Sete ex-ministros do Meio Ambiente do Brasil – dos governos Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer – divulgaram na manhã desta quarta-feira, 8, no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), um manifesto conjunto que aponta uma série de críticas ao que classificaram como desmonte da governança socioambiental do Brasil pelo governo Jair Bolsonaro. O texto faz alertas sobre as consequências da continuidade das ações praticadas pelo atual governo.

Representando quase 30 anos de gestão do Meio Ambiente do País e destacando que grupo tem diferenças políticas e ideológicas, os ex-ministros anunciaram intenção de ingressar com ações judiciais contra o desmonte de órgãos de fiscalização e controle ambiental e interlocução com órgãos como a Procuradoria-Geral da República. O argumento é que a Constituição, no artigo 225, diz que o Estado brasileiro tem função de preservar o meio ambiente e estruturar órgãos para a preservação. Ao esvaziar o trabalho desses órgãos, o presidente e o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estariam descumpridor a Constituição.

“Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria historia recente do País demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós”, diz trecho do comunicado.

O desmonte das ações de fiscalização contra o desmatamento ilegal na Amazônia, segundo o documento, coloca em risco a continuidade do combate ao crime organizado e à corrupção presentes nessas ações.

Ações como a retirada da Agência Nacional das Águas (ANA) do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Infraestrutura, a ida do Serviço Nacional Florestal para o Ministério da Agricultura, a extinção da Secretaria de Mudanças Climáticas e os discursos contra os órgãos de controle, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) estão entre os motivos que motivaram a união, idealizada pela ex-ministra Izabella Teixera (de Lula e Dilma Rousseff).

Izabella dividiu mesa e microfone com Edson Duarte (Michel Temer), José Sarney Filho (Temer e FHC), Carlos Minc (Lula), Marina Silva (Lula), José Carlos Carvalho (FHC) e Rubens Ricupero (Itamar). O manifesto também é assinado por Gustavo Krause (FHC), que não participou da coletiva por problemas de saúde.

A ideia foi destacar que, dentro das diferenças políticas de cada governo, o Brasil passou as últimas décadas estruturando sistemas de fiscalização para preservar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, desenvolvendo atividades econômicas sustentáveis, que resultaram em redução das áreas desmatadas com aumento da produção agrícola ao longo dos anos. “O que acontece agora é um aumento do desmatamento em cenário de crise econômica”, disse Marina Silva.

Todos os ex-ministros pontuaram algum tipo de problema. Carlos Minc, por exemplo, afirmou que “um agrotóxico é liberado por dia”, o que já estaria resultando no extermínio de população de abelhas, essenciais para a polinização. Edson Duarte criticou o fim de iniciativas para a busca de parcerias para fomentar a agricultura sustentável e afirmou que, durante a transição de sua gestão para o atual governo, todas as informações estratégicas reunidas para serem passadas a Salles foram ignoradas. “(O documento) ficou na mesa”, afirmou. Também disse que financiamentos internacionais que o Brasil recebe, de países como Alemanha e Noruega, justamente para proteger o meio ambiente, estão em risco.

Já Izabella destacou que o País corre está ameaçado de, futuramente, ter seu comércio afetado por restrições impostas por países interessados na preservação, especialmente o comércio agrícola. Sarney Filho destacou a promessa de fim de demarcações de terras indígenas, lembrado que a prática mostra que essas terras servem como escudos entre florestas e desmatadores.

Os ministros pretendem buscar apoio na sociedade, especialmente na indústria e na comunidade estudantil, para criar mecanismos de pressão por mudanças na condução das políticas. “Reconheço a legitimidade do governo. O que buscamos é diálogo”, disse José Carlos Carvalho.

O jornal O Estado de S. Paulo procurou o Ministério do Meio Ambiente, que informou que publicará em breve uma nota sobre o documento.

Leia abaixo a íntegra do documento:

COMUNICADO DOS EX-MINISTROS DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE

São Paulo, 8 de maio de 2019

Em outubro do ano passado, nós, os ex-ministros de Estado do Meio Ambiente, alertamos sobre a importância de o governo eleito não extinguir o Ministério do Meio Ambiente e manter o Brasil no Acordo de Paris. A consolidação e o fortalecimento da governança ambiental e climática, ponderamos, é condição essencial para a inserção internacional do Brasil e para impulsionar o desenvolvimento do país no século 21.

