10/05/2013 - 21:00
No Velho Mundo em crise, o luxo está mudando de mãos. O recente anúncio do leilão de vinhos da adega presidencial francesa, nos dias 30 e 31 de maio deixou eufóricos donos de restaurantes, enólogos e qualquer amante da bebida com euros sobrando na carteira. Pudera. Entre os rótulos, estão os prestigiados Château Petrus 1990 (o mais caro, € 2,2 mil), Lafite 1975 (€ 800) e outros mais em conta, como o Château Laville Haut-Brion 1966, cujo preço deve ficar em € 200. O assunto, no entanto, jogou luz sobre a política de austeridade que toma conta dos governos europeus. A maioria deles criou programas de vendas de ativos, como prédios, palácios, ilhas, vinhos e até cachoeiras, para fazer caixa.
Pechincha: na montagem, François Hollande, presidente da França, e uma garrafa
de Petrus, da adega do Palácio Eliseu
Na França, o presidente François Hollande espera arrecadar cerca de € 250 mil com a venda, dinheiro que servirá para reformar o Palácio do Eliseu e, se sobrar algum, ajudar no cofre do Estado. “São vinhos usados em jantares e recepções da Presidência”, explicou um porta-voz da casa de leilões Drouot, responsável pelo pregão, à agência de notícias Reuters. A quantia equivale a apenas 10% da adega privada do palácio presidencial, de 12 mil garrafas, que foi criada em 1947. Elas serão substituídas por vinhos mais baratos. O especialista Arthur de Azevedo, diretor da Associação Brasileira de Sommeliers, conta que as garrafas que estão para arremate são grandes vinhos de Bordeaux e da Borgonha, que normalmente alcançam preços elevados em leilões de todo o mundo, principalmente no mercado asiático, como China, e nos Emirados Árabes.
Obra de arte: estátua do artista inglês Henry Moore será leiloada para ajudar subúrbio londrino
“Não há especificamente um dano ao patrimônio francês, porque todos os vinhos que irão para leilão não são espécies raras”, diz. A ação ajuda também a reforçar a figura não elitista de Hollande, que faz questão de desvincular a sua imagem do luxo e de excessos. A ideia não chega a ser nova. Em março deste ano, o governo britânico leiloou um lote de vinhos de sua adega no valor de € 59 mil, com garrafas de Château Petrus 1970 (€ 1,18 mil cada) e Le Pin 1986 (€ 944 cada). O intuito era racionalizar os vinhos da adega do governo, de 38 mil rótulos, maior do que a existente na França. Ainda na Inglaterra, no distrito de Tower Hamlets, na região de Londres, a estátua Draped Seated Woman (“mulher drapeada sentada”, em inglês), criada pelo escultor britânico Henry Moore, deve ser leiloada em breve por €23,6 milhões, para arrecadar fundos ao bairro, um dos mais pobres do subúrbio londrino.
A crise afetou também os negócios da família real, fazendo com que o príncipe Charles anunciasse o fechamento de sua loja de produtos orgânicos, The Veg Shed, na quarta-feira 8, devido à queda nas vendas. “Esta foi uma decisão difícil de ser tomada por nós e gostaríamos de pedir desculpas pelo inconveniente que isso vai causar”, disse Charles em comunicado. A venda agora será feita só pela internet. Outros governos do continente têm apertado bem mais o cinto. Na Espanha, em Barcelona, a administração catalã colocou em uma tacada só 18 prédios públicos à venda ou para arrendamento por, no mínimo, 20 anos. Treze deles ainda estão ocupados por repartições do governo e são oferecidos num pacotaço por € 162,6 milhões. Na Grécia, o menu é mais variado. Pequenas ilhas nos arredores de Mykonos têm atraído a cobiça de multimilionários.
Paraíso particular: na Grécia, vendas do governo incluem ilhas, hotel, mansões
e até nascentes de águas termais
Os maiores investidores, segundo o jornal inglês The Guardian, são os russos e os chineses, que desembolsaram, só neste ano, até € 15 milhões por ilhas com mais de mil hectares. Para facilitar o trabalho deles, o Fundo para Desenvolvimento de Ativos da República Grega tem em sua página na internet uma lista com tudo o que está à venda. Vai de imensos terrenos pé na areia e resorts de luxo a fontes termais e nascentes com propriedades medicinais, muito populares no país. No começo de abril passado, uma das cerejas desse bolo grego foi vendida por €25,9 milhões. Tratava-se da casa do cônsul da Grécia em Londres, um prédio de três andares e nove quartos, com vista para o Holland Park, entre os bairros de Kensington e Chelsea. Em estilo vitoriano, a mansão foi comprada por um bilionário anônimo. Mas essa fortuna sequer aterrisou em Atenas: foi parar direto na conta dos credores da economia grega – FMI, Banco Central Europeu e União Europeia.