23/11/2021 - 9:08
O governo do ex-presidente Donald Trump ficará na história americana como um dos mais confusos. Trump ameaçou os fundamentos da democracia e elevou a insegurança institucional ao níveis mais altos da história recente. Uma de suas decisões mais criticadas foi a indicação de Jerome Powell para o Federal Reserve (Fed), o banco central americano.
Sua antecessora, a economista Janet Yellen, havia feito um excelente trabalho de correção de rota após a crise do subprime. No entanto, ligada aos democratas, ela não foi reconduzida por Trump e ficou no Fed por apenas um mandato. Foi sucedida por Powell. Nascido em 1953 e republicano de carteirinha, ele é um advogado por formação, trabalhou em fundos de private equity e tem uma longa carreira no setor público americano.
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Mesmo assim, era um nome pouco conhecido fora de Washington, cidade onde nasceu. E acidentalmente estava à frente do principal banco central do mundo quando explodiu a pior pandemia em um século. Quando todos esperavam uma catástrofe, ele surpreendeu.
Powell se esforçou para não repetir o erro dos anos 1930, quando o Fed apertou os parafusos da economia afetada pelo crash de 1929 e lançou o mundo em uma depressão tão profunda que levou à Segunda Guerra Mundial. Para conter a pandemia o Fed recorreu a instrumentos que nunca haviam sido usados, como a aquisição de dívidas privadas, a injeção de dinheiro diretamente na economia e a manutenção de juro zero nos Estados Unidos.
Porém, sua atuação foi adiante disso. O reflexo inevitável dessas decisões foi uma alta da inflação. A primeira regra da economia monetária é que o aumento da quantidade de dinheiro em circulação eleva os preços da economia em geral. E quando isso ocorre, é dever do banqueiro central corrigir a rota para preservar o valor da moeda no longo prazo.
Isso vem ocorrendo nos Estados Unidos. O Consumer Price Index (CPI) de outubro indicou uma inflação acumulada em 12 meses de 6,2%, a mais elevada desde novembro de 1990, quando os preços do petróleo dispararam devido à primeira Guerra do Golfo.
Só isso deveria levar o Fed a apertar a política monetária – a meta de inflação está ao redor de 2%. No entanto, a situação não é tão simples. O índice que o Fed acompanha, o Personal Consumption Expenditure (PCE), cuja base de comparação é mais ampla que a do CPI, registra uma inflação menos intensa.
O número de outubro ainda não foi divulgado, mas a alta em 12 meses até setembro era de 4,4%. Para comparar, nos 12 meses até setembro, o CPI estava em 5,4%, um ponto percentual acima. E o “núcleo” do PCE, que exclui itens como alimentos e combustíveis, cujos preços variam de forma menos previsível, está ainda mais baixo. No 12 meses até setembro, a alta é de 3,6%. E esse percentual não se alterou nos últimos quatro meses.
Tendo em vista esse cenário, haveria boas justificativas teóricas e técnicas para esperar para ver antes de elevar os juros. E Powell construiu um consenso dentro do BC americano (que é na verdade uma confederação de 12 Feds regionais) para ser tolerante com a inflação, o que permitiu uma recuperação mais rápida da economia americana.
Ele também rompeu com a tradição de hermetismo na comunicação com a economia. Nas tradicionais entrevistas coletivas concedidas após a decisões, Powell se diferenciou dos antecessores por falar para o americano médio.
Ao permanecer mais quatro anos, Powell terá um desafio igualmente grande, que é reduzir as medidas de estímulo, elevar os juros e desacelerar a alta de preços provocando os menores solavancos possíveis na economia. Mas, diferentemente de há quatro anos, ele agora conta com a confiança dos investidores. O que sempre ajuda.