremos um quadro de 3 mil funcionários, entre sócios, profissionais e pessoal administrativo. Nossa receita deverá bater em R$ 300 milhões neste ano. A carteira de clientes terá 3 mil empresas dos mais diversos portes, origens e setores, atendidas por escritórios em dez cidades brasileiras.
DINHEIRO ? Em algumas fusões, a soma de um mais um dá
1,8 em vez de dois…
HELLMEISTER ? Sem dúvida que esse risco existe. Queremos construir uma empresa nova que atenda aos anseios e perspectivas de todos os profissionais. O mais importante é que os princípios das duas empresas são muito semelhantes. Há também muita sinergia. Por exemplo: a Andersen tem boa penetração em setores como energia, telecomunicações e construção. Já a Deloitte é forte em alimentos. A Deloitte trabalha com muitas empresas de origem americana e a Andersen, com européias. A Andersen é predominante nos três estados do Sul do País. A Deloitte é líder absoluta nos mercados do Nordeste para cima.
DINHEIRO ? O sr. não tem receio de a Deloitte herdar algum problema jurídico com a incorporação da Andersen?
HELLMEISTER ? Criamos uma nova empresa e montamos uma estrutura societária, na qual todos os passivos de qualquer natureza são assumidos pelas empresas originais. A nova Deloitte surge sem qualquer passivo. Além disso, é bom lembrar que a Andersen foi obrigada a se unir com outra empresa no Brasil em função de problemas nos Estados Unidos e não de problemas no mercado brasileiro.
DINHEIRO ? Como a situação criada a partir da quebra da Enron e do indiciamento da Andersen afeta o negócio das auditorias?
HELLMEISTER ? Neste momento é prematuro dar acabamento final para o cenário final. Mas certamente haverá mudanças profundas, passado o momento inicial de reação exagerada em relação ao assunto, com os reguladores tentando proibir tudo. Nós da Deloitte temos a própria metodologia de avaliação de riscos e conflitos de interesses. Se chegamos à conclusão de que há conflito nós não fazemos o trabalho. Já perdemos clientes com isso. A auditoria terá de ser uma atividade mais transparente para nosso mercado consumidor, que são os compradores de ações, os bancos que financiam companhias, que utilizam nossos pareceres para investir ou tomar decisões para emprestar dinheiro. A linguagem utilizada pelas auditorias em seus relatórios ainda é excessivamente técnica e voltada para o próprio auditor. Tem de transformar a linguagem palatável para o público que utiliza nossos relatórios. Temos de passar a nos comunicar melhor com nosso público consumidor e com a sociedade, ou seja, os órgãos reguladores, as entidades empresariais, etc.
DINHEIRO ? Por que essa linguagem sempre foi tão hermética?
HELLMEISTER ? Porque talvez não tivéssemos clareza da
amplitude de nosso público. Nós endereçamos para os grandes bancos de investimento e os grandes investidores. E, na realidade, nós trabalhamos para o público em geral. Esse debate já ocorre
há anos entre as auditorias. A situação atual tende a acelerar o debate e as decisões.
DINHEIRO ? Qual o impacto dessa situação no Brasil, onde as informações das empresas ainda são menos transparentes do que nos Estados Unidos?
HELLMEISTER ? Cabe também aos órgãos reguladores exigir das empresas o acesso maior às suas informações. Nos Estados Unidos, a exposição das empresas é maior do que no Brasil. Hoje se discute muito a adoção de princípios de contabilidade e divulgação globais, que seriam aplicados de forma indistinta em todos os países do mundo, inclusive no Brasil. Dessa forma, a exposição vai aumentar.
DINHEIRO ? O fato de as empresas de auditoria oferecerem diversos produtos não provoca um choque de interesses, já que sua independência ficaria comprometida?
HELLMEISTER ? Muitas vezes, o próprio mercado regula esse tipo de situação. Por exemplo: a implantação de ERP, os grandes softwares como SAP, Oracle, o próprio mercado já não aceita que as mesmas empresas que implantam esses softwares, que são estratégicos, também façam sua auditoria. O que é bom deixar claro é que tem havido grandes avanços no sentido de aprimorar o trabalho das auditorias.
DINHEIRO ? Que tipo de avanço?
HELLMEISTER ? Os auditores não podem compartilhar responsabilidades, por exemplo. Vamos pegar o caso de um fundo de pensão. Antes os auditores simplesmente aceitavam os cálculos atuariais feitos por outras empresas e compartilhávamos a responsabilidade com elas. Então partíamos do princípio de que eles estavam corretos. Hoje não podemos mais fazer isso. É uma regra inaugurada em janeiro deste ano. Eu tenho de ter especialista para ver se, nesse caso, os atuários fizeram os cálculos corretos. Então eu tenho de contratar atuários para fazer essa tarefa.
