24/07/2025 - 4:44
Julho mal terminou e já estouramos nossa cota anual de recursos naturais do planeta – em especial devido a nações que consomem mais que o planeta consegue repor. Mas há saídas.Esta quinta-feira, 24 de julho, marca a data em que a humanidade consumiu a cota de recursos ecológicos de um ano inteiro e entrou no “cheque especial”, demandando mais da Terra do que ela é capaz de produzir.
O cálculo é da ONG internacional de sustentabilidade Global Footprint Network e da Universidade de Toronto, no Canadá, idealizadoras do chamado Dia da Sobrecarga da Terra (Overshoot Day).
O marco, que é monitorado todos os anos, chegou uma semana mais cedo que em 2024 – principalmente porque os oceanos se revelaram capazes de absorver menos CO2 do que acreditávamos.
Estamos consumindo demais, exaurindo a natureza a um ritmo mais acelerado do que ela consegue se recuperar. Isso fica evidente no desmatamento, na perda de biodiversidade e na acumulação de emissões de carbono na atmosfera. E é parte de uma tendência que começou no início dos anos 1970.
Mathis Wackernagel, cofundador da Global Footprint Network, afirma que usar recursos naturais demais está provocando muitos “males ambientais”, e que consumir regularmente mais do que o planeta pode naturalmente oferecer tem um efeito cumulativo.
“Mesmo se mantivermos [o consumo] no mesmo nível, nós aumentamos a dívida ecológica que o mundo sustenta”, explica Wackernagel em conversa com a DW. E essa dívida, assegura, é mensurável.
Consumo excessivo é problema global
Catar, Luxemburgo e Singapura são os que “torram” os recursos do planeta em ritmo mais rápido. Se todo mundo vivesse como nesses três países, a sobrecarga da Terra teria sido atingida já em fevereiro.
Os Estados Unidos não ficaram muito atrás: esgotariam a Terra no dia 13 de março; Alemanha e Polônia, em 3 de maio; China e Espanha, em 23 de maio; Brasil, em 1º de agosto.
Wackernagel aponta que altas rendas “tipicamente levam a maior consumo de recursos”, mas pondera que o dinheiro não é o único motor da destruição.
O Catar, que tem um clima desértico, pouca precipitação anual e verões extremamente quentes, depende bastante de refrigeradores de ar alimentados por energia gerada por combustíveis fósseis.
“Eles têm fácil acesso a combustíveis fósseis, então o uso é barato e isso tem uma enorme pegada ecológica”, explica, acrescentando que o país do Golfo também demanda muita energia e recursos para dessalinizar a água do mar e lidar com a escassez de recursos hídricos.
Muito distante, na outra ponta da lista de 85 países “gastadores”, está o Uruguai. Se todos vivessem como a pequena nação latino-americana, o planeta só estaria exaurido em 17 de dezembro. Montevidéu tira sua energia de fontes renováveis e depende principalmente de hidroelétricas, eólicas e biomassa.
É preciso reduzir o consumo
A grande maioria dos países, contudo, não consome mais do que o planeta é capaz de entregar, como Índia, Quênia e Nigéria.
Para se ater aos limites da Terra, a pegada ecológica mundial teria que corresponder à biocapacidade disponível por pessoa, que atualmente é de cerca de 1,5 hectares. Tudo que excede isso está superexplorando o planeta.
Por biocapacidade, entenda-se as áreas terrestres e marinhas que provêm recursos como alimentos e madeira, podem acomodar a infraestrutura urbana e absorver o CO2 excedente.
A Alemanha tem mais ou menos a mesma biocapacidade per capita que a média global de 1,5 hectares, mas usa três vezes mais, exemplifica Wackernagel.
Já a Índia, o país mais populoso do mundo, embora use mais do que o seu território em si é capaz de repôr em um ano, tem uma média per capita de consumo inferior aos recursos que o planeta produz no mesmo período a nível global.
Wackernagel, porém, insiste que o objetivo não deve ser limitar o consumo a um planeta por ano. “Também há outras espécies, então provavelmente teríamos que ficar abaixo disso”, argumenta.
Décadas de excessos estão cobrando o preço
Wackernagel critica que, embora saibamos que estamos consumindo “muito mais do que a Terra é capaz de regenerar”, coletivamente agimos como se estivesse tudo bem. “Estamos nos enganando”, alerta.
Co-presidente do think tank Club of Rome, Paul Shrivastava diz que está na hora de repensarmos nossas ideias sobre economia. “Precisamos mudar, sair dessa mentalidade econômica extrativista para uma regenerativa”, argumenta. “A mineração é um tipo de extração. Petróleo é um tipo de extração. Uma vez que retiramos isso da terra, não devolvemos nada.”
Para Wackernagel, não é sobre pensar naquilo de que precisamos abrir mão, mas em como nos preparar para o futuro e o que será valioso quando ele chegar.
Em vez de ajustar economias para reduzir a sobrecarga da Terra, consumistas estão tentando espremer a natureza até a última gota, como um tubo de pasta de dente, compara Wackernagel.
“Nos EUA, onde vivo, pude ver que muitos dos temas em torno da eleição no ano passado eram muito relacionados à sobrecarga: por exemplo, o medo de não ter energia o bastante”, comenta o ambientalista suíço.
E como o governo americano reagiu a isso? Pressionando por mais poços de petróleo e gás.
Como reverter o Dia da Sobrecarga da Terra?
A Global Footprint Network listou uma série de soluções em cinco áreas para atrasar o Dia da Sobrecarga da Terra.
O setor de energia é de longe o maior fator de influência. Precificar emissões de carbono, de modo a refletir o verdadeiro custo da emissão de carbono para o planeta, poderia nos fazer ganhar 63 dias.
Cidades inteligentes, equipadas com sistemas de transporte integrados e gerenciamento de energia avançado, poderiam acrescentar mais 29 dias a essa conta.
Outros 26 dias adicionais poderiam ser ganhos com a substituição de carvão e usinas de gás por alternativas energéticas renováveis, como solar e eólica, e a geração de 75% da energia a partir de fontes de baixo carbono.
A redução à metade do desperdício de alimentos e a substituição de 50% do consumo global de carne por alternativas vegetais nos fariam ganhar, respectivamente, 13 e 7 dias extras só em emissões de carbono e uso da terra. E um dia sem carne por semana nos daria cerca de dois dias adicionais de recursos planetários.
Por que, então, a situação só piora?
“Há interesses estabelecidos em manter o sistema atual”, diz Shrivastava, citando o caso dos combustíveis fósseis.
E embora mudanças individuais – como comer menos carne, preferir a bicicleta ao carro e tirar férias mais próximas de casa – tenham um impacto geral relativamente pequeno, cidadãos têm o poder de pressionar a classe política e os grandes setores econômicos por mudanças sistêmicas.
“Não controlamos tudo isso individualmente, mas podemos influenciar e podemos conversar com as pessoas que têm poder de decisão”, ressalta Shrivastava.
Ele destaca a importância de participar de protestos pacíficos e apoiar candidatos políticos locais com uma visão ecológica, e diz que essas mudanças virão do poder do povo.
“A exploração excessiva de recursos é o segundo maior risco que a humanidade enfrenta neste século”, alerta Wackernagel. “O maior é não responder a isso.”