18/06/2003 - 7:00
A lista de instituições filantrópicas está prestes a encolher e não é por falta de solidariedade no País. Está em curso no Ministério da Previdência Social uma blitz nas associações, faculdades e hospitais que têm benefícios fiscais ? pagam menos impostos ? por prestarem serviços às pessoas carentes. Segundo DINHEIRO apurou, 75 organizações estão perto de perder suas credenciais. O nome de dois pesos pesados acaba de aparecer no Diário Oficial da União, incluindo o Instituto Presbiteriano Mackenzie, de São Paulo a Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro. Os hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein, e a Faap, de São Paulo, brigam para manter o título, além de terem sido denunciados ao Ministério Público Federal. Na Bahia, a Universidade Católica do Salvador é acusada de criar um caixa dois e de arregimentar uma funcionária da Previdência para obter a isenção de impostos.
A cada ano, o INSS deixa de recolher R$ 2,18 bilhões de entidades beneficentes ? isso sem contar as isenções junto à Receita Federal. Para ter o direito a pagar menos impostos no INSS, uma faculdade deve reservar 20% de suas vagas para bolsas a alunos carentes. Para os hospitais, 60% dos pacientes devem ser atendidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Nos últimos tempos, o governo apertou a fiscalização e mudou o fórum de julgamento. Desde o início do mês, os recursos para não perder benefícios fiscais passaram a ser julgados pelo Ministério da Previdência e não mais pelo de Assistência e Promoção Social. A mudança tem uma razão: é a Previdência quem abre mão de arrecadação para as instituições. ?Não há caça às bruxas?, diz o secretário-executivo do Ministério da Previdência, Álvaro Sólon de França. ?Mas precisamos colocar o sol de meio-dia e ver como são usados os recursos públicos.?
Com o novo enfoque da Previdência Social, vão para o centro do debate organizações tradicionais. É o caso do hospital Sírio-Libanês, uma das principais referências da área médica do País. O procurador federal Sérgio Suiama abriu uma investigação para verificar as contas da instituição nos anos de 1997, 1998 e 1999. ?Há indícios, em tese, de crime contra a ordem tributária?, escreve o procurador. Suiama se baseia num relatório de
fiscais do INSS que denunciam o Sírio por não ter atendido
pacientes do SUS nos três anos analisados e de ter registrado
na sua contabilidade cada paciente carente com um valor cinco
vezes maior do que os pagantes. Na época, a condição para a filantropia era atender o equivalente a 20% de sua receita em casos do SUS ou de pacientes sem cobrar. Os custos inflados serviriam para preencher essas condições. A credencial do Sírio está suspensa e o hospital recorreu à Justiça.
Tecnologia de ponta. O presidente do Conselho Médico do Sírio, Raul Cutait, questiona os dados dos fiscais e garante que os números não foram inflados. Cutait esteve com o presidente Lula para tentar reverter a decisão. Seu argumento é que é impossível para um hospital que usa equipamentos caros cumprir a nova legislação, que exige o atendimento de 60% dos pacientes pelo SUS. ?Prestamos serviço social por outros caminhos.? O principal seria o desenvolvimento e a difusão de tecnologia de ponta em medicina. ?Somos referência, de atendimentos complexos a formação de pessoal e técnicas de gestão?, diz Cutait. Sem o título de filantropia, o Sírio teria de desembolsar 15% de sua receita anual, de R$ 240 milhões, para o pagamento de impostos no INSS. ?Os investimentos em tecnologia seriam inviabilizados?, diz Cutait. ?Mas acredito numa solução de bom senso.?
É um caso parecido com o do hospital Albert Einstein, um dos mais sofisticados do País. O Einstein deixa de pagar R$ 30 milhões por ano ao INSS, mas se vê menos pacientes do SUS do que manda a lei, dizem os fiscais. No momento, o Einstein aguarda uma decisão do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) para saber se perderá o certificado de filantropia. Fiscais também levantaram dúvidas sobre a contabilidade. O Einstein não teria contabilizado os ganhos financeiros na sua receita, o que distorceria o cálculo da percentagem reservada ao gasto social. Um porta-voz do Einstein informou que o hospital presta serviços sociais, como um posto médico na favela de Paraisópolis, em São Paulo, e que essa alternativa é reconhecida pela Justiça. Além disso, o Einstein informou que só faz aplicações financeiras depois de deduzir os 20% de gastos com carentes e, portanto, não haveria distorção no balanço.
O que está no centro do debate é que a Previdência não vê os pobres pisando nos corredores luxuosos de hospitais e universidades privados. E que algumas organizações apresentam até o plano de saúde dos professores e médicos como prova de ação social. Quem perder o certificado de filantropia, terá de pagar impostos antigos, que somam mais de R$ 100 milhões por instituição. ?Estamos apenas cobrando o cumprimento da lei?, diz Sólon, da Previdência. Em contrapartida, as instituições questionam a interpretação que o Ministério faz da lei. A Faap deixou de recolher quase R$ 90 milhões em dez anos, foi questionada por fiscais do INSS, e virou alvo de investigação no Ministério Público. Mas mantém seu certificado de filantropia graças à Justiça ? que entendeu como serviço social iniciativas como a exposição Arte da China, que atraiu 400 mil visitantes.
Tráfico de influência. A Mackenzie enfrenta um problema parecido. Com 40 mil alunos, tem uma receita anual de mais de R$ 150 milhões, teria de pagar R$ 29 milhões por ano à Previdência. A Mackenzie diz que 30% de seus alunos têm bolsa parcial ou integral e que, se forem somados os serviços sociais que presta (incluindo mensalidades baratas), atenderia às exigências do INSS. O argumento convenceu o CNAS, numa primeira votação, mas, na semana passada, o ministro Ricardo Berzoini cassou o título de filantropia.
A outra questão em jogo é mais policial. Na Bahia, o promotor Janio Braga Peregrino investiga um caixa dois na Universidade Católica do Salvador (Ucsal), que sofreu fraude de US$ 15 milhões. Gabriel Pereira, ex-gerente financeiro da Ucsal, confessou o golpe e teve sua prisão pedida à Justiça. Em depoimento, Pereira disse que o certificado de filantropia da Ucsal foi obtido com tráfico de influência. Segundo ele, a Ucsal procurou a assessora técnica da Previdência, Ângela Silva, para se aconselhar e ela indicou a advogada Ariane Veras para ajudar a universidade. Em seguida, Ariane entrou com os recursos que foram apreciados pela própria Ângela, então relatora no CNAS. A Ucsal ganhou o certificado e advogada levou comissão de 2% do valor da causa, ou R$ 760 mil. As acusadas não responderam às ligações de DINHEIRO . Roberto Quiroga, advogado da Ucsal, diz que o caso também está sendo investigado pela universidade.