De Estocolmo a Bratislava, sob nevascas e temperaturas abaixo de zero, o presidente Fernando Henrique encerrou na quarta-feira 27 sua mais recente viagem de negócios trazendo na bagagem duas certezas. A primeira é comercial. Contados, 52 executivos brasileiros participaram de um seminário empresarial na etapa polonesa da viagem, em Varsóvia, numa demonstração de que a estratégia diplomática de avançar sobre países do Centro e do Leste europeus conquistou o mundo real das companhias. A segunda, política, é a consolidação do Brasil no grupo da chamada ?governança progressista?, cujos expoentes são o chanceler Gerhard Schröder, da Alemanha, os primeiros-ministros Lionel Jospin, da França, Tony Blair, da Inglaterra, e, sim, ele mesmo, Fernando Henrique. A diferentes auditórios, o presidente brasileiro sublinhou que boas relações diplomáticas têm de corresponder a bons acordos comerciais. ?Tanto no comércio quanto nas finanças, o que se requer é uma governança melhor?, discursou na Escola de Economia de Varsóvia. ?As parcerias entre países precisam envolver, também, a iniciativa privada.?

O ponto alto da viagem se deu na capital polonesa. Enquanto um bem-humorado Fernando Henrique driblava temas políticos para ocupar espaços no noticiário ao pedir, no domingo 24, durante passeio na Cidade Velha, a convocação de Romário para a Copa do Mundo, os empresários atuavam com objetividade. No Hotel Victoria, na manhã da segunda 25, representantes de empresas de médio porte como a Chacabru, de confecções para bebês, a Arezzo, de calçados, e a Suavetex, de produtos de higiene pessoal, iniciavam prospecções para exportações. Entre as grandes, a Embraer, em fase final de entrega de um pacote de 16 jatos EMB-145 à estatal Lot, abriu conversações para a venda de mais uma dúzia de aviões maiores, os 170. Os dois negócios podem significar uma receita de aproximadamente US$ 1 bilhão para a companhia.

Roger Agnelli, presidente da Vale do Rio Doce, assinou uma carta de intenções para apoiar com recursos a ampliação de um terminal de matérias-primas para siderurgia no porto de Gdansk. Hoje, a Vale exporta ao país 1,5 milhão de toneladas de minério de ferro, e o novo terminal reduzirá custos. ?A Polônia é um parceiro que terá sua capacidade de compras ampliada com a entrada na União Européia?, disse Agnelli à DINHEIRO, em Varsóvia, sobre a adesão do país, em 2003, ao regime do euro. Pela Ferronorte, o presidente Nelson Bastos fechou com a siderúrgica polonesa Huta Katowici a compra de 400 mil metros de trilhos, por US$ 7 milhões, com financiamento do banco polonês BRE à base de taxa Libor mais 1% ao ano. ?Aqui no Leste Europeu, o Brasil está encontrando caminhos alternativos à dominação das empresas americanas?, afirma Bastos. Nas ruas de Varsóvia, entre lojas das grifes Versace e Swatch, todos os sinais indicam que o país se adaptou facilmente ao capitalismo. No ano passado, a balança comercial com a Polônia registrou um saldo de US$ 62,9 milhões a favor do Brasil. Semanas atrás, quando Fernando Henrique foi à Rússia, mais de 60 representantes de empresas brasileiras estiveram ao seu lado, atentos ao fato de os russos terem produzido em 2001 um superávit comercial de US$ 62 bilhões.

 

 

?O diálogo multilateral mantido no Leste pelo presidente tem conseqüências comerciais fortes, mas recomendamos calma aos nossos empresários?, afirma o embaixador Marcelo Jardim, chefe do Departamento de Europa do Itamaraty. ?Aqui há mercados emergentes, mas existem riscos de inadimplência?. Em 2003, além da Polônia, a República Tcheca, Hungria, Eslováquia e Letônia
farão parte da União Européia, adotando ao euro. Apenas o governo de Varsóvia já anunciou planos de investir, até 2006,
43,9 bilhões de euros em obras de infra-estrutura, com dinheiro saído do Fundo Europeu.

A Brasil Telecom usou a viagem no sentido inverso. Dona de concessões para telefonia fixa em dez Estados brasileiros, entre os quais todos os da região Sul, onde vivem cerca de 1,2 milhão de imigrantes poloneses, a empresa fez um gesto de olho em sua base de clientes. Patrocinou na noite do domingo 24 um concerto de músicas brasileiras que uniu a Orquestra de Rádio e Televisão de Varsóvia a integrantes de escolas de samba do Rio, assistido na tribuna de honra por Fernando Henrique e o presidente polonês Aleksander Kwasniewski. ?Nossa intenção foi a de prestigiar o Brasil fora do País?, disse Carla Cicco, presidente da companhia. ?Faremos isso outras vezes.?

Na Suécia, por onde a viagem começou, Fernando Henrique cumpriu um papel duplo. Ele insistiu ao lado dos dez chefes de Estado que formam a governança progressista na derrubada de barreiras tarifárias e, também, prestou apoio político à Argentina. Numa reunião fechada com onze executivos de multinacionais suecas, ouviu as apreensões do presidente da Saab sobre o adiamento para março do resultado da concorrência internacional para a compra de supersônicos de guerra pela Força Aérea Brasileira. A Saab concorre com o modelo Grippen, mas seus executivos temem o clima de nacionalismo a favor dos Mirage, fabricados pela francesa Dassault em parceria com a Embraer. O presidente garantiu que o critério para a declaração do vencedor do negócio de US$ 700 milhões será apenas técnico. Com o jogo de cintura em boa forma, Fernando Henrique, que de quebra recebeu mais um título de doutor honoris causa, agora da Universidade Konstantin Filozof, em Bratislava, capital da Eslováquia, se superou como garoto-propaganda do Brasil no exterior. Do frio de Varsóvia ele foi parar nas páginas publicitárias da imprensa brasileira. Uma foto dele ao lado da neta Júlia, de 13 anos, debaixo de um outdoor da Avon, virou publicidade da empresa. Ou alguém duvida que FHC seja um ótimo vendedor?