15/02/2023 - 13:03
Em um movimento audacioso e que pensaram ser decisivo, o então governo americano e a maioria de seus aliados reconheceram, em 2019, o líder da oposição venezuelana Juan Guaidó como presidente interino do país, na esperança de fomentar a saída do esquerdista Nicolás Maduro.
Quatro anos depois, Maduro continua no poder e o autoproclamado governo apoiado por Washington foi dissolvido. Os Estados Unidos ainda consideram Maduro ilegítimo, mas reconhecem que o vento mudou.
Em entrevistas à AFP, funcionários do atual governo e do ex-presidente republicano Donald Trump avaliam os erros de cálculo sobre a resistência de Maduro e a eficácia da oposição. A isso, soma-se a mudança de prioridades do presidente democrata Joe Biden, depois que a Rússia invadiu a Ucrânia.
Para Freddy Guevara, integrante da equipe de oposição que negociou com o governo venezuelano na Cidade do México, o ponto de inflexão aconteceu em março, quando representantes de Biden foram a Caracas para se reunirem com Maduro, e não com Guaidó.
“Claro, entendemos que não somos o centro do mundo e dos problemas com a guerra na Ucrânia. Mas acho que foi um erro muito grande e importante”, reconhece.
Sobre se a posição dos Estados Unidos marcou o colapso do governo de Guaidó, ele afirma: “Não diria que era a política americana, mas acho que havia pessoas dentro do governo americano que queriam que isso acontecesse”.
“Há algumas pessoas que acham, simplesmente, que o tema da Venezuela é muito complicado e que é mais fácil tratar disso como fazem com a Arábia Saudita: aceitam que é uma autocracia e lidam com isso”, explicou.
Maduro e os Estados Unidos fizeram uma troca de prisioneiros em outubro. No mês seguinte, o governo Biden flexibilizou as sanções para permitir que a Chevron retomasse a extração limitada de petróleo na Venezuela, como parte de um esforço para manter baixos os preços mundiais da commodity.
– ‘Erro de estratégia’ –
Três semanas depois de Trump chamar Maduro de “ilegítimo”, o Departamento do Tesouro dos EUA impôs sanções à estatal petrolífera venezuelana PDVSA e deixou a receita de sua filial americana Citgo nas mãos do governo interino de Guaidó.
Segundo Carrie Filipetti, funcionária do Departamento de Estado na gestão do republicano, os americanos acreditavam que a mudança de governo ocorreria em semanas, ou meses. E isso significa que “nunca conseguimos aumentar” a influência, porque, com as sanções, “já estava no nível mais alto”.
“De alguma forma, o erro de tempo acabou provocando um erro de estratégia”, afirmou.
Trump advertiu, à época, que “todas as opções estão sobre a mesa”, o que alguns venezuelanos interpretaram como uma invasão iminente. Nada indica, contudo, que isso tenha sido seriamente considerado.
Os Estados Unidos subestimaram quanto tempo Maduro poderia governar, contornando “o regime de sanções”, apesar da insatisfação popular, completou Filipetti.
– “Estalar os dedos” –
Agora, Maduro diz que quer melhorar os laços com Washington, que ainda reconhece a Assembleia Nacional de 2015, que teve seu poder esvaziado por Maduro.
O congressista democrata Jim McGovern acredita que Biden está “se movendo na direção certa”.
“Para começar, essa ideia de que os Estados Unidos poderiam simplesmente estalar os dedos e mudar a realidade na Venezuela era irreal”, observa ele, que, apesar de responsabilizar Maduro por abusos “horríveis”, reconhece que as sanções “parecem punir” a população “de uma maneira bastante intensa”.
Por isso, ele elogia o acordo alcançado na Cidade do México entre a oposição e Maduro para que a ONU administre US$ 3 bilhões em ativos venezuelanos congelados para necessidades humanitárias. O político americano também pede o alívio das sanções por parte dos EUA, em troca de um maior avanço nas negociações.
Os defensores das sanções não veem dessa forma.
Elliott Abrams, representante especial da Venezuela sob Trump, afirma que Biden “abandonou” a oposição, um “retrocesso assombroso” para um governo que diz priorizar os direitos humanos e desafiar as companhias de combustíveis fósseis.
Abrams reconheceu que Maduro, que é apoiado por Cuba, China e Rússia, ainda está entrincheirado. Ele não vê “uma oportunidade no curto prazo para destituí-lo”, mas acredita que os Estados Unidos não devem “desistir”.
– Novas eleições –
Desde 2019, o cenário regional mudou, e presidentes de esquerda substituem os inimigos ferrenhos de Maduro na Colômbia e no Brasil. E, há dois anos, a União Europeia deixou de reconhecer Guaidó como presidente interino.
Para Mark P. Jones, professor de Estudos Latino-Americanos da Rice University, a necessidade de petróleo após a invasão da Ucrânia foi a “gota d’água”.
Os opositores de Maduro estão concentrados nas eleições de 2024, mas poucos esperam que o governo ceda o poder.
“Podemos entrar em uma máquina do tempo em 2024 e voltar a 2019: nosso líder opositor conta com o apoio das pessoas nas ruas e é reconhecido pelo restante do mundo, Maduro, não, mas segue no poder”, afirma Guevara.