26/06/2001 - 7:00
DINHEIRO ? Vai faltar água em São Paulo, seu Ariovaldo?
ARIOVALDO CARMAGNANI ? Estamos fazendo o possível para evitar um racionamento na região metropolitana. O problema é que o maior reservatório da região, aquele que responde por 50% da demanda, está com 32% da sua cota máxima. Nesta época do ano deveria estar com pelo menos 45%.
DINHEIRO ? Alguma falha humana levou a isso?
CARMAGNANI ? Não, isso é o resultado puro e simples de um regime de chuvas extremamente pobre, inusitado para toda a região Sudeste do País. Nos dois últimos anos está chovendo 40% a menos do que a média dos últimos 100 anos. Isso nunca ocorreu. Não estamos falando de 5% ou 10% de variação em relação à média histórica. Estamos falando de 40%, dois anos seguidos. Os especialistas estão pasmos.
DINHEIRO ? Já se aventou a hipótese de o regime de chuvas ter mudado de vez? Que de agora em diante tenhamos que conviver com a escassez permanente?
CARMAGNANI ? Estamos provocando os meteorologistas para nos fornecer novos modelos, idéias, mas eles ainda não produziram nenhuma explicação em profundidade. Na semana passada houve uma reunião científica em Brasília, para que se fizesse um prognóstico sobre as chuvas no segundo semestre, e a conclusão dos especialistas foi que as chuvas chegariam antes do tempo, talvez no final de agosto. Pois no dia seguinte um outro grupo de cientistas contestou, dizendo que não havia base científica para essa afirmação.
DINHEIRO ? O sr. já fez a conta de chegada, para saber qual é o mínimo de chuvas que evitará o racionamento?
CARMAGNANI ? Se as chuvas se mantiverem nos valores históricos, chegaremos ao fim de setembro com o nosso manancial mais importante em 14% ou 15% da sua capacidade. Se chover menos que a média, pode-se descer a 10%. Já operamos o sistema nesse limite, mas é no fio do bigode.
DINHEIRO ? Se pensarmos no Brasil como um todo, existe risco de colapso do sistema de abastecimento de água?
CARMAGNANI ? Esse risco não existe. Temos áreas com problemas crônicos, como o Nordeste, que estão exigindo um volume de investimentos que não tem sido feito, mas água existe. Os técnicos no Nordeste sabem onde procurar água. O que falta é investimento. Em bom português, tem de colocar grana. (Alguém chama atenção para o ruído da chuva que começa a cair sobre São Paulo) Tá vendo por que não dá para ser catastrofista? São Pedro manda as coisas na hora certa. Esse barulho é música!
DINHEIRO ? Existe no caso da água o mesmo tipo de ineficiência de gestão que levou à crise de energia?
CARMAGNANI ? Temos problemas de eficiência, sim. Nem todas as 27 empresas estaduais de saneamento têm o perfil de rentabilidade adequado para fazer os investimentos necessários. Metade delas tem uma boa qualificação gerencial, mas isso não basta. Você precisa ter decisão política para fazer os ajustes necessários para que a empresa passe a ser empresa. Não basta ter S.A. depois do nome. Ela tem de ser gerida como empresa. Aqui em São Paulo o governador Mário Covas tomou a decisão de fazer uma gestão empresarial na Sabesp. Fizemos um ajuste severo. Desde o primeiro ano da nova gestão passou a dar lucros e distribuir dividendos.
DINHEIRO ? Por que é importante para que uma empresa pública dê lucro? Não basta oferecer bons serviços?
CARMAGNANI ? Para dar bom serviço ela tem de dar lucro. Foi a discussão no nosso primeiro ano de gestão aqui. Quando eu cheguei, olhavam o meu perfil de ?capitalista selvagem? e perguntavam o que eu iria fazer numa empresa pública, voltada à saúde da população. Quando eu comecei a falar de unidade de negócio, orçamento, rentabilidade, o pessoal dizia que eu era louco: ?Aqui não tem nada disso. É uma empresa de saúde?. Tive de demonstrar que para realizar os objetivos sociais e políticos tem de ter saúde financeira.
DINHEIRO ? Mas o lucro da Sabesp se transforma em investimento ou dividendo para o acionista? O que interessa ao público é investimento…
CARMAGNANI ? Não é bem assim. O principal acionista da Sabesp é o Estado, somos nós todos. Os lucros da Sabesp vão para o orçamento do Estado na saúde e na educação. Esse dinheiro ninguém leva para casa. Se você não tem capacidade de gerar lucro, com uma tarifa definida, você não consegue fazer mais nada. A coisa mais gostosa que sempre existiu no Brasil é a lenga-lenga do ?isso é social?. Esse rótulo justifica toda a bandalheira, porque ninguém vai cobrar resultados. É social, caramba.
DINHEIRO ? Mas o sr. conseguiu aumentar o investimento? A Sabesp que dá lucro é a Sabesp que entrega mais água?
