18/05/2001 - 7:00
Em março deste ano, quando a crise de energia já era dada como certa por qualquer especialista em energia, a Eletropaulo, maior distribuidora do País, lançou um Programa de Demissão Voluntária (PDV), que teve a adesão de 1.911 funcionários. Desde a privatização da empresa, em 1998, a distribuidora, controlada pela americana AES, demitiu 6,3 mil funcionários, reduzindo em 62% o seu quadro de funcionários. A situação da Eletropaulo, que atende 15 milhões de pessoas na Grande São Paulo, reflete o atual quadro das distribuidoras privatizadas: enxutíssimas, as empresas não têm funcionários suficientes para cumprir as determinações do governo, colocando em risco até mesmo a manutenção da rede.
?O PDV atingiu apenas o setor administrativo?, diz Cyro Boccuzzi, vice-presidente da companhia. A versão da Eletropaulo não é verdadeira. O eletricista José Wagner de Mattos, 48 anos, quatro trabalhando na empresa, deixou a companhia há menos de um mês. ?Os supervisores deixaram muito claro que não interessava manter nenhum eletricista que ganhasse mais de R$ 1,3 mil?, disse Mattos. ?Havia um clima de pressão: quem não aderisse ao PDV, poderia perder o emprego e ficar sem os benefícios do programa.? O Sindicato dos Eletricitários também faz coro. ?O PDV foi uma atitude irresponsável e hoje a empresa é obrigada a recorrer a empresas terceirizadas?, diz Antônio Carlos dos Reis, presidente da organização.
O fato é que a Eletropaulo e as demais distribuidoras de energia estão completamente despreparadas para colocar em prática as medidas previstas no plano de racionamento. ?Faltam braços para tocar a operação?, diz Wolfgang Rüeth, consultor responsável pela área de energia da Roland Berger Strategy Consultants. ?Nenhuma empresa tem tecnologia para gerir as contas e checar onde houve reduções de consumo, nem para desligar as casas de forma isolada?.
Hoje, a Eletropaulo corta a energia de cerca de 80 mil clientes por mês, por inadimplência. A empresa chegou a cortar 200 mil pontos em um mês, mas admite não ter como repetir esse volume, que representa 4% dos 4,6 milhões de consumidores que atende.
Na Light, do Rio, os executivos já avisaram que não vão entrar na Justiça contra quem recorrer contra as medidas de racionamento.
A crise de energia será um golpe duro nos planos da AES, empresa que controla a Eletropaulo. De uma perspectiva de crescimento de 3% em 2001, a distribuidora paulista passará para uma queda de 20% na sua receita nos próximos seis meses. Além disso, novos custos, como ampliação de serviço de atendimento ao consumidor, serão computados nas contas da Eletropaulo.
Mas quem paga a maior conta é o consumidor. A empresa já avisou que não abrirá exceções facilmente no plano de racionamento. Casais que tiveram filhos depois de julho de 2000 e, portanto, aumentaram consideravelmente seu consumo ? levando em conta que recém-nascidos gastam, de forma inevitável, muito mais energia com máquinas de lavar e secar roupas, microondas, banhos quentes, etc. ? não terão as metas elevadas. ?Não há excepcionalidade no caso de famílias que cresceram recentemente?, disse Cyro Boccuzzi, condenando injustamente o grupo mais necessitado de energia extra. Na prática, a atitude definida pela Eletropaulo equivale a exigir da população um regime de racionamento também da maternidade. Até o bônus prometido para os que economizarem além da meta está em risco. O dinheiro viria da sobretaxa, paga por aqueles que não estariam dispostos a reduzir seu consumo. ?Se essa arrecadação não for suficiente, o valor acumulado será rateado entre os clientes?, diz Antoninho Borghi, também vice-presidente da Eletropaulo. Ou seja: o esforço de muita gente pode acabar em irrisórios centavos.