DINHEIRO ? A retomada da economia é sustentável?
FRANCISCO LOPES ? Mais do que isso. É histórica. Eu ousaria dizer que ninguém segura mais a economia brasileira. Vamos crescer 4,5% neste ano e uns 5% em 2005 e também em 2006.

DINHEIRO ? O que inspira tal otimismo?
LOPES ? Em primeiro lugar, uma questão aritmética. Quando se diz que o Brasil está crescendo 4,5% em 2004, significa que é a média deste ano em relação à média do ano passado. Se nós levarmos em conta que a economia estava estagnada em 2003, o crescimento ao longo de 2004 começou baixo e foi se acelerando. Olhando só para o último trimestre deste ano, dá para cravar um número muito maior.

DINHEIRO ? De quanto?
LOPES ? Pelo menos 6%. É essa a velocidade atual, que irá prosseguir em 2005. Na indústria, estamos falando de uma expansão de 11%. É uma fortíssima recuperação. Para fazer a economia crescer menos do que 5% em 2005, seria necessário produzir uma tremenda freada.

DINHEIRO ? Não é o que o Banco Central está tentando ao elevar os juros?
LOPES ? Para brecar o transatlântico, seria preciso jogar os juros para pelo menos 20%. Não são essas elevações de 0,25 ponto que irão atrapalhar. O poder do Banco Central para abortar a expansão é pequeno. A economia é como um elefante. Dá para mudar o rumo, mas devagar. Não dá para fazer cavalo de pau com um elefante.

DINHEIRO ? Quais serão as implicações desse crescimento?
LOPES ? A primeira é que o presidente Lula tem tudo para ser reeleito. Com a economia crescendo 5% três anos seguidos, fica muito difícil para a oposição. Com esse crescimento, o desemprego cai de 10% para 7%. E ainda assim estará superestimado.

DINHEIRO ? Por quê?
LOPES ? Porque no fim do governo Fernando Henrique Cardoso, o IBGE mudou a fórmula de cálculo. Hoje, até quem tem mais de 10 anos de idade e procura emprego é considerado desempregado.

DINHEIRO ? O que explica a recuperação?
LOPES ? Na verdade, muitas coisas que foram plantadas no governo anterior. Entre elas, um Banco Central forte, a noção de responsabilidade fiscal, o câmbio flutuante, o saneamento do sistema financeiro. O Fernando Henrique Cardoso não gosta muito disso, mas o fato é que o governo dele foi de plantar. O do Lula é de colher. O FHC poderia até ter colhido em 2001, mas veio o racionamento. E, em 2002, veio a crise provocada pela eleição.

DINHEIRO ? No governo Lula, é só colheita do que se plantou no passado? Não há mérito?
LOPES ? Eles mantiveram a política adequada. No nosso tempo, era muito difícil
fazer um superávit de 3,25% do PIB. A gente tinha de cortar no osso. Hoje, eles prometem fazer 4,5% do PIB e quando fecham o balanço, percebem que deu para economizar muito mais. O Brasil está com o maior superávit primário do mundo.
E sem fazer força.

DINHEIRO ? O reflexo disso não seria a alta carga tributária e o colapso da infra-estrutura?
LOPES ? Em parte. O crescimento produz excedentes fiscais. E pode ter certeza de que esse dinheiro será gasto.

DINHEIRO ? O Banco Central também está só colhendo?
LOPES ? A gestão do Henrique Meirelles é boa. Mas ele recebeu a bola na marca do pênalti. Era só empurrar para o gol. E o goleiro tinha saído para tomar um sorvete. Do Plano Real até agora, nós, que passamos pelo Banco Central, começamos perdendo de cinco a zero, empatamos o jogo e a parte boa ficou com o Meirelles.

DINHEIRO ? Uma crítica que se faz é que o
BC teria voltado a sobrevalorizar o câmbio para
controlar a inflação?
LOPES ? É claro que a turma de São Paulo já começou a reclamar do câmbio, porque os projetos de exportação estão ficando menos rentáveis, mas estamos muito longe de uma sobrevalorização cambial. Basta notar que o superávit da balança comercial bateu em US$ 30 bilhões. Quando é que nós tivemos isso? O Plano Real inteiro foi marcado por déficits na balança. Ainda que o superávit em 2005 caia para US$ 20 bilhões, continuará sendo muito alto. E a nossa taxa de câmbio está com uma desvalorização real de 45% em relação ao dólar desde 1999. É muita coisa.

DINHEIRO ? Não é a exportação que puxa a economia?
LOPES ? OK, o Banco Central poderia reduzir os juros e deixar a taxa de câmbio se desvalorizar. Mas isso significaria ter uma inflação ao redor de 10%. O BC não quer isso, a Fazenda não quer e acho que o Lula também não. E, com essa política cambial, o governo Lula está resolvendo o problema da dívida externa. Entre 2003 e 2006, ela cai de 43% do PIB para 25% do PIB, ou seja, de US$ 214 bilhões para US$ 168 bilhões.

