Imagine um game do mundo dos negócios. A primeira fase tem poucas regras, o importante é desenvolver um produto que agrade ao mercado dentro da lei e o principal objetivo é crescer e ganhar dinheiro. Quando a empresa alcança um certo tamanho, muda-se de fase.

Nessa nova etapa, você já chama a atenção da sociedade e, se continuar a agir como antes, de forma pouco cuidadosa com os efeitos do negócio, sofrerá ataques dos temíveis stakeholders e morrerá rapidinho.

Ao decidir gerir melhor os impactos da empresa e seguir a trilha da Responsabilidade Social Corporativa, você recebe créditos para ir em frente e ganha estrelinhas ao incorporar práticas ambientais, sociais e de governança (ASG). É nesse estágio que boa parte das grandes empresas do planeta (e do Brasil) se encontra.

Essa fase tem uma particularidade. A partir de um determinado ponto, a trilha da Responsabilidade Social Corporativa fica mais íngreme e você só avança se ganhar estrelinhas com melhores práticas de ASG. No entanto, elas não lhe geram mais crédito. Assim, você chega ao final da jornada praticamente sem crédito e, para avançar à etapa seguinte, precisa assumir um desafio ainda maior para o negócio.

Uma série de empresas brasileiras e globais estão nesse momento: começam a perceber que as evoluções na gestão dos impactos sociais e ambientais já não lhes dão mais créditos com a sociedade. Da mesma forma, a boa governança é condição mandatória. Este comportamento empresarial passou a ser o novo patamar mínimo esperado. Cobra-se agora, cada vez com mais veemência, o salto para uma nova fase, na qual o desafio é encarar o impacto central do negócio na sociedade.

Saltando do game para a vida real, tive conversas recentes com uma série de grandes empresas e percebi esse momento de desconforto, causado pela percepção de que algo não está mais fazendo efeito. Na verdade, há mais confusão do que conclusão no cenário atual.

Em geral, aponta-se para a necessidade de melhorar a comunicação. Esse diagnóstico está contaminado pelas profundas transformações geradas pelas mídias digitais no relacionamento de organizações com seus públicos – e que ainda estão sendo assimilados.

Vale lembrar que as grandes empresas têm investido pesadamente em Relações Públicas, que analisam dados constantemente e comunicam incansavelmente. Sem efeito na melhora do nível de confiança e engajamento das pessoas mais críticas (os formadores de opinião) às promessas das empresas.

Na pressa por encontrar uma solução, algumas empresas aderem à moda da vez: definir um propósito. Fazem isso, no entanto, como mais uma técnica de marketing, repaginando as cansadas frases de Visão e Missão.

Deixam escapar, assim, a oportunidade de realmente passar a fase seguinte do jogo: assumir o desafio de encarar para que serve o negócio, qual benefício traz para a sociedade e, com isso, ganhar créditos com os públicos para seguir em frente.

É importante reforçar que boas práticas ambientais, sociais e de governança são mandatórias, essenciais para manter qualquer empresa no jogo nos dias atuais. É o que garante a coerência necessária e, portanto, a legitimidade, para que seu propósito possa ser considerado válido pela sociedade.

O termo em inglês Walk the Talk foi criado para resumir essa coerência entre a prática e o discurso. Tem sido, com maior ou menor sucesso, a busca atual das empresas. Mas os formadores de opinião demonstram querer mais. Nesta nova fase, o caminho deve fazer sentido para todos, deve gerar resultados que beneficiem ao negócio e a toda a sociedade.

Nesse caso, talvez seja necessário repensar a produção dos carros que travam nossas cidades, dos alimentos que nos tornam obesos ou das embalagens que se transformam em montanhas de lixo. As grandes empresas estão diante dessa nova fase de questionamento dos stakeholders. Permanecer ou não no jogo depende de como assumirão esses novos desafios.