CARMAGNANI ? É a Sabesp que investiu mais do que em qualquer tempo ? em média, R$ 700 milhões por ano, desde 1995 ? e só pôde investir porque gerou lucro. No nosso pior ano, 1999, o da crise cambial, o investimento foi de R$ 457 milhões. São três fábricas da Honda. Sem rentabilidade você só faz discurso. É o que muitos Estados continuam a fazer. Toda a receita de tarifa paga mal e mal a folha de pagamento. É emprego para os amigos, para os correligionários… e a saúde pública vai para o inferno.
DINHEIRO ? O aumento de receita da Sabesp veio do aumento das tarifas ou da ampliação do sistema?
CARMAGNANI ? As duas coisas. E teve a gestão. Antigamente se vendia e não se cobrava. Estranho, não é? Mas a coisa pública é assim: fatura mas não cobra. Aí, quando você começa a cobrar, as pessoas se espantam com a arrogância. ?Imagina, uma empresa pública cobrar assim!!? Mas nós introduzimos essa disciplina: quem não paga, corta a água. A inadimplência aqui era de mais de 20% e agora está chegando a 5%.
DINHEIRO ? Nesse momento o Congresso está discutindo uma alteração do status jurídico das companhias de saneamento. Como isso vai afetar o setor?
CARMAGNANI ? Existe uma questão central nessa discussão: quem é o titular do saneamento em regiões metropolitanas? Nos municípios isolados o dono é o próprio município. Mas nas regiões metropolitanas os serviços se confundem, como se pertencessem a uma única cidade. O ordenamento jurídico tem de ser diferente.
DINHEIRO ? Quais as implicações dessa discussão?
CARMAGNANI ? Se o titular do saneamento não for o Estado, no final dos contratos atuais de concessão, que começam a vencer
em 2004, cada uma das cidades vai privatizar o seu serviço. A maioria das cidades das regiões metropolitanas tem dificuldades fiscais e vai buscar uma solução vendendo o ativo que está na
sua base territorial. Mas assim se pica a gestão do saneamento
em pedaços e arrebenta aquilo que já vem funcionando. Ao se fragmentar os serviços nas regiões metropolitanas vai se romper
a lógica econômica do sistema.
DINHEIRO ? O que está sendo proposto no Congresso?
CARMAGNANI ? Que nas regiões metropolitanas a titularidade
passe a ser do Estado e não mais dos municípios. Fora das
regiões metropolitanas fica tudo como está. Isso deve ir a
votação em agosto, porque só a partir dessa votação se pode
fazer a regulação. Ela já existe na energia e telefonia, mas não
em saneamento. E só será possível criar uma agência reguladora quando se tiver uma noção clara de quem é o titular dos serviços nas regiões metropolitanas.
DINHEIRO ? A nova legislação vai facilitar a privatização
da Sabesp?
CARMAGNANI ? Isso não é possível. A Constituição paulista não permite. Mesmo que o governador quisesse privatizar, precisaria de dois terços da Assembléia Legislativa para mudar a Constituição do Estado. Saneamento em São Paulo é prerrogativa do Estado.
DINHEIRO ? Mas haveria alguma razão para que a Sabesp devesse ser privatizada?
CARMAGNANI ? Isso só faz sentido em empresas que não estão atendendo a população. Em 1994, quando o Mário Covas me chamou, ele disse o seguinte: ?Você tem seis meses para colocar essa empresa em condições de atender a população. Se não fizer isso, me dê uma solução alternativa, porque não vou carregar esse lastro por quatro anos de governo?. Ou faz o serviço ou sai da frente. Em alguns Estados, essa é a alternativa que os governadores terão de enfrentar: ou faz funcionar ou entrega. A verdade é que as empresas de saneamento precisam ser saneadas.
DINHEIRO ? Quanto vale o negócio da água no Brasil?
CARMAGNANI ? Mesmo mal administrado em muitos Estados, ele gera R$ 11 bilhões em receita por ano. Pode-se atingir com tranqüilidade R$ 15 ou R$ 16 bilhões em quatro ou cinco anos. Se forem feitos os ajustes necessários, é possível produzir-se um lucro de 20 a 25% dessa receita. São R$ 4 bilhões por ano disponíveis para investir. É o suficiente para universalizar o saneamento em todo o País em 10 anos.
DINHEIRO ? A crise da energia desmoralizou a privatização de serviços básicos?
CARMAGNANI ? Não vamos criar um paralelo distorcido. Na verdade, o governo errou por parar a privatização. 85% da energia elétrica continua em mãos do governo federal. Não houve investimento porque uma área do governo decidiu não privatizar, de acordo com as suas próprias conveniências. E ninguém vai fazer investimento para competir com o governo. Não existe idiota de plantão em lugar nenhum do mundo que vai colocar grana em um negócio de taxa de retorno baixa concorrendo com o governo.
DINHEIRO ? É verdade que há uma legião de empresas estrangeiras de saneamento ansiosas em colocar dinheiro no Brasil?
CARMAGNANI ? É verdade. Estão desesperadas, mas esperam a regulação. Gato velho não enfia a mão em forno. Sem regras, uma simples troca de prefeito pode significar desastre para o negócio. No saneamento o empreendedor tem que colocar muito dinheiro, na frente, e vai ver a tarifa só no outro mandato. Sem leis claras ele corre o risco de ficar com seu investimento enterrado.