17/03/2022 - 11:22
Criticados em 2015 por terem fechado suas portas aos migrantes e refugiados do Oriente Médio e da África. Agora, sete anos depois, os países da Europa Central acolhem um número sem precedentes de pessoas que fogem da guerra da Ucrânia.
Na última onda de imigrantes de 2015, que levou mais de um milhão de refugiados à Europa, os países do chamado grupo de Visegrado (Eslováquia, Hungria, Polônia e República Tcheca) se opuseram ao sistema implementado pela União Europeia para redistribuir o fluxo de chegadas.
Desde que a Rússia atacou a Ucrânia em 24 de fevereiro, porém, estes quatro países ex-comunistas, que estiveram sob a órbita de Moscou até 1989, não têm poupado esforços para ajudar quem foge da guerra.
Os analistas citam a proximidade cultural, linguística e geográfica com a Ucrânia para explicar essa mudança de estratégia, assim como o fato de que a maioria dos novos refugiados serem mulheres e crianças.
“A situação é completamente distinta hoje”, destaca o sociólogo Martin Buchtik, diretor do instituto STEM sediado em Praga.
A Ucrânia “é uma sociedade culturalmente muito próxima a nós, enquanto que as pessoas vindas do Oriente Médio estão muito distantes. Não temos nenhuma experiência com eles, diferentemente dos países ocidentais”, disse à AFP.
Segundo Buchtik, o impacto causado pela guerra é um fator importante.
“A situação aconteceu aqui e agora, não deixou espaço para discussão. Não é por nada que a primeira fase de um fenômeno impactante é chamada de heroica”, acrescentou.
Mais de três milhões de ucranianos fugiram para os países vizinhos como Eslováquia, Hungria, Romênia, Moldávia e, sobretudo, Polônia. Somente esta última acolheu quase dois milhões de refugiados. República Tcheca, Hungria e Eslováquia receberam mais de 200.000.
– A mudança em relação a 2015 –
Segundo Grigorij Meseznikov, um analista baseado em Bratislava, a cobertura midiática da invasão também contribui para esta mudança.
“O sofrimento do povo ucraniano é tão espetacular que desperta nos eslovacos a compaixão pelos refugiados ucranianos”, disse.
Em 2015, a onda de migrantes se transformou em um desafio político para os quatro países. Seus dirigentes temiam, sobretudo, contrariar os eleitores, se acolhessem as pessoas que fugiam de outros conflitos, como Síria, ou Afeganistão.
Hoje, no entanto, a questão gera consenso entre uma população que, no passado, também sofreu a opressão de Moscou.
Anna Materska-Sosnowska, cientista política da Universidade de Varsóvia, afirma que a aversão histórica da Polônia em relação à Rússia é crucial para seu papel na crise, em linha com a expressão “o inimigo do nosso inimigo é nosso amigo”.
“A sociedade polonesa reagiu bem, e o governo se viu obrigado a seguir. Nossa proximidade cultural e linguística teve sua importância”, disse à AFP.
Segundo ela, “o fato de as pessoas verem, principalmente, mulheres e crianças aumenta sua compaixão”.
A situação contrasta com o ocorrido há poucos meses, quando o governo ordenou a construção de um muro em sua fronteira com Belarus para frear um importante fluxo de migrantes do Oriente Médio. Segundo Varsóvia, este movimento migratório foi orquestrado por Minsk e Moscou.
Em 2015, foi o primeiro-ministro Viktor Orbán que se destacou por sua oposição feroz à chegada de refugiados e levantou um muro em sua fronteira com a Sérvia.
– Dois pesos e duas medidas –
Mesmo agora, o ultranacionalista Orbán se distingue do restante por seus estreitos vínculos com o presidente russo, Vladimir Putin, e pela recusa a enviar armas para a Ucrânia, como defende a União Europeia.
Ele se mostrou, contudo, favorável à acolhida de ucranianos, muitos de origem húngara, oriundos da região fronteiriça da Transcarpátia.
“A Hungria continuará ajudando os refugiados e a recusar a migração”, disse. “São duas palavras diferentes na língua húngara. Migrantes: parem. Os refugiados podem obter toda ajuda de que necessitam”, insistiu, claramente.
“Somos capazes de distinguir um migrante – que vem do sul (…) – de um refugiado”, acrescentou Orbán, usando uma definição incompatível com o Direito Internacional.
As Nações Unidas descrevem os refugiados como pessoas “que se encontram fora de seu país de origem por temer a perseguição, o conflito, a violência generalizada, ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública”.
O sociólogo checo Buchtik alerta, no entanto, que esta percepção pode mudar no contexto das dificuldades causadas pela pandemia e pelo aumento dos preços da energia e dos combustíveis.
“A mudança de humor dependerá da carga imposta para a sociedade. Não sabemos ainda quantas pessoas virão e quantas permanecerão”, completou.
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