DINHEIRO ? Como o sr. avalia a nova crise financeira no Brasil?
GESNER OLIVEIRA ? Os fundamentos econômicos, tanto do ponto de vista das contas fiscais quanto das contas externas, são sólidos. Se analisarmos friamente os resultados do superávit primário e o resultado do déficit em conta corrente, os números são razoáveis. O que se verifica é um nervosismo do mercado e um aumento do risco soberano diante de uma situação de incerteza. Qualquer país que passa por um ciclo eleitoral tem algum grau de instabilidade. Isso acabou sendo acentuado pelas incertezas externas, pela crise na Argentina e pela situação mundial. Nos principais mercados, surgiram dúvidas a respeito da credibilidade das auditorias e da contabilidade de muitas empresas. Essa combinação criou uma fase mais turbulenta, mas que será superada.

DINHEIRO ? Por que agora a Argentina voltou a afetar o País?
GESNER ? O Brasil se mantém relativamente dissociado da Argentina. Tanto é que a situação na Argentina só se agravou, mas o Brasil continua com fundamentos melhores. O problema é a combinação de coisas. Como nos mercados financeiros globais há uma maior aversão ao risco, a conjuntura ficou mais difícil. Somando Argentina, Enron, WorldCom e eleições, a coisa complica.

DINHEIRO ? Muitos analistas financeiros apontam que o problema é principalmente político…
GESNER ? É natural que qualquer transição gere dúvidas em relação à continuidade da política econômica e isso cria mais incertezas. Mas é preciso evitar qualquer tipo de alarmismo ou catastrofismo em relação à situação atual.

DINHEIRO ? A dívida interna é um problema?
GESNER ? Há um enorme equívoco em relação à dívida interna. Quem fala em calote é alarmista ou irresponsável. A expansão que ocorreu na dívida em sua maior parte se deve à renegociação dos Estados e à incorporação de passivos contingentes, os chamados esqueletos. Então, extrapolar esse crescimento para o futuro é completamente equivocado. Esses fatores são saneadores. Eles permitiram a reorganização das finanças estaduais e federal. Quanto à incorporação dos esqueletos, isso dá
mais credibilidade ao setor público
como devedor. Um segundo ponto: se tomarmos os indicadores de qualidade e maturidade da dívida, verificaremos
que temos parâmetros muito superiores do que tivemos no passado. O prazo médio da dívida é quatro vezes superior ao prazo durante as crises anteriores, como do México e da Rússia. Terceiro: há um mercado seguro para colocação de títulos públicos no País, diferentemente de outros lugares como a Argentina. Portanto, o alarmismo é completamente injustificado.

DINHEIRO ? O sr. concorda com as metas elevadas de superávit primário, como as do governo atual?
GESNER ? Acho que o estabelecimento da dimensão do superávit primário depende muito da projeção do crescimento, dos juros e
do câmbio. O comportamento das receitas vai depender muito
da taxa de crescimento que teremos nos próximos anos. O importante é assegurar que será perseguido um superávit que mantenha estável a relação dívida/PIB. O governo atual deu um
sinal claro de austeridade ao elevar o superávit de 3,5% do PIB
para 3,75% do PIB. O importante é mostrar que se for necessário mais, haverá mais esforço fiscal. Não se pode permitir uma situação de insolvência do setor público.

DINHEIRO ? O sr. se considera um monetarista, na linha do ministro Pedro Malan?
GESNER ? Eu rejeito a adesão a tribos. O importante é sinalizar seriedade com austeridade fiscal.

DINHEIRO ? Existe uma pressão forte do setor produtivo
para reduzir os juros e permitir o crescimento. Como
isso pode ser feito?
GESNER ? É natural que haja um anseio muito grande por crescimento. O Brasil já mostrou uma vocação para o crescimento no século XX. E é importante, embora não seja suficiente, que haja crescimento para que sejam mais eficientes as políticas sociais para diminuir a desigualdade no País e melhorar o bem-estar. Mas a estratégia deve ser segura e cautelosa para evitar qualquer tipo de surto temporário. Uma aceleração sem consistência ? por exemplo, baseada no consumo e não no investimento ? ou que não estimule as exportações e acabe acarretando um déficit em conta corrente muito elevado é um surto de crescimento fadado ao fracasso, após seis ou nove meses. E que acaba levando o País a uma recessão mais à frente. O importante é uma estratégia segura que permita queda consistente da taxa de juros e, ao mesmo tempo, o aumento da poupança do setor público e do investimento. Isso permite um crescimento não de nove meses, mas de vários anos.

DINHEIRO ? Como é essa estratégia segura?
GESNER ? Um dos maiores constrangimentos para o crescimento reside nas contas externas. É preciso gerar condições para crescer sem agravar a situação externa. Ao fazer isso, deve haver simultaneamente uma melhoria constante da qualidade do ajuste fiscal. A combinação dessas duas coisas melhora os fundamentos e reduz o prêmio de risco. Ao reduzir o prêmio de risco, abre-se espaço para a redução dos juros, que por sua vez estimula o investimento e o crescimento.

