29/10/2003 - 8:00
A falecida Pepezinha pode se considerar de alma lavada. Durante anos a cadelinha de estimação da emergente Vera Loyola canalizou toda a má vontade nacional contra a cachorrada que leva vida de gente. Só porque tinha direito a cama com lençol de cetim, festa de aniversário para 40 ?cãovidados? e tapete persa para fazer xixi. Pepezinha morreu no ano passado, de velhice. E lá do Céu ? para onde vão os espíritos dos animais domésticos, como acreditam os donos mais dóceis ? deve estar saboreando sua doce vingança. O mercado brasileiro de produtos e serviços para pets envereda justamente pelo caminho das extravagâncias que no passado conspurcaram a imagem da incompreendida Pepezinha. O mais notório desses serviços é a assistência funerária para cães e gatos, do Clube Pet Memorial, de São Paulo. Por uma taxa única que varia entre R$ 750 e R$ 1,5 mil, o plano dá direito a rabecão refrigerado (disponível 24 horas), capela, velório, caixão, cremação e urna para as cinzas. O ?amiguinho? se despede de banho tomado, pêlo escovado e rodeado por flores frescas. ?Amiguinho?!? Eufemismos de praxe como ?hora da separação? e ?última homenagem? estão incluídos no preço. ?Temos também um cinerário para que os proprietários guardem as urnas e visitem o antigo companheiro em datas especiais?, explica Carlos Alberto Molina, diretor da empresa. O Clube Pet Memorial já conta com 6 mil associados e, desde que o inconsolável proprietário tenha cabeça para despachar o defunto para os aeroportos paulistanos, o serviço está disponível em todo o Brasil.
Mas talvez seja melhor homenagear os bichinhos ainda em vida, não é mesmo? Nesse caso a opção é contratar o fotógrafo Lionel Falcon, que se especializou em ?books? de cachorro. Falcon, que foi retratista particular de Julio Iglesias e Ricky Martin em Miami, cobra R$ 70 por um álbum com cinco fotos de 8 cm por 11 cm. Faz pelo menos um por dia. Quem quiser, pode estampar as melhores poses em capas de caderno, mousepads, ímãs de geladeira, descanso para copos e camisetas ? serviço cobrado à parte. Saudade do mundo das celebridades? ?Nenhuma?, diz Falcon. ?Há dois anos faço as fotos para cartões da Telefônica que já venderam três milhões de cópias. Recebo bons royalties.? Seu estúdio fica no Pet Center, em São Paulo, a primeira megapet shop 24 horas do País. O gerente-geral da loja, Sérgio Zimerman, avalia que o momento é o ideal para investir no setor. Recentemente, ele pagou R$ 100 mil pela patente da carteira de identidade canina. O documento traz foto, nome e impressão digital do bichinho e o número do telefone de seu dono. Custa R$ 19, dois a mais do que o RG de gente. ?Já registramos 13 mil cães, é um mailing fantástico?, festeja o executivo.
Dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal indicam que só o mercado de nutrição de pequenos animais cresceu 500% entre 1995 e 2002 e alcançou R$ 1,3 bilhão de faturamento no ano passado. E foi-se o tempo daquelas rações insossas e de aspecto e cheiro desagradáveis. Agora existe até panetone para cães. A invenção é da Panetteria di Canni, a primeira confeitaria brasileira dedicada à cachorrada. São dez tipos de quitutes, entre bolos, muffins e petit-fours, apresentados em embalagens elegantes de papel cartão. ?As pessoas projetam as suas vontades nos animais de estimação, por isso estou confiante no negócio?, diz o veterinário Angelo Carrotta, que investiu R$ 100 mil para montar a empresa e espera faturar R$ 1 milhão ao ano distribuindo os confeitos em 500 pet shops. ?Os doces são tão bons que eu como um todo dia?, exagera. O gaúcho Lars Reibel não chega a tanto, mas farejou boas oportunidades no mesmo segmento. Dono da Kelco, ele desenvolveu salgadinhos caninos e felinos com sabor picanha, galinha caipira, atum e salmão. Investiu R$ 1,4 milhão em pesquisas e chegou a produtos curiosos. O snack de picanha, por exemplo, parece uma miniatura da peça de carne, com ?capa de gordura? e tudo.
?Felizmente o Brasil segue o modelo americano de criar animais, que é da porta para dentro e não da porta para fora como na Europa?, diz o industrial Saul Spinetti. Há três anos, ele aproveitou sua experiência como fabricante de cosméticos para humanos e fundou a Natural Pet, especializada em xampus e perfumes para animais de estimação. Já fatura R$ 300 mil ao ano. E no seu portfólio estão deo-colônias caninas que ?lembram? fragrâncias do Boticário, Natura, Gabriela Sabatini e Bulgari. É ou não é dose para cachorro? Agora só falta canonizar Pepezinha.