06/08/2003 - 7:00
DINHEIRO ? O Conselho de Denvolvimento Econômico e Social (CDES), do qual o sr. participa, reuniu-se na semana passada e fez críticas ao governo. O sr. engrossou o coro?
MAGLIANO ? É bom lembrar que o CDES é um órgão consultivo e funciona de maneira democrática. Nessa última reunião alguns empresários pediram mais ousadia. O que acho é que o governo adotou uma rota mais conservadora, tentando emplacar primeira as reformas. Mas o que falta é um pouco mais de determinação e capacidade operacional. Falta aquilo que no mercado chamamos de operador. O sujeito que faz as coisas funcionarem, que coloca em prática o que está no papel. Em suma, falta aquele que faz o gol.
DINHEIRO ? Hoje, o número de empresas listadas na Bolsa é muito pequeno e a abertura de capital, uma raridade. Qual é, afinal de contas, o principal entrave para as companhias nacionais utilizarem o pregão para financiar suas atividades?
MAGLIANO ? Os elevados juros da economia. Os altos índices são entraves para a Bolsa em qualquer parte do mundo. Caem os juros, a Bolsa sobe. Por quê? Numa ponta, os custos das empresas diminuem e na outra o investidor se sente motivado a tentar aumentar os lucros com a aplicação financeira. Com os juros em torno de 25% ao ano, o investidor já sabe que vai conseguir ganhar na renda fixa, não precisa arriscar em ações. A taxa de juros é o maior problema do mercado. As companhias ficam sem condições de abrir capital. O processo fica inviável. Não há crescimento. Portanto, não há necessidade de buscar sócios, que são os acionistas.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a decisão do Copom em reduzir a Selic em apenas 1,5 ponto?
MAGLIANO ? A redução podia e devia ser maior. A economia precisa de um sinal positivo das autoridades monetárias. Compreendo que o Banco Central prefira uma redução gradual e cautelosa. Mas já havia espaço para uma redução, digamos, de até 2 pontos. É claro que não significaria ainda um choque de crescimento, mas ao menos de otimismo. E para o mercado de capitais, especificamente, sabemos que quanto mais baixa a taxa de juros, melhor.
DINHEIRO ? Então a queda dos juros é fundamental para empresas abrirem capital?
MAGLIANO ? Sem dúvida. Hoje, recebo vários empresários que se dizem dispostos a abrir o capital na Bolsa, que sabem bem o valor de negociar ações, mas ainda não
têm condições por causa dos juros altos, que impedem o crescimento. Eles aguardam apenas o sinal verde da economia para pôr as suas ações no pregão. A infra-estrutura da Bolsa também está pronta para receber novas companhias e novos investidores.
Os juros caindo, a Bolsa está pronta
para ajudar o País a deslanchar. Nos Estados Unidos, um dos motivos da forte cultura de ações é o juro baixo. O juro é
em torno de 1%, então todo mundo precisa comprar ações, lotes de empresas, para aumentar os lucros.
DINHEIRO ? Como a Bolsa de Valores de São Paulo pode contribuir para economia?
MAGLIANO ? A Bolsa é um investimento a longo prazo e um mercado de risco. Mas temos o grande trunfo de financiar as empresas e gerar empregos. A Bolsa é capaz de financiar o crescimento do País. Que outro caminho pode existir? Nos bancos, a taxa de juros é muito alta, só funciona para empréstimos de curto prazo, dois ou três meses. O BNDES tem recursos limitados. O único canal realmente eficiente para suprir o capital das empresas é o mercado de capitais. Esse deve ser o elo de ligação do crescimento brasileiro. As empresas vão conseguir captar recursos com o lançamento de ações. É natural: sem uma Bolsa forte, não há crescimento e não há empregos.
DINHEIRO ? Outras medidas, como a reforma da Previdência, afetam a Bovespa?
MAGLIANO ? A reforma é fundamental para a Bolsa. Em primeiro
lugar porque promete aumentar os recursos do governo destinados aos investimentos. No modelo atual de previdência sobra pouco dinheiro para o setor produtivo. Uma grande parte da receita do governo é consumida nas contas da Previdência. Então, se o orçamento da União destinado à Previdência diminuir, sobrará uma parcela maior para os investimentos. A conseqüência desse movimento é clara: as empresas vão crescer e render melhores
lucros para os seus acionistas.
DINHEIRO ? E a reforma tributária?
MAGLIANO ? A reforma tributária também é de nítida importância. O prof. Carlos Antônio Rocca, do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais, fez um estudo da situação tributária das empresas brasileiras. Ele verificou que as pequenas e médias empresas têm como uma das principais dificuldades a sua legalização. Como o imposto é muito elevado, grande parte fica na informalidade. Dessa forma, as empresas não podem entrar na Bolsa. Acredito que a reforma tributária facilitará a entrada das empresas no pregão.
DINHEIRO ? O sr. venceu a batalha para o fim da CPMF nas operações dos estrangeiros na Bolsa. Hoje, a alíquota de 20% que incide sobre os ganhos acionários também afasta os investidores. Não vale a pena comprar essa briga também?
