12/11/2008 - 8:00
UM BARCO CARREGA turistas e estudantes por um canal navegável bem no centro da cidade de Monterrey, no Estado de Nuevo Leon, região nordeste do México. Percorrendo uma série de monumentos históricos, chafarizes e fontes luminosas sobre uma água cristalina, os visitantes conhecem detalhes da fundação da cidade e da vida de seus colonizadores. Também ficam sabendo que aquelas águas navegáveis custaram aos cofres públicos a bagatela de US$ 1 bilhão e constituiem apenas uma das diversas obras que visam exaltar o espírito empreendedor daquela região. Nessas terras, há 118 anos nasceu uma empresa que hoje fatura US$ 13,5 bilhões, emprega 105 mil funcionários e detém um modelo de negócios absolutamente verticalizado, que produz desde as latas de alumínio, passando pelas tampas até o sistema de distribuição. Seu portfólio de negócios inclui da fabricação de cervejas (como a Kaiser e a Sol, no Brasil) a lojas de conveniência, incluindo a maior engarrafadora de Coca-cola do mundo. E o mais interessante é que, embora esteja a apenas 150 quilômetros da fronteira com os Estados Unidos, hoje, a Femsa ? Fomento Econômico Mexicano ? só tem olhos para o Brasil. Isso é o que garante o presidente- executivo da holding, José Antonio Fernandés Carbajal. ?A América Latina é nossa prioridade e o Brasil é o principal mercado disponível e pelo qual pretendemos lutar?, disse Fernandés à DINHEIRO em sua primeira entrevista a uma publicação brasileira.
Os planos mexicanos vão além de aquisições ou construção de fábricas. O presidente diz que está de olho em possíveis oportunidades de compra. A cervejaria Itaipava, com sede em Petrópolis (RJ), pode ser uma delas (ler entrevista). Eles pretendem trazer para o Brasil um sistema de vendas que visa ganhos em diversos elos do processo, desde a fabricação até a distribuição e venda. No México, parte do sucesso recente da Femsa é creditado à existência de uma rede de lojas de conveniência com 6,4 mil pontos-de-venda, a Oxxo. Febre naquele país, esses pequenos magazines crescem numa velocidade assustadora. A cada dia, duas novas ?tiendas?, como são chamadas, abrem suas portas. Em 2009, mais de 750 lojas serão inauguradas. No modelo de negócios da Oxxo, há 55 versões de lojas, que variam de acordo com o hábito de consumo do local. Nelas, refrigerantes e cervejas produzidos pela Femsa são vendidos a preços mais competitivos que nos mercados. ?Também estudamos os produtos que o consumidor gosta de levar com nossas bebidas e incrementamos essas vendas?, explica Eduardo Padilla, presidente da rede de lojas.
Coincidência ou provocação?
A suposta caricatura do diretor de operações da Femsa em produto da AmBev
Pode parecer brincadeira, mas o fato é que no rótulo da cerveja Puerto del Sol, da AmBev, há uma gravura de um mexicano com incrível semelhança com o diretor-geral da Coca-Cola Femsa na América Latina, Ernesto Silva. A coincidência, oficialmente não intencional, passou despercebida pela mídia em geral, mas gerou desconforto entre executivos da empresa mexicana que, à época, consideraram a coincidência como uma espécie de provocação da rival brasileira. Oficialmente, ambas empresas dizem se tratar de uma gravura retratando um mexicano tradicional, com vestimentas mariachis. O fato é que a cerveja Puerto del Sol está recolhida do mercado desde o fim de 2006, em função de uma ação movida pela Femsa, que reclamava da similaridade entre a cerveja concorrente e sua marca própria, a Sol. A Justiça ainda aplicou uma multa diária de R$ 500 mil para a AmBev, que acumulou na ?brincadeira? um passivo de R$ 60 milhões. A disputa judicial ainda continua.
Em 2009 serão abertas as primeiras lojas fora dos limites México/ Estados Unidos. A Colômbia servirá como laboratório. Um dos sonhos de Fernandés, presidente da holding, é trazer a Oxxo para o Brasil. ?Ainda não sabemos como fazer isso sem concorrer com as padarias, que estão para os brasileiros assim como as lojas Oxxo estão para os mexicanos?, explica. Ele acredita que em dois anos ou um pouco mais, ?talvez? seja possível desembarcar no Brasil. ?Só quando estivermos seguros sobre os hábitos dos brasileiros, vamos nos aventurar?, explica.