 

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“Meirelles recebeu a bola na marca do pênalti, sem goleiro. Era só fazer o gol”

 

DINHEIRO ? O risco de inflação existe ou é alarmismo?
LOPES ? Existe. Basta lembrar que, no começo do governo Lula, quando o câmbio estava perto de R$ 3,50, a inflação apontava para mais de 20% ao ano.

DINHEIRO ? Há quem diga que a meta de inflação é muito apertada.
LOPES ? Mas não é. A de 2005 é de 4,5%, mas pode chegar a 7% com a margem de tolerância. Não está bom?

DINHEIRO ? Não haveria outra forma mais criativa de combater a inflação?
LOPES ? Sempre existe. Dá para fazer controle de preços, tabelar, taxar exportações, mas isso o Brasil não quer.

DINHEIRO ? O que pode ser feito para reduzir os juros?
LOPES ? De fato, a preocupação de muitos economistas com a taxa de juros é correta. É muito alta e isso é uma anomalia. Mas é preciso entender o porquê. Na verdade, isso é fruto de uma herança maldita do tempo inflacionário. O passado sempre afeta o presente.

DINHEIRO ? Que herança?
LOPES ? A tradição do sistema financeiro nacional de sempre girar suas posições no overnight. Isso começou, nos anos 80, quando se criaram as Letras Financeiras do Tesouro Nacional (LFTSs), com liquidez diária. Serviu para evitar a hiperinflação, mas acabou contaminando a economia. Essas LFTs tinham de deixar de existir, com um alongamento progressivo dos prazos da dívida interna.

 

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“Na crise do Marka, tive poucos amigos. O Fernão Bracher foi um deles”

 

DINHEIRO ? Voluntariamente isso não acontece.
LOPES ? É mesmo um problema delicado de atacar, porque qualquer iniciativa desajeitada pode gerar pânico. Mas o governo tem de começar a pagar juros maiores em papéis de prazos mais longos e taxas menores nos títulos mais curtos. Aqui a taxa alta está no overnight. Mas não dá para ser muito presunçoso.

DINHEIRO ? Como assim?
LOPES ? O governo tem que começar emitindo títulos de uma semana, duas semanas, e não de dez anos.

DINHEIRO ? O sr. acha que o governo tem chances de reduzir a dívida interna com a receita ortodoxa atual?
LOPES ? Já está conseguindo. Ela estava em 58% do PIB em dezembro de 2003 e caiu para 54% em agosto deste ano. Até o fim do governo Lula, ela cai para 45% do PIB. E os juros vão estar em 13%, com uma inflação de uns 6%.

DINHEIRO ? É tudo cor-de-rosa? Não existe nenhum risco internacional?
LOPES ? Risco internacional sempre existe, mas o maior deles, o de uma nova crise do petróleo, que poderia jogar o preço do barril a 100 dólares, está sendo dissipado.

DINHEIRO ? Mesmo com a eleição de George W. Bush?
LOPES ? A pior coisa que poderia acontecer seria uma saída atabalhoada dos Estados Unidos do Iraque. A eleição do Bush sinaliza um compromisso de longo prazo do governo norte-americano com o Oriente Médio. Eles não têm mais como sair de lá tão cedo. E havia uma certa dúvida em relação ao grau de firmeza do John Kerry.

DINHEIRO ? E a questão dos déficits americanos?
LOPES ? Esse é um falso problema porque a contrapartida do déficit americano é o financiamento dos países asiáticos aos Estados Unidos. É como se houvesse um minueto entre Washington e Pequim. Dá até para fazer um cenário de petróleo a 100 dólares e alta dos juros internacionais, mas isso não é tão provável.

DINHEIRO ? Muitos prevêem uma queda acentuada em 2005 nos preços dos produtos que o Brasil exporta.
LOPES ? Mas o fato é que a economia brasileira está muito mais resistente. O câmbio é flutuante, graças em parte a mim, e o sistema financeiro está saneado, graças ao Gustavo Loyola e ao Cláudio Mauch. Com um câmbio flutuante, o mecanismo de ajuste é muito mais suave. Diminuiu o superávit? Desvaloriza o câmbio.

DINHEIRO ? Como estão os negócios da Macrométrica, depois do escândalo dos casos Marka e Fonte-Cindam?
LOPES ? Estamos retomando a vida, bem abaixo do que já fomos no passado. A Macrométrica já faturou mais de US$ 1 milhão por ano, com dez sócios aqui dentro. Hoje, somos eu e dois filhos economistas, com dois produtos: o Macrodados, um banco de dados potente, e um produto de previsões que abrange a economia global, o País e até mesmo a empresa em seu setor.

DINHEIRO ? A clientela voltou?
LOPES ? Estamos trabalhando no setor siderúrgico e com algumas outras empresas.

DINHEIRO ? Algum amigo estendeu a mão durante o seu inferno astral?
LOPES ? O Fernão Bracher e o Edmar Bacha, do BBA, sempre foram muito amigos. Outros eram simpáticos, diziam que torciam por mim, mas ficava só nisso. É da vida.

DINHEIRO ? Quando o sr. espera encerrar seu pesadelo?
LOPES ? Meu caso deve ser julgado no primeiro trimestre de 2005. Vamos
esperar a Justiça.