Entre o azul turquesa e o branco brilhante, as piscinas a céu aberto das minas de lítio na América do Sul contrastam com as paisagens áridas ao redor. Nos confins do Chile, da Argentina e da Bolívia, a extração do metal precioso cristaliza esperanças e desilusões.

Essa região árida do continente americano esconde em seu subsolo 56% das 89 milhões de toneladas de lítio identificadas no mundo, de acordo com um relatório de 2022 do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês).

Apelidado de “petróleo do século XXI”, esse metal branco é essencial para a fabricação de baterias para carros elétricos, mas também para celulares e outros aparelhos eletrônicos.

Seu preço passou de US$ 5.700 por tonelada em novembro de 2020 para US$ 60.500 em setembro passado, segundo a agência Benchmark Mineral Intelligence.

– Deserto do Atacama –

No Chile, o lítio vem exclusivamente do deserto do Atacama, uma planície marrom e rochosa no norte do país. Representou 26% da produção global em 2021, de acordo com o USGS.

Duas empresas, a americana Albemarle e a chilena SQM, possuem licenças de operação, mas, em contrapartida, devem repassar até 40% de sua receita ao Estado.

Somente no primeiro semestre do ano, as receitas tributárias do lítio no Chile superaram as do cobre, metal do qual o país é o maior produtor mundial.

Neste contexto, o presidente de esquerda Gabriel Boric prometeu a criação de uma empresa pública de lítio sem excluir possível participação privada.

Mas a extração de lítio tem consequências para o meio ambiente e, embora as mineradoras sejam obrigadas a pagar indenizações substanciais às comunidades locais, estas últimas temem por seus meios de subsistência em uma região regularmente atingida pela seca.

– “Queremos saber” –

A empresa chilena SQM indicou, assim, que em 2022 tem extraído cerca de 400.000 litros de água por hora para as necessidades de sua usina.

Uma inspeção no local em 2013 revelou que um terço das alfarrobeiras, uma árvore resistente devido às suas raízes profundas, havia morrido por falta de água.

“Queremos saber qual é o real impacto de bombear água dos lençóis freáticos”, diz Claudia Pérez, moradora do Vale de San Pedro, bem próximo à usina, dizendo que não é “contra” o lítio, mas que deseja que “o efeitos negativos” de sua exploração para as populações locais sejam “minimizados”.

Do outro lado da Cordilheira dos Andes, na Argentina, uma estrada serpenteia pelos desertos salgados da província de Jujuy. Juntamente com as províncias vizinhas de Salta e Catamarca, a região constitui o segundo maior depósito de lítio do mundo.

Com poucas restrições à sua exploração e impostos de apenas 3%, a Argentina é o quarto maior produtor mundial de lítio.

Atualmente, duas minas operam na área. Uma, Livent, está nas mãos dos Estados Unidos, enquanto a outra, Orocobre, é administrada por um consórcio australiano e japonês com a participação de uma empresa pública argentina.

– Dezenas de projetos –

Há também dezenas de projetos em diferentes estágios de maturação com a participação de empresas locais, mas também americanas, chinesas, francesas e sul-coreanas.

A Argentina pode ultrapassar a produção chilena até 2030, estima um relatório de 2021 da Comissão Chilena do Cobre (Cochilco), um órgão público.

Em abril deste ano, o governador da província de Jujuy, Gerardo Morales, chegou a convidar o chefe da Tesla, Elon Musk, via Twitter, para investir na região quando este reclamou dos altos preços do lítio.

Mas as comunidades locais também estão relutantes. Em Salinas Grandes, deserto de sal ao norte de Salta, uma placa alerta: “Não ao lítio, sim à água e à vida”.

“Não é, como dizem, que vão salvar o planeta. Pelo contrário, somos nós que devemos dar nossas vidas para salvá-lo”, pragueja Verônica Chavez, presidente da comunidade indígena Kolla Santuario de Tres Pozos, não muito longe de Salinas Grandes.

“Não comemos lítio nem baterias. Bebemos água”, diz em entrevista à AFP diante de enormes pilhas de sal coletadas por uma cooperativa local.

A poucos metros, Barbara Quipildor, de 47 anos, prepara empanadas em um pequeno imóvel feito de sal. “Quero que nos deixem em paz. Não quero lítio (…), o que me preocupa é o futuro dos filhos dos meus filhos”, declara.

– Hotel –

A cerca de 300 km ao norte de Jujuy, o “salar” de Uyuni, na Bolívia, é o maior do mundo. Ele contém cerca de 25% dos recursos de lítio do planeta, de acordo com o USGS.

Este deserto de sal está em uma área onde mais da metade da população é pobre.

Ansioso para tirar proveito do cobiçado metal, o ex-presidente de esquerda Evo Morales (2006-2019) nacionalizou, no início de seu mandato, os hidrocarbonetos e o lítio.

“A Bolívia vai definir o preço para o mundo inteiro”, disse ele em 2018, pedindo que o restante da região seguisse o exemplo.

Em Rio Grande, suas palavras trouxeram esperança. Esta pequena aldeia de ruas lamacentas é a mais próxima da usina Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), empresa pública criada por Evo Morales.

Cheio de otimismo, Donny Ali construiu ali um hotel que chamou de Lithium. Mas a sorte não veio.

“Esperávamos um grande desenvolvimento industrial e tecnológico e, sobretudo, melhores condições de vida. Isso não aconteceu”, lamenta este advogado de 34 anos, sentado em um sofá em seu estabelecimento vazio.

Ao contrário do Chile, a Bolívia – mas também a Argentina – luta para explorar o lítio, devido a condições de “investimento adversas” e a condições “geográficas mais desafiadoras”, de acordo com um relatório de 2021 do “think tank” americano Center for Strategic and International Studies (CSIS).

Alguns acham que a Bolívia “perderá o trem do lítio. Acho que não”, estima Juan Carlos Zuleta, economista que administrou brevemente a YLB em 2020.

Apesar de suas diferenças, os países do “triângulo do lítio”, com a Argentina na liderança, consideram, após a exploração do lítio, a fabricação de baterias de íon-lítio no local.

“Todas as tecnologias têm suas vantagens e suas desvantagens. O importante é que haja um equilíbrio que beneficie não só o país, mas também as populações locais”, comentou em entrevista à AFP Roberto Salvarezza, um dos líderes do grupo argentino YPF, que planeja lançar em dezembro uma planta-piloto para a fabricação de baterias de lítio.

“A América do Sul tem todas as matérias-primas necessárias para produzir baterias e veículos elétricos”, diz Zuleta.

Enquanto isso, o hotel Lithium permanece vazio.