Enquanto isso, há outros planos para o País. Quando comprou as operações da Kaiser e Heineken no Brasil, a Femsa estipulou um plano: recuperar a marca e reinvestir aqui os resultados obtidos. ?Hoje já estamos no ponto de equilíbrio?, explica Paulo Macedo, diretor de relações exteriores da Coca-Cola Femsa no Brasil. ?Como temos uma margem muito superior nos refrigerantes, usamos parte dos ganhos para ampliar a participação de mercado da Kaiser e da Sol?, revela. Segundo Macedo, os resultados têm aparecido. Entre 2001 e 2005 as vendas da Kaiser caíram 43%, despencando de 14,9 milhões de hectolitros para 8,6 milhões de hectolitros. ?Desde que compramos a marca em 2006 da canadense Molson Coors, revertemos a tendência de baixa e hoje trabalhamos com um volume 14% acima do que tínhamos naquele período. Mas ainda estamos muito abaixo do potencial?, explica Fernandés.
Dinheiro para investimentos existe, segundo analistas mexicanos que avaliaram o balanço da companhia divulgado na semana passada. Eles elogiaram a pouca exposição da empresa ao dólar. A maior parte do endividamento (80%) é cotada em pesos mexicanos. Apenas 17% encontra-se em dólares e 3% em reais. O faturamento caiu 15,8% devido à desvalorização cambial, mas as vendas no terceiro trimestre foram 8,6% superiores às do mesmo período de 2007. ?Temos grande capacidade de gerar caixa e como não dependemos de linhas de crédito para executar nossos planos, estamos observando o mercado em busca de oportunidades?, diz o presidente.
A expansão no Brasil é uma necessidade. A fábrica de Manaus (AM) está operando com 100% de sua capacidade. Caso a empresa opte por apenas ampliar sua estrutura, haverá um custo de US$ 25 por hectolitro. Por outro lado, se o caminho escolhido for a construção de uma nova unidade, o investimento saltará para US$ 60 por hectolitro. ?Vamos escolher a melhor opção, o que no caso não depende do custo do investimento?, avalia Fernandés. Quem também deve receber novos investimentos é a Remil, engarrafadora mineira de Coca-Cola. Em junho deste ano a Femsa pagou US$ 368 milhões para adquirir a fábrica e já existem estudos para a ampliação da infra-estrutura, com um novo centro logístico e a produção de cerveja em quatro anos. Na briga por espaço no mercado brasileiro, os mexicanos também podem ir às compras nos próximos meses. ?Gostaríamos de crescer na região de Minas Gerais?, diz Fernandés. Segundo ele, novas aquisições não estão descartadas, até mesmo, afirma ele, de cervejarias menores. ?Observamos todas as empresas?, frisa.
El observador
As novidades que vêm do México para o Brasil
José Antonio Fernandés Carbajal, presidente mundial da Femsa, falou à DINHEIRO sobre suas expectativas de mercado e o posicionamento da empresa no País.
A crise pode se reverter em oportunidades?
Vemos a crise com muito otimismo. Não teremos nenhum problema com a desvalorização das moedas locais ante o dólar. Nossa dívida, na moeda americana, é apenas 17% do total, então estamos muito seguros. Até porque não usamos instrumentos exóticos de finanças como os derivativos. Nossa única preocupação é com a pressão de consumo e, em função disso, esperamos um crescimento menor.
Os planos de investimento estão mantidos?
Vamos manter todos os investimentos, calculados em cerca de US$ 1 bilhão, distribuído em todas nossas operações em 2008. Desse total, aplicamos US$ 850 milhões no México. Para o próximo ano, pode ser que possamos diminuir um pouco este número, mas isso só saberemos em nossa reunião, que acontecerá em janeiro.
A desvalorização do real pode impactar nos custos de produção no Brasil?
Em princípio, sim. Mas estamos observando o que faz a concorrência. Se eles não elevarem seus preços, também não vamos aumentar. Sabemos que nossa marca não é líder no Brasil, por isso não podemos formar preço.
E as margens serão sacrificadas?
Sim, claro. Precisamos fortalecer nossas marcas e no que tange à produção de cerveja, os ganhos e custos se equivalem e tudo o que ganhamos no Brasil é reinvestido em nossas próprias marcas.
Há duas cervejarias que podem interessar à Femsa no Brasil, a Schincariol e a Itaipava. Neste cenário, alguma delas pode ser um ativo interessante?
Sim, claro. As duas são muito interessantes, com marcas muito fortes, mas no momento apenas observamos a situação de mercado e, se alguma oportunidade aparecer, estamos prontos.