02/04/2003 - 7:00
Filipe II, rei de Espanha, vivia um dilema. No início do século XVII seu império cobria do Atlântico ao Pacífico e os problemas teimavam em pipocar por toda parte. Alguns dos conselheiros diziam que o rei deveria atacar os protestantes ingleses e os rebeldes holandeses na Europa, para depois enfrentar os turcos otomanos. Outros recomendavam o contrário. Por rico que fosse, o primeiro império global do planeta não era capaz
de conter simultaneamente todos os seus inimigos. Acabou definhando num esforço militar inglório, que empobreceu a
Espanha e abriu espaço aos práticos imperialistas ingleses. Trezentos anos depois seria a vez dos súditos da rainha Vitória confrontarem seu próprio oceano de demandas. Em meados do século XIX enfrentavam uma guerra na África do Sul, um levante muçulmano no Sudão e a rebelião dos boxers na China, voltada contra a dominação estrangeira. Estranhamente para os donos do império britânico, montado na eficácia das finanças e nos canhões de Sua Majestade, o mundo parecia não entender que o ?fardo do homem branco? era levar a civilização e os produtos de Manchester aos quatros cantos do planeta ? e rebelava-se contra os representantes da ordem natural das coisas. Afinal, também o Império Britânico acabou, varrido pela impaciência dos povos, por sua patente ilegitimidade e pela decadência econômica que o contínuo esforço bélico fizera precipitar.
Na semana passada, em Washington, os herdeiros do manto imperial achavam-se na mesma encruzilhada. O presidente George W. Bush parecia ter arrastado os Estados Unidos a um caro beco sem saída nas areias do Iraque. Se vencer rápido, terá ao seu redor um mundo povoado de ressentimento e desconfiança. Se a vitória tardar, os EUA mergulharão num pesadelo de insatisfação interna que fará o repúdio ao Vietnã parecer uma festa de aniversário. Em qualquer hipótese será uma vitória de Pirro. A superioridade moral americana, que atraiu boa vontade e simpatia desde a Segunda Guerra, virou pó em Bagdá. Restou a força em lugar da persuasão. Ficou o medo em lugar do sonho de consumo. Se as manifestações de rua revelam algo sobre os sentimentos internacionais, nos últimos dias elas sugerem que os EUA são o país mais odiado do mundo. Contra ele formou-se o maior movimento pacifista da história humana, que se expressa em todas as cores, em todas as línguas e em todas as ideologias. A arrogância de Bush feriu a economia dos EUA e desfez a imagem do gigante benevolente, fundamental para a influência dos Estados Unidos no mundo. Pode, com isso, ter apressado a contagem regressiva da sua própria extinção como império. ?O poder militar, em si mesmo, não dura?, disse à DINHEIRO o professor Michael Hardt, autor do best-seller Império. ?Ele destrói mas não cria o consenso necessário à globalização, que depende da articulação voluntária de uma grande rede econômica. O poder militar é uma forma frágil de poder.?