Karina tinha acabado de entrar em sua casa, onde estava seu filho de 12 anos, quando mísseis russos começaram a chover em seu jardim, deixando enormes crateras onde suas macieiras estavam segundos antes.

Quando ela recuperou a consciência após ser jogada no corredor pelos mísseis, começou a gritar pelo filho.

“Gritei por ele, mas ele não me atendeu”, disse à AFP a mulher de 41 anos dois dias depois, em meio aos escombros de sua casa.

“Eu disse a mim mesma que se meu filho morresse, eu me mataria. Foi a primeira coisa que pensei. Como poderia viver sem meu filho?”, contou.

A família de Karina sobreviveu ao brutal bombardeio em abril, embora tenha destruído parcialmente sua casa. Apesar disso, ela não quer deixar Konstantinovka, sua cidade natal, na região de Donetsk (leste), devastada pela guerra.

– Ficar ou ir embora –

O dilema entre ficar ou partir foi imposto a muitas famílias com filhos que vivem perto da linha de frente na Ucrânia desde o início da invasão russa em fevereiro do ano passado.

A imprevisibilidade da guerra complica a decisão: o filho de Karina sobreviveu, mas outros filhos não tiveram o mesmo destino, atingidos por tiros de artilharia, mesmo a centenas de quilômetros dos combates.

Segundo as autoridades, 480 crianças morreram e mais de 1.400 ficaram feridas desde o início do conflito.

O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, pediu a todos os moradores da região de Donetsk que retirassem as crianças em julho. Posteriormente, as autoridades locais também ordenaram a retirada de menores em várias localidades da linha da frente.

Algumas famílias resistem, alegando problemas financeiros ou apego às suas casas. Outras rejeitam ordens de evacuação obrigatória.

– “Três minutos” –

Veronika Sorokina, de 23 anos, fugiu com seu filho de 2 anos quando os russos entraram em sua aldeia na região de Luhansk (leste) em março de 2022.

“Não foi uma decisão difícil. Demoramos três minutos para sair. Temíamos pelo nosso filho”, disse a mulher, acrescentando que levou documentos e alguns pertences de valor sentimental, como seu vestido de noiva.

Seu marido, Vitali, de 48 anos, conhecia um caminho pelo campo que sabia que os russos não encontrariam.

“Quando saímos, cobrimos a boca do nosso filho para que ele não gritasse”, contou Veronika em meio às lágrimas.

Natalia Maksimenko, de 21 anos, quis esperar um pouco antes de deixar Bakhmut, epicentro dos combates durante meses. Mas um bombardeio no prédio do outro lado da rua a obrigou a sair com o marido de 19 anos, o bebê de 6 meses e seu gato.

“A gente tem um bebê (…). Se ele morrer eu fico louca. Por isso resolvi ir embora”, explica, com o filho no colo.

Um dia depois de fugir de seu apartamento de dois quartos, o prédio foi atingido por tiros de artilharia. Agora eles moram em um quarto na capital, Kiev, e dividem o banheiro e a cozinha com outras pessoas.

– ‘Medo de sair para brincar’ –

Para Arina Satovska, que dirige um centro em Kiev que recebe famílias com crianças, a decisão de partir pode ser complicada porque as saídas às vezes são mais perigosas.

Além disso, partir é apenas o primeiro passo para deixar a guerra para trás.

“Tivemos crianças que, depois de duas semanas aqui, ainda não queriam sair e brincar por medo de alertas aéreos e bombardeios”, disse Satovska.

Veronika, que fugiu de Luhansk com o marido, disse que o filho ainda reage a barulhos altos. “Ele corre para os meus braços, grita e treme (…). Ele tem medo”, contou.

Em frente ao que restou de sua casa em Kostiantinivka, Karina explicou que, embora não esteja pronta para deixar sua cidade, ela aconselharia um amigo na mesma situação a fazê-lo.

“Não consigo me imaginar morando em um lugar que não conheço”, admitiu.

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