03/11/2004 - 8:00
DINHEIRO ? Qual o segredo do sucesso do Iguatemi?
CARLOS JEREISSATI FILHO ? Usamos a receita idêntica à que fez de São Paulo a maior cidade da América do Sul: muito trabalho e busca constante pela inovação. O Iguatemi guarda pouca relação com o empreendimento inaugurado em 1966. Até porque sempre soubemos que pioneirismo e tradição não garantem o futuro de nenhum negócio. Por conta disso, mudamos 90% das lojas e fizemos diversas intervenções arquitetônicas.
DINHEIRO ? Mudanças demais não podem ser confundidas com falta de foco no negócio?
JEREISSATI FILHO ? Como tínhamos limitações físicas para crescer e enfrentar os mega-shoppings, optamos por um modelo diferenciado. Cada passo foi planejado para tornar o Iguatemi o mais bem-sucedido e sofisticado centro de compras da América do Sul.
DINHEIRO ? O Iguatemi reproduz algum modelo existente lá fora?
JEREISSATI FILHO ? Buscamos inspiração nos Estados Unidos, que é a meca do shopping center. Temos um perfil muito parecido com o Ball Harbour, de Miami, e o South Coast Plaza, na Califórnia, no quesito moda. Contudo, como trabalhamos com um leque maior de produtos, não se pode dizer que somos uma cópia desses empreendimentos.
DINHEIRO ?Vocês sofrem algum tipo de patrulhamento por exibir grifes que cobram até R$ 3 mil por uma bolsa, em um País pobre como o Brasil?
JEREISSATI FILHO ? De jeito nenhum. O fato de grifes como Tiffany, MAC e Ferragamo exporem em vitrines com acesso de qualquer pessoa mostra que ajudamos a promover a democracia do luxo. O crescimento da consciência social fez com que boa parte da elite abandonasse o luxo ostentatório. Houve um tempo em que para comprar uma bolsa da LVMH era preciso fazer uma verdadeira operação de guerra. No Iguatemi, a Louis Vuitton convive com a Lojas Americanas.
DINHEIRO ? Mas são produtos inacessíveis à maior parte da população…
JEREISSATI FILHO ? Sem dúvida, o problema da distribuição de renda ainda é grande. Mas a abertura da economia e a vinda dessas grifes geraram reflexos positivos para toda a população. Para manter-se no mercado, os fabricantes locais tiveram de investir pesadamente em qualidade. A partir daí, muitas marcas brasileiras conseguiram espaço também na Europa e nos Estados Unidos.
DINHEIRO ? A meta de faturar R$ 1,1 bilhão está de pé?
JEREISSATI FILHO ? Claro. Crescemos 12% no primeiro semestre, em relação a igual período de 2003. O que ajudou bastante foi o fato de o inverno ter começado em maio e ter se estendido por mais tempo. Com isso, os lojistas puderam girar seus estoques com mais facilidade.
DINHEIRO ? Nem mesmo um templo de consumo de luxo está livre da sazonalidade ou de mudanças na economia?
JEREISSATI FILHO ? As oscilações macroeconômicas afetam muito pouco os consumidores de maior poder aquisitivo. Nosso problema, na verdade, limita-se a fatores climáticos, como falta de frio no inverno, por exemplo.
DINHEIRO ? A crise passa longe da sua porta?
JEREISSATI FILHO ? Felizmente, as crises se tornaram cada vez mais raras no Brasil como um todo. Com trabalho árduo e muita criatividade conseguimos ?blindar? o shopping. Além do mais, os acionistas querem resultados, independentemente do que acontece da porta para fora. É por isso que mantemos uma política de constante renovação.
DINHEIRO ? Como presidente da Abrasce (que reúne os shoppings), como o sr. avalia a decisão do BNDES de suspender as linhas de financiamento para o setor?
JEREISSATI FILHO ? Sinceramente, eu não entendi o que motivou essa postura do Carlos Lessa (presidente do BNDES). A medida foi adotada em fevereiro e deverá fazer com que o segmento postergue metade dos R$ 3 bilhões que pretendia investir no período 2005-2006.
DINHEIRO ? Por quê?
JEREISSATI FILHO ? Essa linha de crédito automático, de até R$ 10 milhões, era o único dinheiro com taxas de juros competitivos com o qual contávamos para bancar parte das obras de expansão e reformas de nossos empreendimentos.
DINHEIRO ? E qual foi a alegação?
JEREISSATI FILHO ? Segundo eles, a construção e a reforma de shoppings geram empregos transitórios.
Isso, certamente, não condiz com a realidade. Somos 20% do comércio nacional, empregamos 474 mil trabalhadores registrados e geramos uma receita
de R$ 31,6 bilhões em vendas.
DINHEIRO ? Não é um contra-senso para um governo que vive conclamando os empresários a investir?
JEREISSATI FILHO ? Sem dúvida. Isso destoa totalmente do discurso do ministro Palocci (Antônio Palocci, da Fazenda) e do próprio presidente Lula. Em recente audiência, o ministro me disse que os shoppings têm uma importância crucial para as cidades médias pois garantem cultura e lazer, através dos cinemas, nessas regiões.
