08/09/2019 - 14:15
Atrás de uma porta discreta e pesada, no bairro de Moema, zona sul de São Paulo, existe um país raro e indisponível para a maioria, um lugar em que homens e mulheres podem se esquivar dos olhares de reprovação, da “letra fria da lei” e se entregarem a um prazer malvisto por muitos. O jornal O Estado de São Paulo visitou clubes de charuto e tabacarias, espaços onde fumar é mais do que permitido, é uma questão de “lifestyle”.
Ao atravessar a porta da tabacaria e clube de charuto Caruso Lounge, se notam pessoas sentadas em confortáveis poltronas, com copos de uísque em suas respectivas mesas e espirais de fumaça subindo rumo aos exaustores (e, embora a fumaça esteja no ar, não existe uma nuvem de nicotina espessa). Pelo que se vê, não é difícil adivinhar quem são os frequentadores. Tratam-se de empresários, advogados, operadores do mercado financeiro e, eventualmente, artistas, políticos, juízes e ministros das mais altas Cortes brasileiras.
No Caruso, tornar-se um sócio depende das boas relações – já que é preciso ser indicado ou apresentado por alguém daquele ambiente. No mais, as mensalidades variam de R$ 350 a R$ 1.500 – cada faixa de preço com suas facilidades.
No plano mais caro, o associado tem o direito de reservar espaços exclusivos, acesso a descontos e convites para viagens, possibilidade de fazer um test drive com carros de luxo por alguns dias, degustações de uísque (e outras bebidas), cortes de cabelo gratuitos e ainda possuir um cofre climatizado para guardar seus charutos. Quem não é associado e quiser frequentar o lobby paga R$ 200 de entrada (pode ser gratuito se o convidado for amigo de um associado premium).
Os frequentadores desse tipo de espaço costumam consumir charutos cubanos clássicos, como os Cohibas, e os chamados OFF Cuba – oriundos principalmente de República Dominicana e Nicarágua. Os charutos nacionais também começam a ser apreciados pelos mais jovens. O mercado está em uma faixa de preço bastante elástica, com uma variação que pode ir de R$ 20 a R$ 5 mil a unidade. Não à toa, um dos grandes problemas desse negócio é a pirataria. Os fumantes mais experimentados pedem cautela com preços que parecem imperdíveis ou grandes pechinchas.
“O amante do charuto é um cliente potencial para várias marcas de luxo – e por isso conseguimos aproximar nossos associados desse universo”, conta o proprietário do Caruso Lounge, André Caruso Sacchi. “Para além do charuto, aqui é um lugar em que muitos promovem encontros de trabalho, reuniões e fecham negócios.”
Mário Kendey Mitasaki, por exemplo, trabalha no mercado financeiro e usa o clube de charuto como uma sala de reuniões. “Aqui é possível conversar de forma mais relaxada, fazer negócios e principalmente contatos profissionais”, disse. Claro, nem todo frequentador está lá para trabalhar. O advogado Daltro Borges, de 62 anos, frequenta clubes de charuto porque “não é possível fumar em qualquer lugar” e porque a filha não gosta que ele fume na varanda de casa.
Mulheres. O mundo do charuto ainda é bastante masculino. Por isso, encontrar uma mulher à frente de um clube não é tão comum. O espaço Quai D’Orsay, na região dos Jardins, foge à regra. É Priscila Roschel quem atua como cigar sommelier e gerente de eventos do lugar.
O clube tem uma anuidade de R$ 550, mas o Quai D’Orsay é aberto para quem quiser conhecer (não há cobrança de entrada). O associado também tem uma série de facilidades (como parcerias com hotéis da região) e descontos.
Assim como o Caruso, o ambiente é sofisticado, com um clima que remete aos clubes de jazz (música que, assim como a Bossa Nova, faz parte da trilha sonora do lugar). O Lounge também pode ser alugado para eventos como palestras, lançamentos, vernissages, degustações e reuniões em geral.
Priscila entrou para esse universo a partir do seu “ex- trabalho”. Ela era representante de uma empresa de purificadores e perfumadores de ambientes – usados justamente para tirar o cheiro dos charutos. “Visitei quase todas as tabacarias de São Paulo e me apaixonei por esse universo”, disse. O resultado dessa paixão foi virar sócia de uma das tabacarias visitadas, a Quai D’ Orsay.
“O fato de ser uma mulher à frente do clube e da tabacaria faz com que outras mulheres se sintam mais à vontade para participar e aprender sobre o charuto”, afirmou Priscila. “O charuto, hoje, é algo muito mais democrático.”
Saúde. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tabacarias devem apresentar laudo técnico de avaliação prévia à Vigilância Sanitária para atestar o cumprimento de normas referentes ao projeto arquitetônico e de tratamento de resíduos, entre outros requisitos que comprovem o atendimento à legislação. Esses locais também não podem servir comida ou os restaurantes precisam estar separados dos espaços onde é possível fumar.
A diretora do programa de tratamento do tabagismo do Incor, Jaqueline Scholz, adverte que o charuto faz tão mal para a saúde quanto o cigarro. “Pela forma como é consumido, ele é responsável por lesões e por câncer de boca. Como algumas pessoas, que desconhecem a forma de consumo, acabam tragando o charuto, ele também pode causar o mesmo tipo de problema que um cigarro causa”, disse. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.