30/07/2003 - 7:00
DINHEIRO ? Nos últimos anos, a cultura do empreendedorismo se espalhou pelo País, principalmente na área de tecnologia. Qual a avaliação que o sr. faz dessa geração de empreendedores?
GUILHERME EMRICH ? Há muitas qualidades nesses empresários, mas um defeito de origem: falta ambição global ao empreendedor brasileiro. As companhias que estão nascendo não se preocupam
em se posicionar dentro de um contexto global. O nosso empreendedor ainda tem uma visão de negócio muito restrita ao mercado interno e às limitações existentes por aqui. O País não se internacionalizou mas não temos como fugir dessa realidade: somos parte de um mercado global e temos condições de competir com empresas de países desenvolvidos.
DINHEIRO ? É possível ter ambição global em um país emergente?
EMRICH ? Quando se depende de inteligência e competência, você pode ambicionar os mercados de qualquer lugar do mundo. E essas qualidades nós temos de sobra no Brasil. Veja o caso da Embraer, que está à frente de um setor no qual essas características são diferenciais competitivos. As qualidades da companhia são tão inquestionáveis que os seus produtos são vendidos em qualquer lugar do mundo e os seus concorrentes estão em mercados desenvolvidos.
DINHEIRO ? O sr. acredita que ao abrir um negócio o empresário já deve pensar para quem venderá sua companhia no mercado internacional?
EMRICH ? Internacionalizar o negócio não significa vendê-lo
para uma companhia estrangeira. O que estou dizendo é que as empresas brasileiras precisam entender a necessidade de competir
em uma base de clientes maior que o nosso mercado. A Biobrás
atuou em quinze mercados. Fomos uma das poucas empresas brasileiras com marca própria de Buenos Aires a Moscou. Sempre acreditamos que o nosso mercado era aquele onde havia consumidores interessados em nossos produtos.
DINHEIRO ? Como despertar esta ambição global no
empreendedor brasileiro?
EMRICH ? É uma ação de governo combinada com o apoio da sociedade. É preciso que as entidades de classe, as organizações não-governamentais, as universidades e o próprio poder público adotem uma postura mais aberta em relação ao resto do mundo. Não entendo por que as universidades brasileiras têm tanta dificuldade em contratar professores ou pesquisadores de outros países. Estamos impedindo o acesso de estudantes universitários e empreendedores a pessoas de diferentes países e de uma robusta visão global.
DINHEIRO ? Essa ambição global que tanto o sr. persegue não está hoje presente nos atuais planos de negócios que são encaminhados para sua análise?
EMRICH ? Infelizmente não. Os planos continuam pouco ambiciosos e à medida que este problema se mostra evidente há uma grande dificuldade para financiar esses projetos, capitalizá-los junto ao mercado. Os investidores ? e aí me encaixo nesse perfil ? procuram algo que seja maior que o Brasil. Hoje, os donos não escolhem mais a dimensão de sua empresa. Esta decisão pertence ao mercado, aos consumidores. Basta eles acreditarem que a companhia tem alcance global e ela terá. Você precisa ir aonde o mercado quer. Uma das empresas em que invisto, a Akwan (software de busca na internet), está muito bem posicionada no Brasil, mas tem clientes no Chile e na Espanha. Certamente é um negócio que irá se expandir para outros mercados.
DINHEIRO ? O fundo que o sr. administra investe em várias companhias e sua estratégia é aumentar esse número. O mercado está aquecido para quem deseja comprar empresas?
EMRICH ? A hora de comprar é agora. O País voltará a crescer. Há sinais nessa direção e quem for esperar uma boa oportunidade para entrar em algum negócio corre o risco de pagar muito mais caro. Esse é o momento ideal para quem deseja fazer bons negócios. Para projetos bons há sempre recursos disponíveis.
DINHEIRO ? Em quais setores há as melhores oportunidades?
EMRICH ? Em quase todos. As exceções estão na área de agronegócios, que cresce a taxas expressivas em função do mercado internacional. Nessa área as empresas são caras. Os outros setores que dependem de poder aquisitivo da população são os mais atraentes. Agora, você não acha as oportunidades. Elas são construídas. Como também ninguém nasce empreendedor. O sujeito é formado para ser empreendedor por exposição ao mercado real. Hoje todo mundo que nos procura já chega com um plano de negócios. Não basta ter uma idéia, é preciso colocá-la no papel e examiná-la de todos os ângulos.
DINHEIRO ? Qual deve ser o envolvimento do investidor na empresa que está recebendo os recursos?