“Lessa (do BNDES) cortou a única linha de crédito competitiva do mercado”
DINHEIRO ? Isso afetou os planos do Iguatemi?
JEREISSATI FILHO ? Não, apenas tornou mais caro nosso projeto de construção da nova ala, de 1,6 mil metros quadrados e orçado em R$ 20 milhões, que será inaugurada na quinta-feira 4.
DINHEIRO ? E qual sua avaliação do governo Lula?
JEREISSATI FILHO ? Estou otimista. O Brasil mudou bastante, principalmente no campo econômico. O valor da estabilidade já é percebido por todos e os governos têm consciência da importância da responsabilidade fiscal. Contudo, é preciso trabalhar duro para entrar em um novo patamar de desenvolvimento.
DINHEIRO ? Dá para falar em crescimento com taxas de juros em 16,75% ao ano?
JEREISSATI FILHO ? É preciso olhar essa questão em perspectiva. Não podemos esquecer que há um ano a taxa estava em 26% e que os juros são conseqüência da credibilidade do governo. Se forem aprofundadas as reformas estruturais e a redução dos gastos, a taxa vai cair naturalmente. Mas é preciso que sejam dadas mostras concretas de que se está perseguindo esse caminho. Discurso é bom, mas o que faz a diferença é a ação.
DINHEIRO ? Qual nota o sr. daria ao governo Lula?
JEREISSATI FILHO ? O presidente Lula surpreendeu a todos na condução da economia. Contudo, ainda falta um choque de gestão na máquina pública. Algumas áreas funcionam e outras nem tanto.
“A megabutique da Daslu, que a Eliana vai abrir em SP, não representa uma ameaça”
DINHEIRO ? Quais são as melhores?
JEREISSATI FILHO ? Os Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento são exemplos de sucesso. O presidente Lula também acertou ao criar o Conselho de Desenvolvimento Econômico, que é um importante canal de interlocução com a sociedade. Ele sabe ouvir e gosta de conversar. E essas são qualidades fundamentais para um bom governante.
DINHEIRO ? O sr. acha que o governo derrapou no social?
JEREISSATI FILHO ? É absolutamente correto dar ênfase e prioridade à questão social. Contudo, acredito que a melhora dos indicadores depende muito mais do desenvolvimento econômico…
DINHEIRO ? E os desvios no Bolsa Família?
JEREISSATI FILHO ? Eles fazem parte do processo de aprendizagem e não é por isso que temos de abandonar esses programas. Entretanto, devo insistir que a questão social só vai se resolver com o crescimento efetivo da economia.
DINHEIRO ? Voltando ao varejo, há algum tempo a direção do shopping Jardim Sul (de São Paulo) acusou o sr. de prejudicar a concorrência ao impedir as grifes…
JEREISSATI FILHO ? Essa questão está encerrada. Mantemos cláusula de exclusividade com menos de 30% de nossos lojistas. Fizemos isso para evitar a repetição do que ocorreu na década de 80, quando várias marcas entraram no Iguatemi e depois se expadiram para shoppings com perfil popular. Isso corrói nossa imagem. Nenhum lojista jamais reclamou dos contratos.
DINHEIRO ? E como o sr. avalia a decisão da Daslu de construir uma megabutique. Isso assusta?
JEREISSATI FILHO ? A Daslu é um competidor de longa data que apenas está mudando de lugar para dar mais conforto aos seus clientes. Acho que esse novo formato será um grande desafio para a Eliana Tranchesi (dona da Daslu). Isso porque os clientes dela gostam de tranqüilidade e não sei se será possível reproduzir o ambiente intimista e o charme de uma pequena casa em um prédio de quatro andares. Esse é um obstáculo que ela precisará vencer nesse modelo de negócio.
DINHEIRO ? Ao trabalhar com as mesmas grifes em um local maior não significa que a Daslu vai se tornar uma ameaça direta ao Iguatemi?
JEREISSATI FILHO ? Já temos várias marcas em comum e as duas empresas coexistem sem problemas. Nossa base de clientes é mais ampla. Recebemos um grande número de pessoas que não são clientes da Daslu. Somos um shopping e como tal temos muito mais coisas para oferecer do que apenas moda.
DINHEIRO ? Fala-se que se o Market Place (construído em São Paulo em frente ao Shopping Morumbi) é o calcanhar-de-aquiles da IESC. O que deu errado?
JEREISSATI FILHO ? Quando compramos o Iguatemi em 1979, também nos chamaram de loucos. O Market Place é outra demonstração da capacidade do meu pai, Carlos Jereissati, que anteviu a transformação pela qual o Morumbi e a região da Berrini passariam. Nosso shopping com perfil de moda foi concebida para um público de maior poder aquisitivo. Diferente do que acontece com o outro que tem redes populares, como C&A e Lojas Renner.
DINHEIRO ? Mas ele é lucrativo?
JEREISSATI FILHO ? Sem dúvida. O Market Place é o quarto melhor negócio de nossa empresa.