28/04/2014 - 8:00
Há muita coisa que aproxima os modelos de rua apresentados recentemente por Ferrari e McLaren. O design, esportivíssimo, com asas estilo gaivota. O motor acima dos 900 cavalos. A aceleração de 0 a 100km/h na faixa dos três segundos. A exclusividade de suas edições, com menos de 500 carros produzidos de cada um. Tudo aparentemente muito em comum. Mas sugira a um ferrarista comprar o novo McLaren P1 ou tente vender a um britânico a bela LaFerrari e estará exposta a fissura que separa os dois bólidos: a paixão distinta dos fãs de cada marca por essas verdadeiras máquinas.
Na verdade, em termos de performance, eles são muito similares: ambos são capazes de chegar a 100 km/h em menos de três segundos, de alcançar os 200 km/h em menos de sete segundos e de atingir 300 km/h em menos de 17 segundos. Quer dizer, menos de 15 segundos, no caso da LaFerrari. Afinal, estamos falando de duas rivais históricas. Em termos de prazer ao dirigir, portanto, LaFerrari e P1 chegaram ao máximo que a tecnologia atual permite para carros “de rua”. O que as fabricantes entregam nesses dois carros vai muito além do conforto, do requinte ou da tecnologia das pistas: tem algo de emoção, exclusividade, tradição e um status incomparável.
A Ferrari LaFerrari custa 1 milhão de euros; o McLaren P1 sai por 900 mil euros. Se os dois carros são tão bons e oferecem praticamente as mesmas sensações, por que a Ferrari é mais cara? Questão de grife. Se nas pistas a McLaren incomoda bastante a supremacia da Ferrari, fora dos circuitos a história é bem diferente. O apelo da marca do cavalinho rampante é imbatível. A Ferrari fabrica carros de rua desde 1947, quando apresentou a 125 S. Nesses 66 anos foram inúmeros carros de charme, velocidade e sucesso, entre os quais as séries especiais 288 GTO, F40, F50 e Enzo. Seu portfólio atual traz cinco modelos de série: F12Berlinetta, FF, 458 Spider, 458 Italia e Califórnia.
Ao contrário da rival italiana, a McLaren só se atreveu a fabricar um carro de rua em 1993 – mas também o fez de forma marcante, dando ao mundo o modelo F1, que revolucionou a arte de fazer carro com sua carroceria toda em fibra de carbono. O primeiro sortudo a adquirir uma LaFerrari foi o músico Jay Kay, vocalista do Jamiroquai. Tão logo assinou o cheque de 1 milhão de euros, Jay Kay foi visitar a fábrica da Ferrari, em Modena, Itália, para customizar o seu carrão. A Ferrari oferece seis opções de personalização: duas da gama “Classica”, duas da “Scuderia” e duas da “Inedita”.
Os próximos 498 compradores da LaFerrari, portanto, podem ter em sua garagem um carro igual ao que a atriz Ingrid Bergman ganhou de seu ex-marido, Roberto Rossellini, baseada na 375MM “Rossellini”, se escolher a Classica. Com faixas verdes e vermelhas, com rodas douradas, como na Ferrari 312T que levou Niki Lauda ao título mundial da Fórmula 1 em 1975, caso prefira a gama Scuderia. Ou na cor azul Escócia, por fora e por dentro, e uma combinação de amarelo e preto, para a série Inedita. Ambos os bólidos são carros híbridos, com um motor convencional acoplado a um motor elétrico.
O objetivo dessa tecnologia é reduzir a poluição do ar quando o carro solta gases pelo escapamento. A potência combinada dos dois motores da LaFerrari é de 963 cavalos, portanto, similar à dos carros de Fernando Alonso e Felipe Massa na Fórmula 1. A máquina italiana foi montada com um motor 6.2 de 12 cilindros em V com 800 cavalos de potência. O resto da cavalaria vem a bordo de um motor elétrico de 163 cavalos. Além disso, um sistema testado e aprovado na Fórmula 1, o Hy-Kers, reutiliza a energia das frenagens para novas acelerações, fazendo com que o carro tenha sempre muita força e potência.
O câmbio é de sete marchas. E a posição de dirigir é um sonho – o motorista “veste” o carro e tem diante de si lindos mostradores de velocidade, marcha utilizada e conta-giros, nos quais se destacam a cor amarela e números bem visíveis. Das pistas vieram o controle de tração, a suspensão firme e freios incríveis, que reduziram em 30 metros a distância de frenagem de 200-0 km/h em relação aos números da Ferrari Enzo. O motorista também pode modificar a aerodinâmica do carro com ajustes no aerofólio traseiro. Tudo isso fez a LaFerrari baixar em cinco segundos o tempo de volta conseguido pela Ferrari Enzo na pista de Fiorano, na Itália.
Mas, se é preciso braço para pilotar a Ferrari, com a McLaren não é diferente. A estrutura do carro é do tipo MonoCage (envolvendo carroceria e passageiros) e pesa somente 90 kg. O P1 utiliza fibras de carbono até cinco vezes mais rígidas do que o titânio e o kevlar. Tem opção de pilotagem como a Race, que faz a suspensão ativa trabalhar e cola o carro no chão, reduzindo a distância do solo em 50 mm. O P1 também usa o sistema de abertura e fechamento das asas, como na Fórmula 1. A lateral do P1 é igualzinha à lateral do McLaren MP4/23 que levou Lewis Hamilton ao título da Fórmula 1 em 2008. Sua velocidade máxima foi limitada em 350 km/h.
A aceleração do McLaren P1 até 300 km/h é cinco segundos mais rápida do que a de seu antecessor, o McLaren F1. Para tanto, o McLaren P1 também usa dois motores – um normal 3.8 e um elétrico. O “normal” é um oito cilindros em V que desenvolve 737 cavalos de potência. O motor elétrico tem 178 cavalos. Seu câmbio também é de sete marchas. A Ferrari e a McLaren são rivais na Fórmula 1 desde o Grande Prêmio de Mônaco de 1966, quando o piloto Bruce McLaren criou sua própria equipe. Do outro lado, o comendador Enzo nunca correu na pista, pois já tinha 52 anos quando a Fórmula 1 começou a ser disputada, em 1950. Já Bruce McLaren conseguiu uma de suas quatro vitórias correndo pela própria equipe: foi no GP da Bélgica de 1968.
Bruce disputou 27 corridas pela McLaren e morreu em 1970, aos 32 anos, numa sessão de treinos. A Ferrari disputou 853 GPs, obteve 219 vitórias e fez 207 poles com 107 pilotos e 69 modelos. A McLaren participou de 725 GPs, conquistou 182 vitórias e cravou 155 poles com 61 pilotos e 56 modelos. Por toda essa história, os futuros 874 donos desses dois mitos das pistas podem se sentir orgulhosos. Eles terão nas mãos dois “brinquedos” que resultam de 864.2452 km rodados por essas duas marcas em 63 anos de Fórmula 1, sendo nada menos que 120.473 km na liderança. Duas grifes da velocidade que lançaram duas de suas obras de arte mais emblemáticas.
(Matéria publicada na Edição 36 de junho/julho/agosto de 2013 da ISTOÉ Platinum)