Marcelo Ximenes, dono de uma loteria no bairro do Tigipió, periferia de Recife, parece um típico comerciante do subúrbio. Mas, tecnicamente, ele é um banqueiro. Afinal, a maior parte da renda de seu estabelecimento vem da cobrança de tarifas bancárias. ?Entra mais gente aqui para pagar contas do que para apostar?, diz. ?O povo daqui não tem muita condição de jogar na Mega Sena, mas conta eles pagam todo mês?. Há dois anos Ximenes é um dos 8.200 lotéricos autorizados pela Caixa Econômica Federal a atuar em seu nome, recebendo pagamentos de contas, pagando benefícios a aposentados e recolhendo parcelas de INSS. Juntos, eles já recebem 52% das contas de luz, água e telefone do País. O projeto foi o primeiro passo da CEF para ampliar, a baixo custo, sua rede de serviços. O segundo passo, mais ambicioso, vem agora. Como Ximenes, 14 mil outros franqueados serão arregimentados até o final do ano, transformando a CEF numa fábrica de pequenos financistas ? e na primeira instituição com balcões em todos os 5.561 municípios brasileiros. Todos eles oferecendo mais serviços que os disponíveis atualmente nas loterias. ?Vamos ter a maior rede bancária do País?, festeja o presidente da Caixa, Emilio Carazzai.

Os 5 milhões de clientes que a Caixa quer abocanhar com o projeto equivalem a dois Banespas. Boa parte deles está nas periferias das cidades ou nos municípios de população pequena e renda baixa, onde nenhum banco possui posto de serviços. Capturar essa imensa população dispersa era objetivo de todas as instituições financeiras, mas nenhuma havia descoberto como fazer isso sem perder dinheiro. A Caixa acha que tem a solução. As agências correspondentes têm custo ínfimo e dão lucro ? o que é um incentivo à adesão da nova classe de microbanqueiros.

A carta na manga da Caixa para expandir a rede rapidamente é um acordo (quase fechado) para instalar balcões, com uma máquina e um atendente, em lojas de material de construção. Em cidadezinhas do interior pode até faltar posto de saúde ou loja dos Correios, mas nunca falta uma lojinha que venda cimento, tijolos e madeira. A rede de distribuição desse tipo de material cobre rigorosamente todo o País e está próxima do consumidor. O banco estatal se prepara para anunciar, até o fim do mês, o acerto com um grupo que reúne praticamente todos os distribuidores. Começará a implantar os postos logo em seguida. Mas haverá ainda outros caminhos para ampliar a rede. Cem padarias em São Paulo já assumiram o papel de bancos honorários na periferia, como parte do programa PopBanco. Eles receberam quiosques onde se pode sacar dinheiro e acessar o internet banking.

Os novos correspondentes farão tudo isso e ainda mais. Concederão empréstimos, por exemplo, assim que o BC autorize a oferta desse tipo de serviço. Já existem R$ 100 milhões reservados para os primeiros tomadores. ?Sabemos que a demanda é muito maior, mas isso é apenas para teste, numa primeira fase?, diz Carazzai. Também aguardando autorização do BC está o próximo passo, a autorização para abrir contas correntes e de poupança nos postos avançados. Assim, moradores de regiões distantes poderão movimentar seu dinheiro sem jamais ter de passar por uma porta giratória. O modelo dessa conta será o mais simples e barato possível: em lugar de cheque, os clientes terão um cartão de débito. Esse formato também cai como uma luva para as periferias das grandes cidades, tradicionalmente esquecidas pelo sistema financeiro. É nessas regiões que o modelo faz mais sucesso. Pesquisas feitas pela CEF mostraram que as pessoas de baixa renda sentem-se constrangidas quando entram num banco. Numa loteria ou numa lojinha, porém, sentem-se à vontade. ?A comunidade até protege a casa. O índice de assaltos nesses pontos é menor do que nas agências comuns?, conta Fábio Alvim, superintendente nacional de loterias.

O projeto dos correspondentes criará uma rede sem adversários à altura. As lojas dos dois maiores bancos privados, Bradesco e Itaú, somam 4.600 pontos. O líder do ranking, o Banco do Brasil, tem 4 mil agências convencionais e uma cadeia de postos de atendimento bancário, mas sabe que também precisa de canais alternativos para ir mais longe. Tanto que aderiu ao sistema de banco correspondente ? tem acordo com os Correios para prestar serviços em seus postos. Mas, juntos, todos os bancos em território nacional atendem apenas 25 milhões de brasileiros. Sobram 100 milhões de adultos sem-conta (nem sequer uma poupança). Quem está mais próximo de alcançá-los é a Caixa. O banco vai identificar todos os estabelecimentos que prestam serviços em seu nome com um logotipo próprio, com a marca ?Caixa Aqui? junto aos pontos de atendimento. Uma campanha para divulgar a nova bandeira entrará nas redes de televisão e em revistas em uma semana. O gerente nacional de serviços bancários da CEF, Gláucio Geronasso, diz que a instituição quer que os clientes usem a rede o máximo possível. ?O custo de cada operação bancária é um terço do custo normal em uma agência?, explica.