21/06/2013 - 18:00
Enquanto dirige seu utilitário-esportivo Freemont, na cor preta, pelas vielas da Cidade de Deus, bairro carente da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, o empresário Celso Athayde, 50 anos, dono da Favela Holding (FHolding), acena para conhecidos. Em diversas ocasiões ele é parado por gente em busca de ajuda para “dar um gás” em empreendimentos de pequena monta, como a roda de pagode que acontece no fim da tarde de domingo na quadra da Central Única das Favelas (Cufa). Seu extenso currículo como agitador cultural e ativista social o transformou em uma referência nas comunidades cariocas – jargão politicamente correto usado para designar os mais de mil morros e favelas do Rio de Janeiro.
Celso Athayde, dono da favela holding, em frente à estação do teleférico,
no morro do alemão, no Rio: ”Não se faz revolução para valer sem a ajuda do capital”
Atuando nos bastidores, Athayde se tornou amigo de artistas renomados, empresários e políticos daqui e do Exterior. Considerado um Ph.D. em matéria de baixa renda e um dos maiores conhecedores das favelas, o empreendedor carioca é requisitado pelo Banco Mundial para proferir palestras em toda a América Latina. Agora, ele quer transformar esses atributos em negócios. Para isso, Athayde e seus sócios pretendem investir R$ 1,5 bilhão, até 2017, em dez empreendimentos que cobrem desde áreas de entretenimento até logística, passando pela fabricação de móveis, venda de passagens aéreas e distribuição de peças de motocicleta. A maior parte dessa dinheirama irá para a construção de shopping centers.
Detalhe: todos esses negócios, que serão replicados em outros Estados, terão a favela como base. “Resolvi me tornar empreendedor porque percebi que ninguém vai querer promover os talentos das comunidades”, diz Athayde. “Além disso, percebi que não se faz revolução para valer sem a ajuda do capital.” A ambição de Athayde, um ex-morador de rua, está calcada em pesquisas que mostram as favelas brasileiras como uma espécie de Eldorado, ainda pouquíssimo explorado. São 12 milhões de moradores que gastam nada menos que R$ 56 bilhões na compra de bens e na contratação de serviços a cada ano, de acordo com estudo das consultorias Data Popular e Data Favela. Esse montante é superior ao Produto Interno Bruto (PIB) de países como a Bolívia ou o Paraguai.
Mais: o poder de consumo médio dessa fatia da população triplicou nos últimos dez anos. Por conta disso, 3,2 milhões de moradores de favelas passaram a ser classificados como integrantes da classe média. A aposta de Athayde é simples: cobrir a lacuna deixada pelas grandes empresas. Hoje, é possível contar nos dedos das mãos as ações destinadas a dominar uma fatia desse apetitoso bolo. As poucas iniciativas se resumem em tentar convencer esse consumidor a adquirir produtos específicos ou serviços que, muitas vezes, só estão disponíveis nos bairros mais sofisticados das metrópoles. Por essas razões, Athayde já costurou uma série de parcerias no asfalto, com empresas dispostas a subir o morro.
São nomes como o da americana P&G, de produtos de higiene e limpeza; das italianas TIM, de telefonia, e Doimo, fabricante de móveis; além das brasileiras Uai Shopping, Editora Objetiva, Tok&Stok e agência de viagens Vai Voando, entre outras (veja a lista de empreendimentos nas páginas 46 e 47). Seu modelo de negócios é misto. Em alguns casos, Athayde possui até 50% das ações dos empreendimentos, como na Favela Shoping, na qual está associado ao empresário mineiro Elias Tergilene, dono da rede Uai Shopping. Seu outro modelo é o de parceria em troca de comissão. Athayde faz a ponte entre a empresa e a comunidade, desde que os moradores possam participar do negócio, em uma estratégia semelhante à de franquias.
De olho no povão: o mineiro Elias Tergilene quer repetir nas comunidades o sucesso de sua rede Uai.
O primeiro Favela Shopping (no detalhe) será no Rio de Janeiro
Ele cobra uma remuneração para capacitar o operador local e ainda recebe uma porcentagem sobre as vendas, que varia em função do tipo de produto. Essa foi a opção no caso da Favela Vai Voando, associação com a agência paulistana Vai Voando para a venda de passagens. “Graças à união com o Athayde, dobramos de tamanho no Rio”, afirma diz Luiz Andreaza, gerente de marketing da agência. Qualquer que seja o modelo da empreitada, Athayde não mexe no próprio bolso. Os lucros são divididos na proporção dessa sociedade. O faturamento da FHolding é estimado por ele em R$ 20 milhões para 2013 – esse valor, ainda reduzido, é decorrência do fato de a maioria das empresas ainda estar em fase pré-operacional.
