24/06/2022 - 13:27
Por Ricardo Brito e Brad Haynes
BRASÍLIA (Reuters) – A cúpula do Poder Judiciário articula novos encontros e busca estreitar a interlocução com as Forças Armadas, afirmaram à Reuters quatro fontes com conhecimento direto do assunto, em meio aos ataques e ameaças lançados pelo presidente Jair Bolsonaro ao processo eleitoral usando os militares como fator de pressão.
Em um dos novos lances, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, pretende fazer uma inédita reunião até julho com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para conversar sobre o papel das forças durante as eleições, segundo uma das fontes. No mês passado, ele já havia se reunido com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Há meses, Fux, outros ministros do Supremo, senadores e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), têm se articulado, de forma coordenada, para rebater a estratégia de Bolsonaro de questionar a confiança do sistema eleitoral brasileiro usando as Forças Armadas como anteparo para suas investidas, conforme reportagem da Reuters de maio.
Na terça-feira, o presidente do STF recebeu uma comitiva de senadores para uma nova rodada de conversas.
CANAIS
No Supremo e no TSE, segundo as fontes, a avaliação é que não há risco de instabilidade por conta das eleições, mas ministros das duas cortes têm procurado aumentar os canais de comunicação direta com os militares a fim de impedir ou ao menos reduzir qualquer ameaça democrática nas eleições.
Sem qualquer evidência, Bolsonaro tem insinuado que o sistema de voto por meio de urnas eletrônicas poderia ser passível de fraude e que, por essa razão, até poderia não aceitar um resultado na disputa em outubro. Atualmente, ele está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O presidente tem feito duros ataques a ministros do Supremo que são ou foram do TSE como Edson Fachin, o atual presidente, Luiz Roberto Barroso, ex-presidente, e Alexandre de Moraes, que presidirá o tribunal durante as eleições. Também tem defendido uma espécie de fiscalização paralela das Forças Armadas do processo eleitoral, medida que não tem amparo legal.
Os militares já participam desde o ano passado de comissão criada para dar maior transparência e segurança ao sistema de votação e a maioria de suas sugestões de aperfeiçoamento do processo tem sido acatadas pelo TSE.
Na corte eleitoral, o chamado “procedimento de legitimação” do processo, nas palavras de uma fonte, está sendo desenvolvido desde 2021, com o convite para participação de partidos, observadores internacionais e outras autoridades, comissão de transparência e testes públicos das urnas.
Por isso, conforme essa fonte, dirigentes do TSE têm aberto canais de interlocução diretos com comandantes regionais das Forças Armadas que atuam na logística da distribuição das urnas. Em outra frente, forças de segurança pública estaduais que podem demonstrar simpatia a Bolsonaro, como as policias militares, também estão recebendo exemplares de urnas para que possam usar o equipamento como teste.
O TSE tem trabalhado para responder publicamente a todos os questionamentos e pedidos apresentados pelas Forças Armadas e mais recentemente pela Polícia Federal, por meio do Ministério da Justiça.
Uma das fontes disse que no Brasil de hoje é preciso reafirmar o óbvio –a lisura das urnas eletrônicas– e destacou que as instituições precisam respeitar o processo eleitoral. Outra fonte disse que não tem “nenhuma preocupação” de as Forças Armadas tentarem algo.
Procuradas, as assessorias do Supremo e do TSE afirmaram que não iriam se pronunciar. A do Ministério da Defesa não respondeu a pedido de comentário sobre eventual encontro de comandantes das Forças Armadas com Fux.
PÓS-ELEIÇÃO
Um dos principais receios nos dois tribunais superiores, de acordo com as fontes, é evitar que ocorra –em caso de derrota de Bolsonaro– uma repetição à brasileira do ataque de 6 de janeiro do ano passado ao Capitólio dos Estados Unidos após a derrota de Donald Trump para Joe Biden.
A preocupação é impedir atos contra instituições e desrespeito ao resultado entre a eleição, em outubro, e a diplomação do eleito até 19 de dezembro. Fontes reconhecem que deverá sim haver questionamentos ao resultado, políticos e judiciais, mas dizem não haver chances de um golpe com apoio de militares e de forças de segurança pública.
Na busca por ampliar a interlocução com outros Poderes e instâncias, segundo uma das fontes, o presidente do STF também deve se reunir na próxima semana com o presidente da Câmara, Arthur Lira(PP-AL), e com líderes partidários daquela Casa Legislativa e também está prevista uma rodada de conversas com governadores.
Por ora, a tentativa de uma conversa como próprio Bolsonaro está congelada, segundo essa fonte. A avaliação é que o presidente quer colocar o Supremo como inimigo e chamá-lo para dialogar em meio a constantes ataques a ministros do STF poderia ser improdutivo e até levar a corte a escorregar em “cascas de banana”.