DINHEIRO ? Por que de tempos em tempos ocorrem casos de falhas de empresas de auditoria, como no caso do Banco Econômico e do Banco Nacional e agora na Enron?
HELLMEISTER ? É difícil explicar essas situações. Quando elas surgem, trazem uma repercussão muito negativa para o setor. Por que nós nos interessamos pela Andersen? Porque nem Andersen nem Deloitte têm qualquer caso de litígio no Brasil ao longo de suas histórias. Então os aspectos técnicos das duas empresas são muito próximos. Agora, auditores não fazem propaganda de casos de sucesso. Quantos milhares e milhares de pareceres nós emitimos e não houve qualquer erro? Então, esses casos são pontuais, que acontecem aqui e acolá.
DINHEIRO ? Os clientes dificultam o trabalho dos auditores?
HELLMEISTER ? Cabe à própria empresa de auditoria criar as condições para que isso não aconteça. Antes de aceitar um cliente, nós pesquisamos seu corpo gerencial, se é uma empresa séria ou não. Aí temos um comitê de aceitação e chegamos à conclusão de que a direção da empresa tem uma atitude de transparência para que possamos trabalhar sem qualquer restrição. Se houver alguma ameaça de que não poderemos trabalhar com liberdade, não aceitamos o cliente.
DINHEIRO ? Há muita rejeição?
HELLMEISTER ? Pelo menos a metade dos pedidos nós recusamos em função desses critérios. E se já tem o cliente e a transparência não se confirma deve-se abrir mão da conta. E isso, infelizmente, acontece com certa freqüência. O importante é que a Andersen também tem instrumentos semelhantes.
DINHEIRO ? Nos últimos anos, houve uma forte concentração no mercado de auditorias. Esse processo chegou ao fim?
HELLMEISTER ? Na verdade, nós gostaríamos que a Andersen continuasse como nossa concorrente. Essa situação enfrentada por ela não nos agrada, pois prejudica o mercado inteiro e a própria atividade de auditoria. Seria muito mais saudável ter a Andersen como participante do mercado. Era esperado que em 2004 seriam quatro grandes empresas de auditoria no mercado. Hoje, dois anos antes, chegamos nesse nível.
DINHEIRO ? Esse deve ser o desenho do mercado?
HELLMEISTER ? Pode haver mudanças. Os reguladores
europeus são muito rígidos e pode haver uma situação na qual os órgãos reguladores podem exigir uma divisão de grandes empresas. Mas não creio que possa se chegar a essa situação. Acho mais provável que eles determinem que uma empresa de auditoria só possa fazer auditoria.
DINHEIRO ? Por exemplo?
HELLMEISTER ? Os órgãos podem determinar que firmas de auditoria não prestem serviços de advocacia, de planejamento tributário. Mas para isso seria necessário até mudar leis. Em
passado recente, a Ernst & Young e a KPMG tentaram fazer uma fusão e foram impedidas pelos órgãos reguladores da Comunidade Européia, pois a concentração em países como Alemanha e Holanda seria brutal.
DINHEIRO ? Mas isso não está certo, já que uma concentração nesse mercado seria arriscado para a lisura dos trabalhos de auditoria, que requerem uma independência grande?
HELLMEISTER ? Acho que cinco empresas seria ideal, mas quatro está de bom tamanho. Menos de quatro fica difícil. O cliente ficaria sem opções e a concorrência ficaria prejudicada. Por isso, seria preferível se a Andersen continuasse como concorrente.
DINHEIRO ? Se o sr. acha isso, por que aceitou a fusão?
HELLMEISTER ? Não havia saída para a Andersen. De
qualquer modo, a Andersen se fundiria com uma outra.
Então, nos antecipamos.
DINHEIRO ? Na fusão, vocês abriram mão de clientes conflitantes, já que pode haver o risco de vazamento de informações estratégicas?
HELLMEISTER ? Não necessariamente. Porque com o atendimento a mais de um cliente de um setor, nossos profissionais podem se especializar naquele ramo de especialidade. Então as respostas entregues aos clientes, em tese são melhores do que se não houvesse essa especialização. Além disso, na troca de informações estratégicas, o auditor não tem acesso a informações. Ele olha demonstrações financeiras e opina sobre elas. Existem procedimentos de toda a natureza para evitar esse tipo de coisa. Em nosso caso, há poucos casos de clientes de mesmo setor. O que nós estamos procurando com a fusão é massa crítica e teremos muita possibilidade de especializar nossos profissionais. Temos uma chinese wall. A equipe que serve um cliente de determinado setor não pode atender e ter acesso a informações de um outro cliente do mesmo setor, a não ser aquelas que são públicas. Nossos profissionais são obrigados a assinar documentos se comprometendo a isso. Fazemos, por exemplo, a auditoria da Basf, da Dow Química e da Monsanto, três concorrentes ferozes. Só que temos equipes inteiramente diferentes para atender a cada um deles.