A mais vistosa parceria de Athayde, no entanto é com Tergilene, da rede Uai Shopping e sócio do grupo italiano Doimo. Caberá a Tergilene financiar a maior tacada de Athayde aqui: o Favela Shopping e o FShopping, nome usado para os centros de compras que serão erguidos nos bairros populares. Apenas na construção dessas redes serão investidos, até dezembro, cerca de R$ 350 milhões em dez empreendimentos, diz o empresário. Pelo menos 80% dos lojistas serão recrutados no bairro e os recursos sairão do bolso de Tergilene, além de empréstimos junto a bancos como a Caixa ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). As primeiras unidades serão erguidas em fábricas desativadas na Favela do Jacarezinho e no Complexo do Alemão, ambas na zona norte do Rio.
“O futuro da economia brasileira está na classe G, de gente”, diz Tergilene, que já possuiu cinco shopping centers populares, quatro em Belo Horizonte e um em Manaus. O empreendedor mineiro enxergou em Athayde o parceiro ideal para ampliar seu raio de atuação. “Celso é um empreendedor nato, e muito respeitado na comunidade”, afirma Tergilene, que conheceu Celso durante seminário promovido pelo BID. Na avaliação do empresário mineiro, o nome Favela Shopping não deverá ser empecilho para o sucesso do negócio. Ao contrário. Pesquisa da Data Favela mostrou que os moradores dessas regiões valorizam os laços comunitários e veem na aquisição de bens e produtos uma forma de desenvolver a economia local.
“Queremos ser parte da solução e não do problema”, diz Tergilene. Segundo ele, muitos empresários deixam de ganhar dinheiro por excluir de seus planejamentos parcelas importantes da população. Não é o caso da agência de viagens Vai Voando, de São Paulo. “O atendimento ao consumidor de baixa renda está em nosso DNA”, diz Andreaza. “Sempre privilegiamos os bairros da periferia e as áreas populares dos centros urbanos na hora de abrir filiais.” Andreaza revela que graças à parceria com a FHolding, assinada no fim de 2012, a agência triplicou seu movimento. “Nossas vendas mensais subiram de três mil para dez mil passagens.”
Colaboraram para isso a abertura de quiosques e a nomeação de representantes em 15 comunidades. “Os parceiros indicados pelo Celso são capacitados e comprometidos com o negócio”, afirma Andreaza. O lançamento oficial da Favela Vai Voando acontece em 5 de julho e a meta é aterrissar em mil favelas até o fim de 2013. As unidades serão geridas por moradores selecionados com o auxílio da Cufa, ONG da qual Athayde se desligou em 2012. Para vender ainda melhor seu peixe, Athayde está investindo fortemente na produção de conhecimento. Seu principal trunfo nesse nicho é a Data Favela, que faz pesquisas e presta consultoria sobre baixa renda e nasceu da associação com Renato Meirelles, sócio-fundador da Data Popular.
Os dois se conheceram nos corredores da rádio Beat98 FM, integrante do Sistema Globo. “Entre nosso primeiro contato e a criação do negócio se passaram menos de três meses”, diz Meirelles. Hoje, o principal cliente do Data Favela é a P&G, dona de marcas como Gillette e Pampers. Trata-se de uma velha conhecida de Athayde. Desde 2011, a empresa já colocou algumas de suas estrelas, como a top model Gisele Bündchen, a serviço da Cufa. Ela foi madrinha do concurso de beleza Top Cufa. A mais nova encomenda da P&G à Data Favela é um estudo que pretende desvendar o que se passa pela cabeça dos moradores de 43 cidades das principais regiões metropolitanas do País.
A ideia é conhecer os mecanismos que definem as preferências por determinados produtos e marcas e como se dá o consumo nesses locais. “A favela é um dos pilares de nossa estratégia de crescimento” , diz Gabriela Onofre, diretora de comunicação da P&G. Na prática significa dizer que, além das gôndolas das redes de supermercados, farmácias e empórios, a fabricante de produtos de higiene e limpeza pretende brigar por espaço nas prateleiras de mercadinhos, tendinhas e biroscas dos milhares de favelas espalhadas pelos quatro cantos do País, das quais mil apenas no Rio de Janeiro.
