12/10/2001 - 7:00
Uma nuvem cinzenta paira sobre o prédio da Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa. No momento em que passa por uma crise sem precedentes, com o movimento reduzido ao nível mais baixo, em dólares, desde 1993, a instituição foi alvejada por uma multa astronômica da Receita Federal ? R$ 160 milhões, o equivalente a pouco mais de seis anos de sua folha de pagamento. Com uma recessão global à vista e o número de empresas encolhendo no pregão, a instituição teve de tomar medidas de emergência. Discretamente, com o cuidado de não tornar a informação pública, a Bovespa deu férias coletivas a 15% da sua força de trabalho. A iniciativa semeou o medo de uma demissão nos moldes da que ocorreu em 1998, após a crise da Rússia, quando foram mandados embora 15% dos funcionários. ?Não vamos demitir, ao menos por enquanto?, tenta tranqüilizar o superintendente da instituição, Gilberto Mifano. ?Agora, se a movimentação cair muito, dispensas serão inevitáveis?, admite. O volume médio de negociações desde o início de outubro é de R$ 455 milhões. Abaixo dos R$ 400 milhões a Bolsa passa a ter prejuízo operacional, ou seja, fica sem dinheiro para pagar as próprias contas. É a situação à qual Mifano se refere.
A Bovespa tem hoje R$ 495 milhões em caixa, dinheiro que é investido para garantir a folha e os custos operacionais. Seria lastro suficiente, não fosse o golpe sofrido com a mordida do Leão, em junho. Após dois anos de investigação, os fiscais da Receita decidiram multar a Bolsa por uma série de operações feitas entre 1997 e 1998. Nesse período, ela distribuiu prêmios em dinheiro a corretoras que superassem determinadas metas ? num total de R$ 90 milhões. A Receita entendeu que o ?estímulo para desenvolver o mercado? era, na verdade, uma forma disfarçada de distribuir lucros entre as corretoras, a maioria delas sócias da instituição. Com isso, a Receita suspendeu a isenção fiscal a que a Bovespa tem direito, originando uma dívida de R$ 160 milhões. Mifano se defende argumentando que as corretoras pagaram imposto sobre o prêmio. A instituição contestou a multa e espera ter o recurso administrativo julgado ainda este ano. Se perder, recorrerá ao Conselho de Contribuintes, e depois à Justiça comum. ?Vamos até as últimas conseqüências?, diz Mifano.
Imposto duplicado. A situação da Bovespa preocupa porque seus números só fazem piorar nos últimos anos. Em outubro, o volume negociado em reais foi o menor desde janeiro de 1995. Em dólares, é o pior desde 1993. A CPMF continua a afugentar investidores. O governo promete há anos que vai isentar a Bolsa do tributo, mas a promessa não sai do papel. Com as privatizações e o desembarque de empresas estrangeiras, companhias que eram ações blue chip como Ericsson, Cofap, Banco Real e Brasmotor fecharam seu capital. Assim, a instituição tem dificuldades para se preparar para o golpe anunciado, que será desferido no próximo ano. É o aumento da alíquota do IR sobre aplicações em renda variável. O imposto sobre operações feitas através de corretoras vai subir dos atuais 10% para 20%. Quando a medida entrar em vigor, a compra e venda de ações sem intermediários terá um imposto menor, de 15%. Ou seja, ficará mais barato negociar os papéis direto com os proprietários do que ir caçá-los na Bolsa. Na semana passada, num esforço para estancar a sangria do mercado de capitais, a Bovespa pagou um anúncio nos principais jornais do País, dizendo que ?A Bolsa é vital para o Brasil?. No texto, protesta contra a ?retirada das condições mínimas de competitividade da bolsa brasileira?. Os argumentos estão corretos. Resta saber se vão surtir efeito.