EMRICH ? No nosso caso, o capital é a menor contribuição que fazemos. Nos envolvemos na visão de longo prazo e quando necessário no dia-a-dia das operações. Sou um investidor provisório. Meu ideal é ficar no capital da empresa num prazo de três a cinco anos, então vender a minha participação e retornar aos investidores os recursos com a maior liquidez possível. Sob esse ponto de vista tenho que ajudar no crescimento das empresas a longo prazo. E cada empresa é uma situação diferente. Você tem companhias com pessoas excepcionais de vendas, mas sem capacidade comercial ou de tecnologia. Ou situação ao contrário, negócios criados por pessoas com uma relação muito forte com as universidades, mestres ou doutores, sem experiência de mercado. Então, procuramos agregar em cada caso o componente que está fazendo falta. E sem criar uma relação de dependência. É um processo igual ao de educar filho. Você precisa oferecer as melhores condições de infra-estrutura, mas de maneira gradativa deve deixá-lo que ele alcance vôo próprio.
DINHEIRO ? Qual a sua preocupação?
EMRICH ? Quanto mais dependente a empresa ficar do meu conhecimento e da minha experiência, mais difícil será minha saída.
DINHEIRO ? O sr. é um bem-sucedido empreendedor. Vendeu bons negócios e lucrou com essas operações. Por que continuar correndo riscos investindo em empresas e não no mercado financeiro? Não seria mais tranqüilo para seu capital?
EMRICH – As empresas emergentes têm um maior potencial de retorno do que qualquer investimento no mercado financeiro. Biobrás, por exemplo, foi uma das empresas que deu maior retorno aos investidores na Bovespa. Na década passada, quem comprou uma ação da companhia teve um rendimento de 4.400% já descontada a inflação. Um rendimento médio de 46% por ano.
DINHEIRO ? Então, as empresas ideais para se investir são as parecidas com a Biobrás?
EMRICH ? É esse tipo de empresa que procuro para os meus investidores. São empresas que precisam ser construídas.
Elas não estão prontas e soltas para serem pegas. Não basta comprar as empresas. É preciso gastar muito dinheiro e esforço
para transformá-la em um grande negócio. É um esforço de gestão, gestão e gestão. Mesmo em empresas de base tecnológica. Não conheço empresas que quebraram
por causa de tecnologia. Quebraram por causa de gestão. Gestão é a chave do processo, um processo de educação continuada da empresa. Uma empresa deve saber reagir na crise porque elas continuarão existindo ao longo da história.
DINHEIRO ? As empresas brasileiras são mal administradas?
EMRICH ? Na média, sim, com ilhas de excelência. Mas a grande massa de empresários ainda mistura o bolso próprio com o bolso da empresa, como as empresas familiares. Não tenho nada contra a propriedade familiar, mas sou contra a administração familiar. Procuramos empresários que queiram caminhar o mais rápido para a gestão empresarial. Também queremos empresários dispostos a crescer dividindo o bolo.
DINHEIRO ? Dentro dessa perspectiva, qual o sócio perfeito
para seu capital?
EMRICH ? O empreendedor precisa ter ética, transparência, perseverança. Nada é fácil. Nada cai do céu por descuido. Acima de tudo é preciso ter um princípio ético. Estamos descobrindo que ética é mais do que uma questão filosófica. Ter ética nos negócios é um bom negócio. Você tem as relações mais baratas em empresas éticas do ponto de vista dos clientes, das pessoas que trabalham lá. E transparência, porque a situação tributária no Brasil para quem paga é muito pesada. Cada vez mais a carga está maior, mas é possível ter um bom retorno para os nossos investimentos mesmo com essa carga tributária. Se o imposto está alto vamos reclamar junto ao Congresso Nacional, mas vamos pagar como a lei manda. Esse é o nosso padrão e nunca nos desviamos dele.
DINHEIRO ? O sr. acha que o mercado de venture capital deve ter alguma regulamentação oficial no Brasil?
EMRICH ? Não. O investimento de risco nas modalidades de venture capital e private equity são mercados de investidores sofisticados, porque só participa quem tem um patrimônio considerável e um alto grau de informação sobre os negócios. São pessoas donas de uma capacidade de análise para julgar quem é quem no mercado. Acho que se os fundos fossem vendidos em agências de banco na esquina eles teriam de ser altamente regulados. Quando você monta fundos fechados com 15 investidores não é necessário tanta burocracia como existe hoje. Essa burocracia tem um custo que afeta as rentabilidades dos fundos. Nos Estados Unidos, o mercado não é regulamentado até o ponto que não se faça venda pública de cotas para os acionistas.
DINHEIRO ? Quais foram a lições que o sr. teve com os empreendedores que já estiveram na sua frente?
EMRICH ? A maior delas foi de respeitar as diferenças. Você apreende um certo grau de humildade à medida que enxerga tanta idéia boa, tanto esforço de construção. A empresa bem gerenciada é uma máquina de gerar emprego, pagar impostos e distribuir renda.