03/04/2020 - 14:00
O enfermeiro Idalgo Moura, de 45 anos, é descrito como alguém que viveu para “servir e cuidar” de todos. Em São Paulo e na Paraíba, tinha “um milhão de amigos” e uma família que o admirava, mas poucos puderam se despedir do profissional de saúde, morto pelo novo coronavírus na terça-feira, 31. A maioria só conseguiu acompanhar o sepultamento, que durou menos de 10 minutos, por uma transmissão ao vivo no Facebook, feita em prantos por Agnelo, irmão que, mesmo no grupo de risco da covid-19, atravessou o País para se despedir.
A ideia inicial da família era cremar o corpo do enfermeiro e levar as cinzas para o sítio em que os pais de Moura vivem, no interior paraibano, onde cresceu. As dificuldades burocráticas da pandemia fizeram com que se decidisse pelo enterro. Os restos mortais serão cremados daqui a três anos.
“A gente queria trazer pelo menos para fazer uma cerimônia simbólica para a família, aqui. E a gente não conseguiu, era muito burocrático, não tinha tempo hábil”, conta a jornalista Mafalda Moura, de 40 anos, irmã do enfermeiro e que acompanhou tudo de João Pessoa.
Segundo ela, cerca de 12 pessoas compareceram ao enterro, entre primos, um dos irmãos e amigos mais próximos – todos utilizavam máscaras. Os profissionais que atuaram no sepultamento, em um cemitério privado de Santo André, no ABC Paulista, vestiam macacões de proteção.
“O que impediu as pessoas de irem foi a rapidez que tudo tinha de acontecer. Não tinha velório, não tinha voo da Paraíba para o Sul. E nem as pessoas próximas lá de São Paulo (conseguiram ir), porque a gente não teve tempo hábil de avisar”, explica. “Ele tinha um milhão de amigos, conhecia muita gente.”
“Foi injusto, sabe. O Idalgo tem uma história de vida muito bonita. São mais de 20 anos dedicados à enfermagem. Começou como técnico, foi auxiliar e, depois, se formou (na graduação). Sofreu muito para se formar, filho de pobre, do interior da Paraíba. Tinha época do ano que tinha três empregos para pagar a faculdade e se manter em São Paulo”, descreve a irmã.
“Ele estava na linha de frente, tratando isso (covid-19). Foi infectado, internado e ficou só em um leito de UTI, não tinha família e amigos perto. A gente não podia visitar, nem ver de longe. Foi enterrado sem abrir o caixão. A gente pôs uma foto em cima para enterrar”, lamenta. “Morrer e ser enterrado desse jeito. Acho que a gente não vai esquecer nunca. Não tem nada mais doloroso do que isso”, diz ela.
“Ele deixa um legado muito importante, do bom servidor, bom funcionário, do cara que gosta de servir. Quando ele estava já sendo atendido (com suspeita do vírus), já com a saúde debilitada, falou para a minha mãe: ‘só fico triste porque vou passar 14 dias em casa e não vou estar aqui dentro para ajudar os meus companheiros, porque o negócio aqui está feio’. Ele achava que iria para casa, mas, nesse mesmo dia, já foi internado, entubado e não saiu mais vivo.”
Moura ficou cerca de 12 dias internado na UTI do Hospital Municipal do Tatuapé, na zona leste da capital paulista, onde trabalhava. Segundo familiares, chegou a ser tratado com cloroquina, que era uma das últimas esperanças para reverter a situação.
Natural de São José de Espinharas (PB), não era casado nem tinha filhos. Vivia em São Paulo há 26 anos. “Não falo porque era meu irmão”, diz Mafalda, “foi uma das melhores pessoas que conheci.” “Ele é idolatrado na nossa cidade, não só por familiares, por todo mundo, você não imagina o tamanho da comoção.”