Governo Trump questiona segurança de vacinas mRNA, utilizadas para combater pandemia da covid-19, e engaveta contratos no valor de US$ 500 milhões, afetando empresas como Pfizer e Moderna. Especialistas criticam decisãoOs Estados Unidos anunciaram nesta terça-feira (06/08) que vão encerrar contratos e cortar o financiamento de vacinas desenvolvidas para combater vírus respiratórios como a covid-19 e a gripe, em uma decisão que gerou críticas de especialistas em saúde.

Ao todo, serão engavetados 22 contratos federais para vacinas baseadas em RNA mensageiro (mRNA), no valor de 500 milhões de dólares (R$2,7 bilhões). O departamento questiona a segurança do uso destes imunizantes no combate às doenças.

“Os dados mostram que essas vacinas não protegem de forma eficaz contra infecções respiratórias como a covid e a gripe”, justificou o secretário nacional de Saúde Robert Kennedy Jr em um comunicado. “Revisamos a ciência, ouvimos os especialistas e agimos”, completou.

As mudanças afetam a pesquisa da vacina contra a gripe aviária desenvolvida pela Moderna, assim como múltiplos pré-contratos com as gigantes farmacêuticas Pfizer e Sanofi. Projetos em estágio avançado foram mantidos para “preservar investimentos anteriores”.

“Estamos realocando esses recursos para plataformas de vacinas mais seguras e amplas, que continuem eficazes mesmo com a mutação dos vírus”, disse Kennedy. Sem especificar quais imunizantes seriam esses, o secretário disse em evento posterior que o foco do governo é desenvolver uma “vacina universal” que imite a “imunidade natural”.

“Acreditamos que ela será eficaz. Não apenas contra os coronavírus, mas também contra a gripe”, disse ele.

Secretário questiona vacinação

Antes de assumir o cargo no governo do presidente americano Donald Trump, Kennedy era um crítico vocal da vacinação e chegou a dizer que “nenhuma vacina é segura e efetiva”.

Ao ser indicado para o cargo na Saúde, passou a recusar o título de “ativista antivacina”. Desde que assumiu a chefia do Departamento, porém, demitiu o painel de especialistas em vacinas que aconselhava o governo e encomendou um estudo sobre a já amplamente desmentida ligação entre o imunizante e autismo.

“Quero deixar absolutamente claro: o Departamento de Saúde apoia vacinas seguras e eficazes para todos os americanos que desejam tomá-las. É por isso que estamos indo além das limitações do mRNA e investindo em soluções melhores”, disse.

Ataques contra o imunizante

Diferentemente das vacinas tradicionais, que geralmente utilizam formas enfraquecidas ou inativadas do vírus ou bactéria, as vacinas de mRNA entregam instruções genéticas às células do organismo, fazendo com que elas produzam uma réplica inofensiva do patógeno para treinar o sistema imunológico a combater a ameaça real.

O método permitiu a produção mais acelerada do imunizante durante a pandemia da covid-19. As vacinas da Pfizer-Biontech e Moderna foram as primeiras com essa tecnologia a serem usadas em humanos.

Os pioneiros da tecnologia, Katalin Karikó e Drew Weissman, receberam o Prêmio Nobel de Medicina de 2023 por sua contribuição para o que foi descrito como “uma taxa de desenvolvimento de vacinas sem precedentes durante uma das maiores ameaças à saúde humana dos tempos modernos.”

Afirmações falsas de que o método seria capaz de alterar o DNA humano foram sistematicamente desmentidas por especialistas. Alegações de que haveria relação entre a vacina e a mpox também não se comprovaram. A tecnologia, inclusive, é também estudada no combate a doenças como malária, HIV e mesmo o câncer.

Especialistas criticam decisão

Infectologistas alertam que futuras pandemias serão mais difíceis de conter sem a ajuda da tecnologia de mRNA.

“Não acho que eu tenha visto uma decisão mais perigosa em saúde pública nos meus 50 anos de atuação”, disse Mike Osterholm, especialista da Universidade de Minnesota em doenças infecciosas e preparação para pandemias.

Ele destacou que a tecnologia de mRNA tem o benefício de ser produzida rapidamente, algo crucial caso surja uma nova pandemia que exija uma vacina inédita.

Para Paul Offit, especialista em vacinas do Hospital Infantil da Filadélfia, o engavetamento dos projetos é “míope”, especialmente com as preocupações crescentes sobre uma possível nova pandemia de gripe aviária.

“Ela certamente salvou milhões de vidas”, disse Offit sobre o imunizante.

gq (AFP, AP)