Em 2021, quando os eleitores latino-americanos foram às urnas, enviaram uma mensagem clara para as elites governantes: estamos fartos.

Recentemente, no Chile, nenhum dos partidos tradicionais de centro que governaram o país desde o fim da ditadura há 31 anos chegou ao segundo turno. No último domingo (19), o milennial e esquerdista Gabriel Boric venceu seu adversário de extrema-direita, José Antonio Kast.

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Em abril, o Equador elegeu seu primeiro presidente de direita em 14 anos; em junho, o Peru optou por um professor rural socialista, pouco conhecido; e, em novembro, Honduras encerrou os 12 anos de governo do Partido Nacional conservador, elegendo pela primeira vez uma mulher na Presidência.

Nas eleições legislativas no mês passado, os argentinos deram um golpe no peronismo (centro), que perdeu o controle do Senado pela primeira vez.

“As pessoas estão fartas do ‘status quo’ e das elites econômicas e políticas tradicionais”, afirmou à AFP o analista Michael Shifter, do “think tank” localizado em Washington Inter-American Dialogue.

“É, portanto, uma espécie de tendência à rejeição em vários países (…): se os governos falham, as pessoas buscam alternativas”, acrescentou.

O resultado foi uma explosão de novos partidos políticos, fragmentação do voto e líderes vistos como mais próximos do povo surgindo no cenário político aparentemente “do nada”.

O Peru teve 18 candidatos no primeiro turno, um recorde em 15 anos.

– Votar no “mal menor” –

Também houve uma tendência de eleições acirradas entre candidatos de posições opostas, já que eleitores moderados dividem seu apoio entre os candidatos de centro, deixando na disputa os rivais ferrenhos, como aconteceu no Chile, no Peru e no Equador.

Com o aumento da apatia e da alienação, mais eleitores emitem votos de protesto.

No Chile, um país com uma alta taxa de abstenção, muitos eleitores disseram à AFP, por exemplo, que votariam no “mal menor”.

“Não acredito que isso tenha muito a ver com ideologia”, afirmou o analista político Patricio Navia, da Universidade de Nova York, em entrevista à AFP, referindo-se à tendência do voto.

“Vimos isso desde 2020. Desde que começou a pandemia, todos os titulares, governos, partidos, ou coalizões, perderam as eleições na América Latina”, acrescentou.

As razões são múltiplas.

A crise econômica, uma carga crescente em muitos países da América Latina, piorou desde 2020, devido à pandemia e à perda de negócios como resultado do confinamento na região mais desigual do mundo.

“Quando as condições econômicas eram positivas, todos os presidentes da América Latina eram populares, tanto presidentes de direita quanto de esquerda”, explicou Navia.

Durante o boom das commodities e de produtos básicos, de 2003 a 2013, a classe média na América Latina cresceu rapidamente, e havia expectativas de que a tendência persistiria. Mas aconteceu o contrário.

– “Mais do mesmo” –

“O povo está cansado dos partidos políticos tradicionais pela percepção geral de que não respeitam as promessas eleitorais e de que são ‘mais do mesmo'”, disse à AFP María Jaraquemada, do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral.

E são suscetíveis às mensagens cada vez mais populistas, que “oferecem algo contra as elites, diferente do que foi feito antes”, destacou a especialista.

“Na política moderna, em cada país, é a voz mais radical que conduz o debate, e as redes sociais amplificam essas vozes”, acrescentou Shifter.

“Antes, havia um tempo em que as pessoas votavam em alguém, porque acreditavam nele”, disse o analista.

Agora, “há mais e mais processos eleitorais que são decididos em termos do menor entre dois males, assim como mais votos negativos. E isso é uma grande mudança”, completou.

Essa mistura de polarização do voto e do descontentamento prevê um futuro volátil, de acordo com os analistas.

“A situação econômica provavelmente vai piorar nos próximos anos em vez de melhorar, portanto, o descontentamento continuará. O melhor indicador do descontentamento social é uma má condição econômica”, explicou Navia.

“Suponho que a advertência para os líderes da América Latina é que, a menos que as condições econômicas melhorem, eles permanecerão bastante impopulares”.

Para Shifter, os próximos anos serão “muito agitados”.

“Em parte, os líderes não têm calibre para serem realmente capazes de solucionar esses problemas, mas também é porque os problemas são muito piores e difíceis de resolver”, frisou.

No ano que vem, um novo presidente será eleito na Colômbia e no Brasil, onde a tendência parece continuar.

O conservador colombiano Iván Duque se tornou o presidente mais impopular em um ano marcado pela insatisfação social e por uma violenta repressão policial que gerou críticas em nível internacional.

O esquerdista e ex-guerrilheiro Gustavo Petro lidera as pesquisas.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (PL) também é muito impopular, em meio a uma recessão econômica e a passos em falso em sua política de resposta à covid-19. Segundo pesquisas, o ex-presidente Lula (PT) prepara seu retorno.

“Isso não significa que exista um entusiasmo por Lula. Na verdade, trata-se de uma rejeição a Bolsonaro”, afirmou Shifter.

“Faz parte de uma tendência de rejeição”, insistiu.