Por Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA (Reuters) – O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo sustentou à CPI da Covid no Senado que não considera nenhuma de suas declarações como antichinesas, levando integrantes da comissão a lembrá-lo de que é obrigado a falar a verdade no depoimento que presta nesta terça-feira ao colegiado.

No depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o ex-ministro negou que sua atuação tenha trazido qualquer “percalço” à obtenção de vacinas, principalmente em relação à China, apesar de admitir que o Itamaraty editou notas oficiais apontando o que considerou “comportamentos inadequados” do embaixador da China no Brasil.

As queixas do ex-titular do Ministério das Relações Exteriores devem-se a publicação no Twitter do embaixador da China com críticas à família do presidente Jair Bolsonaro em postagem no Twitter. O representante diplomático do país asiático no Brasil reagia a publicação anterior na rede social do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.

“O embaixador da China tinha se excedido, sobretudo, ao fazer um retuíte de uma postagem ofensiva ao próprio presidente da República. Isso é importante que se lembre. O embaixador da China fez um retuíte de um tuíte que dizia, abre aspas, ‘a família Bolsonaro é o veneno do Brasil’, fecha aspas. Isso foi extremamente ofensivo”, disse Araújo, negando, durante o depoimento à CPI, que tenha saído em defesa de Eduardo.

“Não endossávamos as declarações do Eduardo, do deputado Eduardo Bolsonaro. Lembrava, se não me engano, que existe a liberdade de expressão no Brasil e que não cabe ao governo federal cortar a liberdade de expressão, seja de um parlamentar, seja de qualquer pessoa. E enfatizava que o objetivo era preservar as ótimas relações com a China”, justificou o ex-titular do Ministério das Relações Exteriores.

Araújo reiterou, em diversos momentos, que não entende nenhuma de suas declarações como “antichinesas”.

As reiteradas negativas levaram parlamentares, caso do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), a alertá-lo que precisava dizer a verdade e pedirem que não omitisse informações.

Aziz citou artigo em que o ex-chanceler faz menção a um “comunavírus”, questionando-o se isso não poderia ser entendido como ofensivo ao país asiático –um dos maiores produtores de insumos para vacinas e importante parceiro comercial do Brasil.

“O senhor não acha que chamar ‘comunavírus’ não é uma coisa que indispõe a relação amigável que nós sempre tivemos — comercial — com a China? Se o senhor não acha isso, eu não sei o que mais achar”, disse Aziz.

Questionado pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), sobre declarações do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello segundo as quais a China não estaria dando celeridade ao envio e por isso estaria em curso uma movimentação diplomática para resolver o problema, Araújo negou que os chineses estivessem oferecendo dificuldades.

“Quando se fala em resistência, pode parecer que haja uma má vontade de alguma maneira, e isso nós nunca identificamos nas autoridades chinesas”, respondeu.

Depois, em resposta ao senador governista Marcos Rogério (DEM-RO), que perguntava se seria justo atribuir à China uma atitude de boicote ao Brasil por conta de declarações do presidente ou de autoridades públicas, o ex-chanceler afirmou que o país asiático não teria interesse nenhum em espalhar a imagem de que negociam imunizantes a partir de contextos políticos.

“A China jamais apresentou qualquer condicionamento de natureza política, comercial ou outra para a liberação das vacinas e insumos de vacinas. E o Brasil não tem por que se sentir, de nenhuma forma, discriminado pela China, muito pelo contrário. Isso foi dito por autoridades chinesas à nossa Embaixada em Pequim; foi declarado também pelo embaixador da China, em Brasília, que o Brasil foi o país que mais recebeu insumos da China em todo o mundo”, alegou.

“Todo mundo acha que nós criamos problemas com a China, menos a China. As autoridades chinesas jamais nos deram indicação, direta ou indireta, de que qualquer comportamento do Governo brasileiro tivesse resultado num problema.”

CORRESPONDÊNCIAS

A senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, afirmou que o ex-chanceler é um “negacionista compulsivo” e o acusou de omissão à frente da pasta.

A parlamentar pediu que a CPI da Covid aprove pedido ao Itamaraty para que compartilhe toda a troca de correspondências da diplomacia brasileira com outros ministérios e também com embaixadas sobre a pandemia. A comissão deve analisar o pedido na quinta-feira.

Para sustentar sua fala, Kátia Abreu citou reunião ministerial em que Araújo teria feito declarações polêmicas sobre a China ao ponto de o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar a retirada desse trecho da versão da reunião que foi publicizada, para evitar danos aos laços entre o Brasil e o país asiático.

A parlamentar alertou que a CPI poderia pedir a quebra do sigilo para averiguar a fala do ex-titular do Itamaraty nessa reunião. E o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), anunciou sua intenção de pedir a requisição das gravações da reunião ministerial.

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