16/02/2023 - 10:30
Desde o começo de sua invasão há um ano, a Rússia e seus apoiadores tentam distorcer o papel de Moscou na Ucrânia com uma arma que os especialistas consideram muito potente em seu arsenal: as campanhas de desinformação.
Os verificadores de fatos em todo o mundo desmascararam uma série de ‘fake news’ (notícias falsas) criadas para desviar a atenção dos possíveis crimes de guerra da Rússia ou, então, difamar seu oponente.
Uma tarefa que se tornou mais complexa devido às falsas “verificações de fatos” ou fact-checking, que ameaçam a confiança deste trabalho.
No mês passado, ao menos 46 pessoas morreram quando um edifício residencial em Dnipro, na Ucrânia, foi atingido por um míssil de cruzeiro russo Kh-22, segundo informações das autoridades ucranianas e de especialistas.
O ataque ao prédio de nove andares se tornou um dos mais mortais na Ucrânia desde o início da ofensiva russa. Entretanto, os propagandistas pró-Rússia possuíam uma contranarrativa inteligente para desviar a culpa de Moscou.
O site “War on Fakes” – disseminador do que os especialistas chamam de propaganda russa -, afirmou em uma “exclusiva” que o edifício teria sido destruído por um míssil de defesa antiaérea ucraniano.
Assim como as agências de verificação de fatos, o portal utilizou imagens com a palavra “falso” estampada em letras vermelhas e em negrito, junto com material de código aberto, vídeo e gráfico – que utilizava trigonometria complexa para defender o caso.
“Desde a invasão russa, a iniciativa ‘War On Fakes’ tornou-se uma fonte de falsas checagens”, disse à AFP Roman Osadchuk, do Laboratório Digital de Investigação Forense da Atlantic Council.
– “Ferramenta eficaz” –
“War On Fakes”, cujo canal no Telegram possui centenas de milhares de membros, se intitula “objetivo” e “imparcial”. Afirma combater a “guerra de informação lançada contra a Rússia”.
Lançado no ano passado pouco após a ofensiva russa, o site não diz quem são os autores e ainda não deixa claro quem está por trás do projeto. No entanto, entre seus amplificadores, estão defensores do Kremlin, incluindo ministérios e embaixadas russas.
“É uma ferramenta eficaz de propaganda estatal e desinformação”, disse Osadchuk.
“Funciona principalmente porque a verificação de fatos geralmente serve aos leitores como uma fonte ‘autorizada’ para ‘informações factuais'”.
Campanhas parecidas com o pseudo ‘fact-checking’ apareceram na televisão estatal russa, que exibe um segmento chamado “AntiFake”, além de um canal pró-Moscou no Telegram chamado “Fake Cemetery” (Cemitério Falso, em tradução livre).
Esses e outros apoiadores da Rússia usaram comprovações de fatos enganadoras para desacreditar relatos da mídia ocidental, inclusive da AFP, procedentes dos diversos incidentes no conflito.
Isso inclui os assassinatos no subúrbio de Bucha, em Kiev, onde centenas de corpos foram descobertos após a expulsão do exército russo em março passado. Além deste, houve o bombardeio de uma maternidade na cidade portuária de Mariupol, capturada por Moscou após um longo cerco.
Alguns Estados, inclusive a Rússia, têm uma “longa tradição de usar técnicas de fact-checking como parte de seus esforços de propaganda”, disse à AFP Martin Innes, diretor do Instituto de Inovação em Segurança, Crime e Inteligência da Universidade de Cardiff.
“Em vez de apenas semear desinformação, eles são normalmente usados para tentar desmentir as afirmações de um adversário ou para lançar dúvidas sobre a veracidade das reivindicações feitas por eles”.
– ‘Minando a confiança’ –
O sequestro do formato ‘fact-checking’ intensificou a guerra de informações – nomeação feita por analistas – que envolve a ofensiva russa, apresentando novos desafios para os verdadeiros checadores de fatos.
“Falsas verificações de fatos correm o risco de minar a confiança na mídia confiável e em instituições legítimas de verificação de fatos”, disse à AFP Madeline Roache, da organização de vigilância NewsGuard.
“Eles também podem distorcer a percepção da Ucrânia e do Ocidente, e fazer parecer que os fatos sobre a guerra são impossíveis de obter”.
Atores pró-Rússia tentam saturar o cenário noticioso com versões variadas e conflitantes de uma história para que fique difícil decifrar a verdade exata, sugerem analistas.
O “War on Fakes” geralmente publica uma série de verificações de fatos sobre o mesmo tópico, às vezes com afirmações conflitantes que sobrecarregam os leitores.
O site publica “tantas alegações falsas que os verificadores de fatos muitas vezes se contradizem”, diz o instituto Poynter, com sede nos Estados Unidos.
“O objetivo é confundir o público, sobrecarregá-lo”, acrescentou o analista sênior do Centro Europeu de Excelência para Combater Ameaças Híbridas, Jakub Kalensky, em entrevista à AFP.
“O resultado ideal será um consumidor que termine dizendo ‘existem muitas versões de fatos, para mim é impossível descobrir qual é a verdade'”, afirma Kalensky.
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