DINHEIRO ? O presidente do BC, Armínio Fraga, disse que o Brasil pode se tornar um país de risco baixo em 30 meses. O País está nesse rumo?
GESNER ? Eu não quero fazer uma avaliação de prazos, uma vez que a conjuntura atual é muito incerta. E esse tipo de previsão pode se revelar muito equivocada ou cautelosa demais. Na Copa, a gente não achava que França, Itália e Inglaterra eram imbatíveis? E todas acabaram eliminadas.

DINHEIRO ? Há indicações que mostram uma melhoria a médio e longo prazo?
GESNER ? Eu acho que existem várias indicações muito positivas em relação à economia. Na década de 90, houve um ganho de produtividade, interrompendo o declínio dos anos 80. O segmento de agronegócios revelou um enorme dinamismo, tanto nas exportações como na produtividade. Os setores industriais e de serviços tiveram uma modernização muito grande. Houve uma mudança radical na cultura empresarial. Em alguns anos, conseguimos nos desvencilhar da inflação. Por tudo isso, o Brasil está em uma situação em que poderá elevar sua taxa de crescimento. Estamos diante de uma oportunidade histórica em conciliar uma economia mais moderna, aberta e estável com crescimento e melhor distribuição de renda.

DINHEIRO ? Uma meta de inflação mais alta não permitiria um maior crescimento?
GESNER ? Eu acho que hoje não há um conflito entre crescer
mais e manter a estabilidade. A estabilidade é fundamental para
o próprio crescimento, é imprescindível. E o crescimento é importante para a consolidação da estabilidade, porque a continuidade das reformas e da modernização institucional só se viabiliza se houver um mínimo de crescimento. Isso garante o crescimento do emprego e da arrecadação, coloca a economia
em movimento e torna mais factíveis as mudanças necessárias.
Não há espaço para transigência com a inflação. E é possível respeitar as metas e crescer ao mesmo tempo.

DINHEIRO ? Se o setor externo é o maior constrangimento do País, como se deve estimular as exportações?
GESNER ? Um dos grandes desafios é aumentar as exportações e a participação do Brasil no comércio mundial. Há várias pesquisas que mostram um conjunto de barreiras internas e externas. O Brasil hoje é muito prejudicado pelo protecionismo dos países ricos. Mas também deve combater suas barreiras internas, como estrutura tributária inadequada, as dificuldades na infra-estrutura, o excesso de burocracia e a falta de uma cultura exportadora tanto no setor privado como no setor público.

DINHEIRO ? O Brasil pode virar uma Argentina?
GESNER ? Não. O Brasil tem todas as condições de ter uma trajetória estável e de crescimento. O País trilhou um caminho diferente da Argentina, tem condições econômicas distintas. Então, mantidas as políticas econômicas adequadas, o Brasil tem todas as condições de ter um desempenho muito bom. Infelizmente, não é o caso da Argentina de hoje.

DINHEIRO ? Isso depende dos candidatos?
GESNER
? Eu acho que a premissa para uma trajetória de êxito é evidentemente a manutenção de políticas econômicas adequadas. Em qualquer país, a economia sempre requer cuidados. É importante evitar o alarmismo, mas não se brinca com a economia de um país. Os mercados são muito cruéis com políticas inconsistentes. E o custo social é muito alto.

DINHEIRO ? O dólar fica alto até as eleições?
GESNER ? Diante das incertezas externas e internas, é natural que haja volatilidade.

DINHEIRO ? Que lições o Brasil deve tirar da crise atual?
GESNER ? A Argentina trilhou um caminho que usava muita poupança externa e menosprezava o perigo de uma corrida contra a moeda. Hoje está sofrendo as conseqüências disso. É uma lição para o Brasil depender menos de recursos externos. Precisamos mais de poupança interna e menos de externa. Para o País crescer 4% ou 5% ao ano, seria preciso aumentar sua taxa de poupança para 22% ou 23% do PIB.

DINHEIRO ? E como se faz isso?
GESNER ? Existem várias maneiras. Uma delas é estimulando as empresas a reinvestir parte dos seus lucros. Outra é estimulando uma melhor canalização da poupança, reformando o sistema previdenciário e estimulando o sistema hipotecário.

DINHEIRO ? Mas aí voltamos à questão dos juros. Com
uma taxa básica tão alta, quem vai se aventurar a
investir na economia real?
GESNER ? A queda dos juros é fundamental para estimular investimento, crescimento e formação de poupança doméstica. É difícil precisar, mas o Brasil poderia ter juros reais menores, em meados da década, algo em torno de 6%.

DINHEIRO ? Como o professor da FGV Gesner Oliveira avalia os candidatos à eleição?
GESNER ? Como eu colaboro com a candidatura do senador Serra, prefiro me ater ao tema do meu curso nesse semestre na FGV, que é economia brasileira, que dou juntamente com o Guido Mantega, assessor econômico do PT.

DINHEIRO ? O sr. aceitaria participar de um governo Serra?
GESNER ? É uma questão que não tem a menor relevância agora. A minha colaboração é tópica. Decidir não cabe a mim.