26/08/2022 - 9:12
Ramia al-Sus viveu um inferno desde que seu marido foi declarado morto há uma década em uma prisão do governo sírio. Ela foi ameaçada pelas forças de segurança, privada da herança do marido e forçada ao exílio.
Mãe de três filhos, aos 40 anos, foi forçada a se refugiar no vizinho Líbano em 2016. Ela nunca soube como o marido morreu e não pode vender ou alugar as propriedades confiscadas pelas autoridades.
“Por ser mulher, tudo se torna quase impossível”, explica à AFP, ecoando um lamento repetido por muitas mulheres e viúvas de prisioneiros sírios. “Meus filhos não teriam sofrido tanto se eu fosse a prisioneira. Ficaram sem nada, mas insisto em ganhar algo em troca”, diz.
O governo do presidente sírio Bashar al-Assad desencadeou uma repressão brutal à revolução de 2011, provocando uma guerra com quase meio milhão de mortos.
Aproximadamente o mesmo número de pessoas, a maioria homens, teria sido presa em prisões do regime desde então, dos quais dezenas de milhares morreram por tortura ou condições precárias.
Embora fora dos muros das prisões, suas esposas também não podem se considerar livres, pois vivem dentro de um labirinto burocrático em uma sociedade e sistema jurídico que favorecem os homens, afirma Ghazwan Kronfol, advogado sírio baseado em Istambul.
Sem as certidões de óbito de seus maridos, as viúvas não podem reivindicar a herança ou seus bens, explica. Elas também não podem acessar seus imóveis se tiverem sido confiscados pelas autoridades, acrescenta.
E, pior ainda, nem sequer lhes é garantida a tutela dos filhos, que muitas vezes é concedida pelos juízes a um parente do sexo masculino. “Tudo isso acontece, além da chantagem financeira e do assédio sexual” por agentes de segurança, denuncia Kronfol.
– “Presa fácil” –
A lei antiterrorismo de 2012 da Síria estipula que o governo pode apreender temporária ou permanentemente a propriedade de prisioneiros acusados de terrorismo, uma acusação frequentemente usada como coringa contra civis com suspeita de laços com a oposição.
O governo teria apreendido 1,54 bilhão de dólares em ativos de presos desde 2011, de acordo com um relatório de abril da Associação Prisional de Detidos e Desaparecidos da prisão de Sednaya.
Esta entidade instalada na Turquia foi fundada por ex-prisioneiros de Sednaya, a maior prisão do país nos arredores de Damasco, que se tornou sinônimo de tortura e abuso por parte do governo sírio.
A casa e o terreno de Sus estão entre as propriedades confiscadas pelas autoridades depois que seu marido foi preso durante uma operação em 2013 e acusado de terrorismo, o que ela nega. Alguns meses depois, recebeu das autoridades “um número do corpo”, explica.
Sozinha e pobre, ela passou anos indo de um escritório de segurança para outro, tentando resolver todos os obstáculos burocráticos. Mas encontrou apenas hostilidade e intimidação.
“As mulheres são presas fáceis”, lamenta.
Temendo perseguição das forças de segurança, ela fugiu para o Líbano em 2016, segurando a velha bolsa plástica vermelha e branca na qual guarda suas escrituras de propriedade e muitos outros documentos oficiais.
Ela tem pouco dinheiro, mas continua pagando propinas e honorários a advogados para tentar recuperar seus bens.
“Quero vendê-los, não por mim, mas pelos meus filhos”, afirma.