01/03/2023 - 8:36
Nascida em uma família da elite norte-coreana, com laços com a dinastia governante, Oh Hye Son cresceu convencida de que era “especial”. Depois, no entanto, de experimentar a liberdade no exterior, ela decidiu desertar.
A maioria das dezenas de milhares de norte-coreanos que fogem da repressão e da pobreza enfrenta uma dura e perigosa viagem pela fronteira terrestre com a China, onde correm o risco de serem detidos e deportados.
A saída da família de Oh não foi tão perigosa, mas igualmente dolorosa. Ela convenceu seu marido, Thae Yong Ho, então vice-embaixador de Pyongyang em Londres, a abrir mão de seus privilégios pelo bem de seus filhos.
“Nunca quis voltar para a Coreia do Norte e me pergunto por que os norte-coreanos têm que viver uma vida tão difícil”, disse ela à AFP em entrevista em Seul, onde vive atualmente.
Ao ocupar cargos na Dinamarca, na Suécia e no Reino Unido ao longo de vários anos, a família conheceu uma outra vida, explicou, e, quando chegou a Londres, Oh Hye Son pensou: “Se existe um paraíso, deve ser aqui”.
Oh, que publicou recentemente suas memórias, fazia parte da aristocracia de seu país, descendente de um distinto general norte-coreano que combateu ao lado do líder Kim Il-sung contra os japoneses na década de 1930.
Apesar disso, ela diz que “vivia com medo do poder”.
“Ninguém, salvo a família Kim, tem privilégios. E, quando meus filhos aprenderam sobre liberdade e democracia no exterior, me dei conta de que não há futuro para eles na Coreia do Norte”, acrescentou.
– Sistema de saúde –
O filho mais velho de Oh, Thae Juhyok, tinha graves problemas de saúde, incluindo a síndrome nefrótica. Essa doença renal pode causar a morte, se não for tratada. Seu tratamento é, no entanto, quase impossível no precário sistema de saúde norte-coreano, um dos piores do mundo.
Tudo mudou quando a família chegou a Londres em 2004 e pôde ser atendida pelo Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) britânico.
Seu filho recebeu tratamento gratuito em uma das melhores clínicas da cidade, e as crianças se adaptaram às escolas britânicas. Isso representou um forte contraste com a vida em Pyongyang, para onde voltaram em 2008, depois de concluída a primeira missão de seu marido em Londres.
Juhyok começou a frequentar a Universidade de Medicina de Pyongyang, mas, em vez de estudar, foi obrigado a trabalhar em um canteiro de obras, carregando cimento, contou Oh.
A Coreia do Norte sofre com a escassez de mão de obra, e o governo ordena, com frequência, que os alunos façam trabalhos manuais como prova de lealdade. Em caso de desobediência, o governo retém suas rações de alimentos, ou cobra impostos, de acordo com um relatório de 2022 sobre tráfico de pessoas divulgado pelo Departamento de Estado americano.
Quando seus filhos começaram a questionar a corrupção e a injustiça que viam na Coreia do Norte, Oh entendeu que seria impossível sua integração total à sociedade de Pyongyang.
“Eles tinham valores completamente diferentes”, observou. “Foi aí que comecei a pensar que, se tivesse a chance de sair de novo, não voltaria”, completou.
– Fuga –
A oportunidade surgiu quando seu marido foi nomeado vice-embaixador em Londres, e ela o convenceu a desertar por seus filhos.
Ela esperava que o regime norte-coreano entrasse em colapso após a morte de Kim Jong-il, pai do atual líder Kim Jong-un, em 2011, uma expectativa que foi frustrada quando emergiu a terceira geração governante da família Kim.
“Na Coreia do Norte você existe, de de manhã até de noite, para o bem da família Kim”, criticou Oh.
Seu marido, Thae, tornou-se o primeiro desertor a ser eleito para o Parlamento sul-coreano, onde é membro do conservador Partido do Poder Popular.
Oh ama sua nova vida em Seul, mas é, frequentemente, invadida por pensamentos sobre sua mãe e irmãos, os quais deixou para trás na Coreia do Norte. Não é raro o governo punir familiares dos desertores. Além disso, contatos entre civis das duas Coreis são proibidos.
Embora Oh não tenha conseguido entrar em contato com sua família, viu seu cunhado uma vez. Isso aconteceu em uma visita dele a Seul em 2018, como parte de uma delegação oficial norte-coreana da Coreia do Norte, durante um raro contato diplomático.
O episódio deu-lhe a esperança de que seus parentes talvez não tenham sido expurgados pelo regime de Kim, por causa da fuga de sua família.
“Eles se ressentem de mim? Me invejam? Me aplaudem em silêncio?”, questiona Oh, enxugando as lágrimas.