O governo do presidente Lula está criando uma inovação inesperada em matéria de administração pública ? promove um aumento acelerado dos gastos burocráticos enquanto reduz investimentos essenciais ao País. Parece exagero? Não é. A Secretaria do Tesouro Nacional acaba de reunir os números da despesa de 2004 no Siaf, o Sistema Integrado de Administração Financeira, e o que eles mostram é alarmante. Apenas nos 10 itens mais caros de custeio, a União teve um crescimento de gastos no ano passado de 25,7% em relação a 2003, já descontada a inflação. Foram R$ 7,3 bilhões contra investimento de R$ 9,1 bilhões no mesmo período. É a pior relação desde o biênio 1984/1985, na tumultuada transiçao dos governos João Figueiredo e José Sarney. Para que se tenha uma idéia comparativa, no último ano do governo Fernando Henrique, em 2002, os investimentos públicos, foram de R$ 15,5 bilhões, enquanto os gastos com os mesmos dez itens de custeio somaram R$ 5,6 bilhões. Ou seja: o governo Lula gasta 80% daquilo que investe, enquanto FHC investia quase o triplo do que gastava. ?Esses números provam que o governo pode promover várias lipoaspirações em suas despesas de custeio?, diz o deputado Augusto Carvalho, do PPS do Distrito Federal, que colocou sua equipe para pesquisar as entranhas do SIAF.

Visto em detalhes, e cotejado com outras despesas, o gasto oficial ganha contornos desanimadores. Consumiu-se, por exemplo, R$ 2,3 bilhões em compra e manutenção de equipamentos e programas de informática, com 24,3% de aumento real em relação ao ano anterior. Isso significa que se gastou somente com processamento de dados mais do que os R$ 2,2 bilhões de todos os investimentos em estradas e portos do País. Também foram dispendidos R$ 1,2 bilhão em passagens aéreas e diárias de funcionários públicos, 19,2% a mais que em 2003 ? e quase três vezes mais do que o investido em todos os programas de educação. A despesa que mais aumentou foi com compra e manutenção de veículos, 34,3% a mais que no ano anterior. Chegou a R$ 635,9 milhões, 23 vezes mais do que tudo que o investiu em saneamento. O único dos dez itens que teve uma redução dos gastos foi o uso de fotocópias ? caiu de R$ 110 milhões em 2003 para R$ 91,4 milhões em 2004, 17% a menos. Esses números referem-se aos gastos da União, incluindo Executivo, Legislativo e Judiciário, mas o Executivo é responsável por nove décimos das despesas.

Especialistas em despesas públicas como o economista Raul Velloso tem pregado a necessidade de uma imediata reestruturação dos gastos públicos como única forma de sair do círculo vicioso no qual o governo aumenta os impostos — e reduz os investimentos — para cobrir as despesas crescentes. ?Reclama-se muito do custeio da máquina, mas nenhum governo melhora seu desempenho somente cortando xerox?, pondera o professor José César Castanhar, da Fundação Getúlio Vargas. ?Além de cortar gastos supérfluos é preciso aumentar investimentos?. Dias atrás, o ministro da Fazenda Antônio Palocci, mandou cortar R$ 16 bilhões de despesas públicas. Desses, R$ 9 bilhões são de despesas variadas, incluindo gastos de custeio. O problema é que também foram cortados R$ 7 bilhões em investimentos essenciais. Quanto tenta reduzir seus gastos correntes, o governo é de uma timidez notável. Exemplo 1: o Ministério do Planejamento prepara um programa de controle dos gastos no qual a medida de maior impacto é o incentivo às compras por meio de leilão eletrônico. Exemplo 2: para organizar a última reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, na quinta-feira 10, funcionários do Planalto telefonaram aos 90 conselheiros para perguntar, delicadamente, se eles não se importariam de ir a Brasília pela Gol, cujas passagens costumam ser as menores do mercado. ?É pouco, insignificante. É preciso ter coragem de cortar na carne?, prega a professora Yeda Crusius, ex-ministra do Planejamento do governo Itamar Franco. Durante a reunião do Conselhão, na semana passada, o ministro José Dirceu, da Casa Civil, lembrou aos empresários que há muitos economistas reclamando dos gastos públicos, mas que o governo planeja manter a rota. ?Estamos gastando sim?, admitiu o ministro. ?E vamos continuar contratando e aumentando salários, pois fomos eleitos para modernizar a máquina pública?. Assim falou Dirceu.

O DESTINO DO DINHEIRO
Alguns gastos da máquina federal em 2004

? R$ 1,2 bilhão foi gasto em passagens aéreas e diárias, contra R$ 424 milhões em programas de educação

A energia para órgãos públicos consumiu R$ 690,3 milhões, muito além dos R$ 272 milhões de Ciência e Tecnologia

A vigilância privada das repartições custou R$ 526,8 milhões, enquanto R$ 80,2 milhões foram para o reaparelhamento do Exército

R$ 91,4 milhões foram gastos com fotocópias, mais de o triplo dos R$ 27,2 milhões investidos em saneamento

Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira