26/11/2003 - 8:00
RUBENS FILIZOLA
?Temos a vantagem de se antecipar às novidades e manter a dianteira?
Aos 67 anos, o empresário Rubens Filizola é o representante da terceira geração de uma centenária família de negócios. Desde o início da década de 80, ele tem liderado uma seqüência de profundas transformações na empresa batizada com seu sobrenome. A Filizola foi a pioneira na produção de balanças eletrônicas na América Latina. Depois, terceirizou diversas de suas atividades para se concentrar no desenvolvimento tecnológico do produto. Seu projeto agora é transformá-la numa empresa de marketing, na qual a maior parte de esforços e recursos é destinada à administração da marca e a montagem dos produtos é entregue a terceiros. Uma espécie de Nike das balanças. É ainda um sonho distante, admite Rubens, mas, de sonho em sonho, a Filizola mantém uma liderança histórica em um mercado de US$ 100 milhões. ?A trajetória de nossa família se confunde com a história do setor de balanças no Brasil?, conta Rubens. ?Isso tem sido uma vantagem na hora de se antecipar às novidades e preservar a dianteira.? O sobrenome Filizola permeia o organograma da empresa. O vice-presidente, Vicente, é primo de Rubens. Dois dos diretores, Marcelo, da área comercial, e Cássio, da financeira, são filhos de Rubens. É a garantia, segundo Rubens, da transmissão do DNA empresarial de forma a garantir a perenidade no mundo dos negócios.
Histórias como a da Filizola rompem um paradigma vigente desde o início dos anos 90. Na época, empresa familiar tornara-se um sinônimo de ineficiência. Na visão da maioria dos analistas, era um corpo estranho à globalização, incapaz de sobreviver em um mercado cada vez mais concorrido. Engano. A velha prática da ?barriga no balcão? mostrou-se uma vantagem numa economia marcada pela instabilidade. Nos EUA, lembra o consultor Renato Bernhoeft, companhias familiares saíram melhor e mais rápido da crise pós 11 de setembro do que as chamadas organizações profissionalizadas.
No Brasil, nomes consagrados entre as empresas familiares como Cofap, Metal Leve, Continental, Banco Real, foram absorvidos por grandes corporações nos últimos anos. Outras tantas, porém, sobreviveram e saíram fortalecidas desse período. E continuam predominantes no universo empresarial. Segundo levantamento de Bernhoeft, dos 300 maiores grupos empresariais do Brasil, 265 são controlados por famílias. O risco para esses conglomerados está dentro de casa. De acordo com um estudo do Family Business Consulting Group International, uma entidade americana, 65% das empresas familiares desaparecem devido a conflitos entre membros do clã. Nos Estados Unidos, apenas 15% das companhias chegam à terceira geração. ?Na primeira geração, a família se confunde com a gestão. Depois disso deve haver uma separação das duas coisas. Caso contrário, a empresa não suporta a invasão de parentes no organograma?, diz Bernhoeft.
Almoço de domingo. Há alguns meses, o grupo VR, controlado pelo clã Szajman, criou um tal de Conselho Familiar. Nele, uma vez por mês, se reúnem o fundador Abraham, sua mulher e o três filhos. ?É o fórum para se tratar assuntos que dizem respeito à família e aos negócios?, diz Cláudio Szajman, presidente da VR. Ali são decididos os dividendos distribuídos entre os parentes, a presença de familiares nos negócios ou o uso de carros ou helicópteros por eles. Recentemente, o debate rolou em torno da participação ou não da irmã de Cláudio no dia-a-dia dos negócios. Hoje, ela não tem cargo na companhia ? e continuará não tendo, de acordo com a decisão do conselho. ?Não dá para tratar dessas questões nem no conselho de administração nem nos almoços de domingo?, pondera Cláudio.
