26/05/2025 - 16:28
Encravada em área cobiçada da cidade mais rica do Brasil, favela do Moinho tem destino negociado pelo presidente Lula e governador Tarcísio de Freitas, ambos de olho na eleição de 2026.Encravada no coração da região central de São Paulo, a Favela do Moinho se transformou no centro de um embate político entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), os dois políticos mais cotados hoje para disputar as eleições presidenciais do ano que vem.
Ali, na última favela da região central de São Paulo, quase mil famílias se aglomeram em barracos em uma área espremida por duas linhas ferroviárias e, segundo o Ministério Público de São Paulo, controlada pelo tráfico de drogas.
De um lado, está a urgência do governo paulista em revitalizar a região mais degradada do centro da maior cidade do país — e que, até poucos dias, abrigava a maior concentração de usuários de crack na cidade: a Cracolândia. Do outro, está o desejo do governo federal de ganhar pontos com o eleitorado à esquerda, impedindo que a remoção de famílias carentes seja feita na base da truculência.
Criada há cerca de três décadas em uma área do governo federal ocupada por pobres e sem-teto do centro de São Paulo, a favela do Moinho passou a chamar a atenção do governo paulista há alguns anos. De acordo com uma investigação do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, o Moinho virou uma central de inteligência e distribuição de drogas no centro da cidade, tornando-se o maior fornecedor da Cracolândia.
Diferentes gestões estaduais e municipais vêm tentando revitalizar essa parte da região central. A Cracolândia se tornou uma chaga em uma área fartamente abastecida por equipamentos urbanos, infraestrutura de transporte e uma multiplicidade de centros culturais — uma região com imenso potencial para o mercado imobiliário.
O governo de São Paulo decidiu que será justamente nessa área que ficará a nova sede do Executivo. Um projeto de quase R$ 4 bilhões prevê uma ampla reforma urbanística em toda a região, com demolições de quarteirões inteiros.
Já o terreno do Moinho deve virar um parque, onde estará instalada a mais moderna estação ferroviária do estado, segundo projeto da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU).
Remoção de favela é aposta para acabar com a Cracolândia
Ao longo dos últimos anos, as iniciativas do poder público para resolver o problema da Cracolândia vieram quase sempre acompanhadas de truculência contra dependentes químicos. No passado, o governo paulista e a Prefeitura de São Paulo foram acusados de adotar práticas higienistas para “limpar” o centro da cidade.
“Essa é uma questão histórica, que já acompanha a cidade há mais de um século. Questão social é caso de polícia, essa é a tradição do Brasil”, diz o vereador Nabil Bonduki (PT), arquiteto e urbanista. Bonduki é também ex-secretário de Cultura da gestão do ex-prefeito Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda de Lula.
A estratégia mudou a partir da eleição de Tarcísio de Freitas ao governo de São Paulo. A polícia passou a concentrar os esforços de combate à Cracolândia na tentativa de impedir o fornecimento de drogas aos usuários. Com isso, a favela do Moinho virou alvo preferencial das operações policiais.
“A favela é dominada pelo tráfico de drogas, inclusive a associação de moradores. Ela tem dois representantes que são parentes do traficante que coordena a operação lá”, diz o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Marcelo Cardinale. “Nós precisávamos fazer algo para resgatar aquelas pessoas, e a melhor solução sempre foi realocá-las em outras áreas, dando liberdade de escolha para onde quisessem ir.”
Confrontos com a polícia
O terreno da favela do Moinho pertence ao governo federal. Em um acordo com o governo do estado, a União aceitou a proposta de realocar os moradores com auxílio de aluguel, em um primeiro momento, e depois com subsídio para a compra de moradias definitivas ofertadas pela CDHU. Boa parte dos moradores percebeu que a favela estava com os dias contados e assinou um acordo com o governo do estado. No início do mês, quase 20% dos moradores já tinham deixado a favela. Então, chegou a polícia.
Leidivânia Domingas diz que não se lembra de tanta violência: bombas, tiros de borracha, gás lacrimogêneo. “Parecia uma guerra, coisa de filme mesmo”, conta. Ela chegou ao Moinho em 2014, vinda do Maranhão, para se juntar ao marido, cuja família já vivia ali há mais de uma década. Mãe de dois — um menino de 8 anos e uma menina de 1 ano e 4 meses —, ela diz que os filhos foram os que mais sofreram com a violência. “Meu filho teve que ir para o hospital, teve problema de respiração, respirando aquele gás… Ele ainda não está bem, às vezes tem problema para dormir.”
A estratégia do governo do estado era destruir as casas que já haviam sido abandonadas pelos moradores, para que não houvesse reocupação. Muitos protestaram, temendo que suas próprias casas — todas grudadas umas nas outras — fossem também destruídas. Em resposta, o governo de São Paulo enviou o Batalhão de Choque para lidar com as famílias — muitas delas com crianças de colo — que tentavam impedir a demolição dos barracos.
Leidivânia estava nos protestos. Ela conta que o auxílio-aluguel que o governo do estado ofereceu era baixo demais para conseguir alugar qualquer coisa na região central de São Paulo, de onde ela não quer sair. “O apartamento que eles ofereciam aqui, só o condomínio custava R$ 600. E ainda tinha água, luz… Quer dizer que você não ia mais comer? Não ia poder beber, não ia comprar um medicamento, não ia comprar uma roupa para criança, nada.”
Leidivânia diz que tentou, mas, nos últimos dias de intervenção policial na favela, não aguentou e abandonou os protestos. “Eu saía cedo com as crianças, ficava na rua, não tinha coragem de ficar em casa.”
Acordo apaziguou ânimos
As cenas de confronto entre a polícia e moradores da favela levaram o governo federal a intervir. Ainda com a posse do terreno, a União decidiu que as casas no Moinho não poderiam ser destruídas, e começou a negociar com o governo paulista para impedir as demolições e as operações policiais.
Ficou acordado que o estado de São Paulo não iria mais colocar a polícia na favela para demolir as casas daqueles que já haviam saído. O governo federal, por sua vez, trataria os moradores do Moinho como tratou as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, subsidiando as moradias em um valor total de R$ 250 mil — sendo R$ 180 mil aportados pela União e R$ 70 mil pelo governo do estado. Além disso, o acordo prevê que o auxílio-aluguel suba de R$ 800 para R$ 1,2 mil.
No Moinho, a intervenção do governo federal foi vista como uma vitória da comunidade contra o governo do estado. Horas após o anúncio, a favela estava em festa: gente dançando nas ruas, fogos de artifício e muita comemoração. Mas o clima de incerteza permanecia entre os moradores.
“Ganhamos hoje, mas não sabemos o que vai acontecer depois das eleições se o Tarcísio ganhar”, diz José Maciel, morador e ativista há mais de duas décadas no Moinho. “Já sou velho o bastante pra saber que a briga é de cachorro grande, e quem se lasca é quem tá no meio deles.”