Para cair nas graças desse público, a P&G está montando projetos-pilotos com a Favela Distribuição, também controlada pela FHolding, em três comunidades cariocas. A começar pelo Complexo do Alemão, uma das principais favelas pacificadas pelo governo do Estado, famosa pelo bondinho e por servir de cenário de novelas. A Favela Distribuição será responsável pelo abastecimento dos pontos de venda existentes na região. “É uma experiência na qual estamos apostando bastante, porque o Celso já se mostrou capaz de gerar e entregar resultados”, afirma a diretora da P&G.
Varejo comunitário: para crescer, Andreaza (à dir.), diretor da Vai Voando, apostou nas favelas do Rio.
A Tendência, ligada à operadora TIM, seguiu a mesma rota
DISCURSO AFIADO – A trajetória de Athayde como ativista social e empresário não foi das mais fáceis. Em 2005, por exemplo, ele foi acusado, pela Rede Globo, de apologia do tráfico de drogas. Na época, Athayde e o rapper MV Bill usaram o show de Natal promovido pela Cufa, na Cidade de Deus, para apresentar um trailer do premiado documentário Falcão – meninos do tráfico. “Em vez de me esconder, resolvi bater de frente com eles”, afirma Athayde. A estratégia deu certo. Desfeito o mal-entendido, a emissora da família Marinho passou a apoiar as ações da Cufa.
Apesar da postura descolada, do discurso afiado e da enorme capacidade de estruturar negócios com uma velocidade impressionante, Athayde não tem educação formal e pode ser considerado uma espécie de analfabeto funcional. “Tenho dificuldade de seguir as legendas dos filmes”, diz ele. Enquanto acompanha a reportagem pelas ruas da Cidade de Deus, o carro de Athayde é parado em uma “blitz de rotina”. De arma em punho, um jovem PM pede documentos e insiste em revistar o veículo. Apesar de visivelmente contrariado, Athayde mantém a calma e resolve a situação rapidamente. “Dois negros em um carrão de luxo é sempre algo suspeito”, balbucia o empresário.
Seguimos em direção ao Complexo do Alemão, onde foi feita a foto que abre esta reportagem. No caminho, ele relata que a vida na rua foi abreviada graças à doação de uma casa no conjunto residencial conhecido como Favela do Sapo, na zona oeste do Rio. Para buscar proteção em um ambiente hostil, Athayde e o irmão César, já falecido, se tornaram “funcionários” do traficante Rogério Lemgruber, o Bagulhão, um dos fundadores do Comando Vermelho. Atuaram como garçons e participaram das rinhas, uma espécie de MMA rústico. Aos 18 anos, Athayde arranjou emprego como borracheiro, depois como balconista e se tornou camelô. Em 1988, ele fundou a Para-raio Music, loja e selo de CDs de rap.
“Produzia música feita por pobre, cujo público-alvo se resumia a pessoas sem dinheiro para comprar um mísero disco”, diz. Para tentar evitar a falência, fundou um movimento para unir os rappers brasileiros. A loja e a distribuidora quebraram, mas deixaram como saldo o embrião do que viria a se tornar a Cufa. Nos contatos com empresários e políticos, ele aproveitou todas as oportunidades para adquirir conhecimento. Fez cursos de gestão, participou de seminários e aprendeu a estruturar projetos. O portfólio da FHolding foi cuidadosamente estruturado para abarcar negócios com grande apelo popular e nos quais um processo de qualificação básica permite girar as engrenagens.
Apesar das dificuldades com o português, o empresário é autor e coautor de três livros: Cabeça de porco, Falcão – meninos do tráfico e Falcão – mulheres do tráfico, cujas vendas somaram 135 mil exemplares. Todos pela Editora Objetiva, baseada no Rio e comandada por Roberto Feith. Com a Favela Objetiva, eles pretendem dar voz a jovens talentos das comunidades e, claro, ganhar dinheiro. Mas, se depender do entusiasmo, o portfólio de negócios da FHolding não deverá parar de crescer. Enquanto espera para embarcar no teleférico do Alemão, Athayde discorre sobre mais um projeto. Desta vez, ele pretende convencer os moradores a alugar, por cerca de R$ 2 mil por mês cada um, o telhado de suas casas para a colocação de lonas com propaganda de empresas, aproveitando-se do fato de a comunidade ter se tornado ponto turístico.