Passados mais de cem dias do novo governo, as iniciativas em curso vão na direção oposta à de nosso alerta, comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país.

Não podemos silenciar diante disso. Muito pelo contrário. Insistimos na necessidade de um diálogo permanente e construtivo.

A governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição.

Estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente: entre elas, a perda da Agência Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas e, agora, a ameaça de descriação de áreas protegidas, apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e de extinção do Instituto Chico Mendes. Nas últimas três décadas, a sociedade brasileira foi capaz, através de sucessivos governos, de desenhar um conjunto de leis e instituições aptas a enfrentar os desafios da agenda ambiental brasileira nos vários níveis da Federação.

A decisão de manter a participação brasileira no Acordo de Paris tem a sua credibilidade questionada nacional e internacionalmente pelas manifestações políticas, institucionais e legais adotadas ou apoiadas pelo governo, que reforçam a negação das mudanças climáticas partilhada por figuras-chave da atual administração.

A ausência de diretrizes objetivas sobre o tema não somente tolhe o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil, comprometendo seu papel protagônico exercido globalmente, mas também sinaliza com retrocessos nos esforços praticados de redução de emissões de gases de efeito estufa, nas necessárias ações de adaptação e no não cumprimento da Política Nacional de Mudança do Clima.

Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós.

É urgente a continuidade do combate ao crime organizado e à corrupção presentes nas ações do desmatamento ilegal e da ocupação de áreas protegidas e dos mananciais, especialmente nos grandes centros urbanos.

O discurso contra os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o ICMBio, e o questionamento aos dados de monitoramento do INPE, cujo sucesso é auto-evidente, soma-se a uma crítica situação orçamentária e de pessoal dos órgãos. Tudo isso reforça na ponta a sensação de impunidade, que é a senha para mais desmatamento e mais violência.

Pela mesma moeda, há que se fortalecer as regras que compõem o ordenamento jurídico ambiental brasileiro, estruturadas em perspectiva sistêmica, a partir da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981. O Sistema Nacional de Meio Ambiente precisa ser fortalecido especialmente pelo financiamento dos órgãos que o integram.

É grave a perspectiva de afrouxamento do licenciamento ambiental, travestido de “eficiência de gestão”, num país que acaba de passar pelo trauma de Brumadinho. Os setores empresarial e financeiro exigem regras claras, que confiram segurança às suas atividades.

Não é possível, quase sete anos após a mudança do Código Florestal, que seus dispositivos, pactuados pelo Congresso e consolidados pelo Supremo Tribunal Federal, estejam sob ataque quando deveriam estar sendo simplesmente implementados. Sob alegação de “segurança jurídica” apenas para um lado, o do poder econômico, põe-se um país inteiro sob risco de judicialização.

Tampouco podemos deixar de assinalar a nossa preocupação com as políticas relativas às populações indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais, iniciada com a retirada da competência da Funai para demarcar terras indígenas. Há que se cumprir os preceitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988, reforçados pelos compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, há muitas décadas..

O Brasil percorreu um longo caminho para consolidar sua governança ambiental. Tornamo-nos uma liderança global no combate às mudanças climáticas, o maior desafio da humanidade neste s século. Também somos um dos países megabiodiversos do planeta, o que nos traz enorme responsabilidade em relação à conservação de todos os nossos biomas. Esta semana a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), considerada o “IPCC da biodiversidade”, divulgou o seu primeiro sumário aos tomadores de decisão, alertando sobre as graves ameaças que pesam sobre a biodiversidade: um milhão de espécies de animais e plantas no mundo estão ameaçadas de extinção.

É urgente que o Brasil reafirme a sua responsabilidade quanto à proteção do meio ambiente e defina rumos concretos que levem à promoção do desenvolvimento sustentável e ao avanço da agenda socioambiental, a partir de ação firme e comprometida dos seus governantes.

Não há desenvolvimento sem a proteção do meio ambiente. E isso se faz com quadros regulatórios robustos e eficientes, com gestão pública de excelência, com a participação da sociedade e com inserção internacional.

Reafirmamos que o Brasil não pode desembarcar do mundo em pleno século 21. Mais do que isso, é preciso evitar que o país desembarque de si próprio.

Rubens Ricupero

Gustavo Krause

José Sarney Filho

José Carlos Carvalho

Marina Silva

Carlos Minc

Izabella Teixeira

Edson Duarte