A empresa de Szajman é uma brasileira cercada de multinacionais por todos os lados, como as francesas Accor e Sodexho. Mesmo assim, a VR se tornou a líder na utilização do cartão com chip nesse setor. ?Conheci a tecnologia numa feira no exterior?, conta. Na volta, sentou-se com o pai e o irmão André e ali decidiram investir R$ 60 milhões em cinco anos para dominar a tecnologia. Hoje, estão sozinhos no mercado. A própria Sodexho está comprando serviços da VR nesse campo. Não fosse o olho do dono engordando o negócio, a demora na decisão poderia comprometer o próprio projeto.
O acesso difícil a dinheiro barato é uma das armadilhas no caminho das empresas familiares. ?O empreendedor brasileiro tem uma mentalidade patrimonialista?, diz o consultor Bernhoeft. ?Ele possui imóveis, fazendas, aviões, mas não liquidez.? O empresário Pedro Eberhardt identificou esse gargalo no início dos anos 90, quando o setor de autopeças sofreu uma crise sem precedentes. O parque industrial da Arteb, fabricante de faróis para automóveis, precisava ser modernizado, mas onde encontrar dinheiro e tecnologia? Eberhardt vendeu 7,5% do capital para o IFC, o braço financeiro do Banco Mundial, e outros 8,5% para a alemã Hella. Com a japonesa Koito, fechou uma parceria para se abastecer de tecnologia. Assim, nos últimos anos, a Arteb investiu US$ 100 milhões em sua fábrica no ABC paulista. ?Fomos na contramão do setor?, diz Eberhardt. ?Mas temos capacidade para atender uma produção de três milhões de veículos anuais.? Os faróis da Arteb equipam hoje 40% dos automóveis montados no Brasil. Em breve, estarão encaixados na grade frontal de carros fabricados pela GM em Detroit. ?Tornei-me o último dos moicanos do setor de autopeças no Brasil?, comemora Eberhardt. Seu diferencial foi ter aqui um centro de engenharia que as concorrentes possuem do outro lado do mundo. ?As montadoras exigem participar do desenvolvimento do farol desde o primeiro desenho?, conta Eberhardt. ?Somos a única fabricante vizinha às montadoras.?
DNA empresarial. Dentro de casa, Eberhardt deslocou todos os parentes para o conselho de administração. Na gestão, só ele ? por enquanto. ?Serei o último executivo com sobrenome Eberhardt na Arteb?, promete ele. Para os especialistas, a ausência de parentes não é necessariamente o passaporte para o sucesso de uma empresa familiar. ?O importante é disciplinar o ingresso dos familiares e promover a renovação na organização, mantendo o mesmo sangue que corre nas veias do negócio?, diz Bernhoeft.
O sobrenome Jereissatti preenche diversos quadradinhos do organograma do grupo controlado pela família. O pai e fundador é presidente da holding. Pedro, um de seus filhos, comanda a área de telefonia ? leia-se Telemar e Oi. Seus dois outros rebentos cuidam dos 12 shoppings do grupo. Carlos Jereisatti Filho é o diretor geral. Érika a área comercial. ?O importante é preservar o DNA familiar nos negócios?, diz Jereissatti Filho. ?Sempre saímos na frente, e essa é a herança que devemos respeitar.? Em 1966, quando o chique era fazer compras na Rua Augusta em São Paulo, o pai lançou o Iguatemi, o primeiro shopping do País.
Quando os shoppings começaram a brotar por todo o País, ameaçando a supremacia do Iguatemi, coube ao filho promover uma pequena revolução nos empreendimentos. Focou no público mais endinheirado, levou grifes como Louis Vuitton e Tiffany para dentro do shopping e criou serviços diferenciados, como recepcionistas bilingües. Depois estendeu esses conceitos para os outros 11 shoppings nos quais a família tem participação. ?Se a própria família não estivesse à frente dos negócios talvez o grupo não tivesse o ímpeto necessário para levar essas mudanças adiante?, diz Carlos Filho. ?O dono tem uma iniciativa que dificilmente pode ser encontrada em um executivo.? É uma proposta de entregar as empresas familiares somente aos familiares. ?Não, todo radicalismo é burro?, diz ele. ?A miscigenação é a melhor saída.?
Filizola
Grupo Jereisatti
Arteb
Grupo VR