Relato um: “Não sabemos o que vai acontecer nas próximas horas e isso traz uma sensação de desespero para nós… O clima é de terror”. Relato dois: “Nós estamos trancados em nossas casas. E quem está barbarizando está do lado de fora”. Tempos estranhos estes, quando depoimentos como esses podem ser ouvidos tanto na periferia de São Paulo, como na Faixa de Gaza, onde o conflito entre israelenses e palestinos dizimou centenas de inocentes na semana passada. O primeiro relato citado neste texto foi feito na semana passada por Hassan Hamouda, um farmacêutico palestino, residente em Bet Lahya, ao norte da Faixa de Gaza. 

 

17.jpg

 

O segundo é um desabafo de Katia Cilene, moradora da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, que teve seu neto, Willian de Souza, de 13 anos, assassinado no início do mês. É impossível não cotejar as duas situações, quando os jornais e a televisão transmitem imagens cruéis, sejam de corpos sendo arrastados nas ruas da Palestina, sejam de assassinatos a sangue-frio, de civis e policiais, nas ruas de São Paulo. Ambas despertam um sentimento de frustração com o gênero humano, quando testemunhamos a barbárie em seu estado mais bruto. Talvez seja isso que levou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, a comparar, na semana passada, o quadro de São Paulo, com os bombardeios na Palestina. 

 

“As estatísticas mostram que só na Grande São Paulo você tem mais gente perdida, assassinada, do que num ataque desses.” É verdade, são mais de 220 mortos, em São Paulo, nas últimas semanas, número superior ao do recente conflito no Oriente Médio, até a quinta-feira 22. Mas o comentário público de Carvalho foi “infeliz”, segundo o governador paulista Geraldo Alckmin, até porque o governo federal também tem seu quinhão de responsabilidade, por ter contingenciado verbas para a segurança em todo o País… A recente onda de violência em São Paulo tem sido mal gerida, caso contrário Alckmin não teria trocado, na quarta-feira 21, o secretário de Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto, pelo ex-procurador da Justiça, Fernando Grella. 

 

O governador, aliás, tem sido pródigo em proferir análises genéricas sobre os conflitos. Uma das mais recentes tentava relativizar os crimes, lembrando que “São Paulo é maior que a Argentina”. Dois meses atrás, Alckmin buscou justificar uma ação de policiais da Rota, que matou nove suspeitos de tráfico, dizendo que “quem não reagiu está vivo”. Mas houve quem não reagiu e morreu. Frases de efeito, entretanto, sejam de integrantes do governo estadual, sejam do federal, pouco resolvem. Os paulistanos esperam, na verdade, por soluções mais inteligentes e menos violentas. Esperam, ainda, que o governo assuma o ônus de assegurar o ir e vir dos cidadãos. 

 

Hoje, empresários são obrigados a desembolsar milhões para garantir esse direito básico, uma verdadeira inversão de papéis, que pode ser punida nas urnas. Em recente entrevista para um jornal de São Paulo, o ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho admitiu que ficou marcado pelo massacre de 111 presos do Carandiru, antiga prisão na zona norte da capital, em outubro de 1992, algo que atrapalhou sua ascensão política. “Passei a ser considerado como alguém que não tem outras qualidades, como se tivesse adotado atitudes quase de genocídio, o que não é verdade”, disse Fleury. O ex-governador pode até ter razão, mas ninguém suporta a incapacidade de um gestor para lidar com vidas humanas, mesmo que sejam de bandidos ou assassinos.