O acordo de livre comércio com o Mercosul, cujo processo de ratificação foi iniciado pela União Europeia (UE) nesta quarta-feira (3), promete abrir um pouco mais o mercado europeu aos produtos latino-americanos, uma perspectiva que alarma os agricultores da Europa, especialmente na França.

Este acordo “nunca foi tão prejudicial para os agricultores, comunidades rurais e consumidores europeus”, alertou na terça-feira Copa-Cogeca, o principal grupo de pressão agrícola europeu.

– Volumes agrícolas –

A Comissão Europeia, o braço executivo da UE, fala de “pequenos volumes” comparando as cotas de importação previstas com as produzidas anualmente pelo bloco.

O tratado vai reduzir tarifas aduaneiras para um máximo de 99 mil toneladas de carne bovina, o que representa 1,6% da produção da UE. Acima dessa quantidade, continuarão a ser aplicadas tarifas “amplamente proibitivas”, superiores a 40% (em vez de 7,5%).

O limite será de 180 mil toneladas para as aves (1,4% da produção comunitária) e de 190 mil toneladas para o açúcar (1,2%).

Em troca, Bruxelas garante que o acordo representará uma oportunidade de mercado para produtos europeus até agora restringidos na América Latina, como vinho (taxado atualmente em até 35%), azeite e queijos.

– Setores expostos –

Embora os volumes previstos sejam baixos em relação à produção europeia, já estão abalando alguns setores.

A associação interprofissional de carne bovina na França indica que os países do Mercosul já fornecem a maior parte das importações de filés, as peças “nobres”.

Se as 99 mil toneladas de carne bovina autorizadas se concentrarem no filé, isto representaria um quarto da produção europeia.

Segundo o Instituto de Pecuária francês, os filés do Mercosul têm um custo entre 18% e 32% inferior ao dos europeus.

Os produtores de frango também temem que seus pares brasileiros se concentrem nas peças mais lucrativas: os filés.

E os produtores de etanol, mel ou carne suína também estão em risco, afirma Stefan Ambec, economista do instituto de pesquisa INRAE, que prevê uma queda nos preços pagos aos agricultores europeus.

“Os custos de produção diferem, e o problema é que as normas de saúde e ambientais não são as mesmas”, explica.

– As normas –

A Comissão rebate que “todo produto do Mercosul deverá respeitar as rigorosas normas da UE em matéria de segurança alimentar”.

O acordo de livre comércio CETA assinado com o Canadá, por exemplo, não atinge as cotas de exportação de carne há seis anos porque não há produção suficiente que cumpra as normas comunitárias, destaca um funcionário europeu.

No entanto, Bruxelas admite que “as condições de produção” no Mercosul não serão necessariamente as mesmas que na Europa.

Em termos sanitários, continuará proibida a importação de carne tratada com hormônios de crescimento.

No entanto, a carne proveniente de fazendas que utilizam práticas proibidas na UE — uso de antibióticos promotores de crescimento ou de determinadas farinhas animais — poderá entrar, enfatizam os críticos.

– Os controles –

“Em teoria, a carne tratada com antibióticos ou hormônios de crescimento não pode entrar, mas na prática sua rastreabilidade é imperfeita”, diz a Ambec.

“Há inspeções de matadouros organizadas com a Comissão, mas não é fácil controlar o gado antes dessa etapa. O acompanhamento desde o nascimento até o matadouro, no Mercosul, só existe no Uruguai”, explica este economista.

De fato, uma auditoria da UE revelou no final de 2024 falhas nos controles da carne bovina no Brasil, incapazes de garantir a ausência do hormônio oestradiol, proibido na Europa.

Na quarta-feira em Bruxelas foi mencionado “o compromisso de criar um grupo de trabalho para reforçar os controles de importação”.

– “Freio de emergência” –

Para responder às preocupações da França, Bruxelas também introduziu, nesta quarta-feira, uma “cláusula de salvaguarda” reforçada para os produtos sensíveis, um tipo de “freio de emergência” em caso de aumento repentino das importações ou queda nos preços.

Se houver “um prejuízo grave ou um risco para a União Europeia, a União, após uma investigação, pode decidir” limitar essas importações, explica um alto funcionário.

A isso se soma um “compromisso político” de monitoramento “muito próximo” desses mercados, com relatórios semestrais, e possíveis medidas provisórias quando forem constatados movimentos de preços ou volumes superiores a 10%.

Por fim, caso as importações “causem danos aos sistemas agrícolas, nos comprometemos a aumentar os fundos disponíveis para compensar os agricultores no âmbito da PAC”, destacaram em Bruxelas.