MAGLIANO ? A vitória da CPMF foi árdua. Naquele momento, em 2001, aprendi uma lição: teríamos que levar a Bolsa para todos os setores sociais. Tínhamos que acabar com o estigma de investimento de elite. Entendi que as ações poderiam contribuir para o desenvolvimento do País. Resolvi liderar uma greve na Bovespa. Procurei o Paulinho, o presidente da Força Sindical, e pedi que ele me ensinasse a fazer uma greve. Subi no caminhão e reuni cerca de 1,5 mil pessoas, entre profissionais do mercado. Ficamos parados por uma hora. Em 11 meses, visitei humildemente 480 deputados e 65 senadores. Para cada um expliquei os estragos da CPMF. Foi
nessa época que aprendi que o Executivo não tem total poder de decisão, depende, mais do que se imagina, do Legislativo. Aprendi
que é preciso falar com todas as paróquias. Hoje, faço parte do conselho do governo, mas também vou a Brasília discutir filosofia
com o Marco Maciel.
DINHEIRO ? As ADRs, ações nacionais negociadas em Nova York, ainda concorrem com o pregão brasileiro, mesmo sem CPMF para os estrangeiros. Foi um caminho sem volta?
MAGLIANO ? Quando se tira a liquidez de um pregão e se transfere para outro é muito difícil reverter a situação. Precisamos de pelo menos cinco anos para recuperar. Em vez de operar no Brasil, os estrangeiros aprenderam a comprar as ADRs das empresas brasileiras porque o custo era menor. Na época, a operação internacional chegou a ser de oito a dez vezes mais barata. Hoje, já temos alguns resultados da isenção da CPMF. Há pouco tempo realizamos uma operação do fundo de pensão da Vale do Rio Doce, que movimentou cerca de US$ 150 milhões. Eles venderam a participação na CSN. O processo foi aberto para estrangeiro. Se tivéssemos CPMF, isso teria sido feito lá fora.
DINHEIRO ? A cobrança de 20% de IR sobre os lucros na Bolsa é
um entrave?
MAGLIANO ? Ainda estamos estudando a melhor maneira de lidar com esse assunto. O maior problema para a Bolsa, neste momento, insisto, é a taxa de juros. O índice impede a liquidez, afasta as empresas e os investidores. Se há perspectiva de aumento de produção, a Bolsa se torna mais viável.
DINHEIRO ? O governo do PT, como foi prometido durante a campanha, tem contribuído realmente para a Bovespa?
MAGLIANO ? Todos os apoios prometidos têm sido discutidos. O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, tem feito força para apoiar a Bovespa. Há discussões sobre a utilização do Fundo de Garantia, como ocorreu com a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce, para a compra de ações de outras companhias. O Palocci discute novos projetos nesses moldes. Ele sabe da importância da Bolsa na hora da virada econômica. O presidente Lula apóia a participação dos trabalhadores no pregão. A popularização da Bolsa é crucial.
DINHEIRO ? O sr. lançou um audacioso projeto de popularização da Bolsa. Essas medidas já deram resultado?
MAGLIANO ? Já temos mais de 100 novos clubes de investimento, formados a partir de vários grupos da sociedade, desde trabalhadores a clubes de tênis e academias.
DINHEIRO ? A meta é formar investidores?
MAGLIANO ? Tivemos uma ótima experiência com o projeto das mulheres na Bolsa; o evento contou com 1,5 mil mulheres interessadas em conhecer o mercado de capitais. Elas descobriram, por exemplo, que podem planejar a aposentadoria ou os estudos dos filhos, com ações. No meu trabalho, sigo os princípios de um grande filósofo italiano, Norberto Bobbio. Ele diz que para que haja democracia é preciso visibilidade, transparência e fácil acesso. Levamos a Bolsa às fábricas, à praia e aos diversos nichos sociais. Fechamos acordos com a Força Sindical e agora com a CUT.
DINHEIRO ? O sr. participou da comitiva que acompanhou o presidente Lula na recente viagem à Europa. Os estrangeiros têm disposição de investir no Brasil?
MAGLIANO ? Valeu a pena conhecer a experiência do mercado espanhol e apresentar a Bovespa para os europeus.
DINHEIRO ? O Brasil tem chance de repetir o sucesso da
Bolsa de Madri?
MAGLIANO ? Eles fizeram uma privatização pulverizada. Utilizam o mercado de ações para privatizar as companhias. Em 1997, o Brasil tinha US$ 320 milhões na Bolsa. A Espanha tinha a mesma quantia. Hoje, nós temos US$ 200 milhões e a Espanha tem cerca de US$ 3 bilhões. Lá, todos os investidores tiveram a oportunidade de comprar as ações. Hoje, uma em cada três famílias espanholas aplica na Bolsa. Na outra ponta, é importante observar como as empresas utilizam o canal acionário. O Santander fez uma emissão de capital na Bolsa espanhola para conseguir recursos para adquirir o Banespa no Brasil. Por aqui, já temos a Bovespa presente em toda a sociedade.