A cautela geopolítica, que tem potencializado a possibilidade de juros mundiais elevados por um longo período, vem afugentando os aportes de investidores estrangeiros na bolsa brasileira, a B3. A fotografia em relação ao ingresso de recursos externos na Bolsa brasileira sugere que este será o pior mês de outubro em três anos. Por ora, os entrevistados pelo Broadcast consideram pouco provável uma retomada substancial de aportes, dadas as incertezas externas e as já conhecidas dúvidas internas fiscais.

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No mês de outubro, até o momento, investidores estrangeiros retiraram R$ 2,476 bilhões da B3, resultado de compras acumuladas de R$ 194,823 bilhões e vendas de R$ 197,3 bilhões. Nesta tendência, será o pior outubro desde 2019, quando investidores retiraram R$ 9,601 bilhões. Isso porque em 2020, 2021 e 2022, outubro contabilizou aportes expressivos, de no mínimo R$ 2 bilhões.

“Não vemos uma perspectiva de reversão desse quadro. Desde meados de 2015, 2016 vemos fluxos de capitais mais instáveis. Vai continuar acontecendo. Só que pode não piorar tanto, pois o Brasil está mais resistente a choques, já que tem feito reformas, e em termos relativos não está tão mal posicionado [principalmente entre os emergentes]”, afirma o economista-chefe do BV, Roberto Padovani.

O economista Matheus Pizzani, da CM Capital, também não vislumbra mudança no quadro relacionado a aportes de capital na B3. “No horizonte breve não há fatores que mudem esse cenário”, diz. O profissional, contudo, pondera que a mudança no campo político e uma percepção “um pouco diferente” em relação ao Brasil no começo de 2023 inflaram a entrada de investimento estrangeiro. “Agora, há algumas saídas. É movimento de mercado. Casou que isso está acontecendo em meio a fatores conjunturais.”

A estrategista de ações da XP, Jennie Li, afirma que é preciso ter um alívio lá fora para que haja um retorno de capital estrangeiro na B3 nos próximos meses. Para ela, a principal dúvida e que o mercado ainda não consegue responder é onde o Federal Reserve (Fed, banco central americano) está no que diz respeito a aperto monetário.

A disparada recente dos retornos dos Treasuries, especialmente os de vencimentos longos é só o pontapé inicial que tem desestimulado a vinda do investidor estrangeiro para a B3, e não tem como responsável somente a incerteza em relação à saúde econômica norte-americana.

“O risco global tem subido por uma série de questões, como expectativa de desaceleração na Europa e nos Estados Unidos, e tem as questões geopolíticas. Há ainda a crise no setor imobiliário chinês e as dúvidas do fim do ciclo de crescimento na China. Tudo isso torna o quadro global desfavorável”, explica Padovani, frisando que a busca dos bancos centrais continuará sendo o cumprimento da meta de inflação, e isso “vai custar em termos de crescimento econômico.”

Para Pizzani, da CM Capital, as preocupações conjunturais tendem a prevalecer enquanto não houver uma certeza grande do que ocorrerá com os juros nos EUA e com o crescimento chinês.

O fato de o Brasil não ter grau de investimento acaba por deixar o fluxo de capital sujeito a informações de curto prazo e também aumenta a percepção de risco. “Só isso já é ruim para o fluxo”, diz. “Existe uma incerteza fiscal grande. O mercado continua trabalhando com a perspectiva de crescimento da dívida pública em um contexto global pior de risco. A trajetória de dívida torna o País mais vulnerável a choques”, completa o economista do BV, lembrando que países emergentes exportadores de commodities como o Brasil são os que mais sofrem nesses momentos.

Ainda que o cenário externo seja dominante, o economista da CM acredita que a motivação para o estrangeiro alocar recursos no Brasil pode melhorar se houver avanço da reforma tributária. “Seria o potencial maior no curto prazo”, estima Pizzani.

Li, da XP, diz ainda que o Brasil parece mais confortável do que o restante do mundo, visto que “o investidor global enxerga o País como um mercado bastante favorável, com valuations bastante descontados em relação à média histórica e também lá de fora”. Junto a isso, o ciclo de queda da Selic enquanto a maior parte do mundo segue com uma política monetária restritiva é outro driver altista para a Bolsa brasileira, pondera a estrategista de ações.

O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, também credita a avanços internos o fato de o Brasil estar mais bem posicionado ou sentindo um pouco menos os efeitos externos neste momento. Um deles é que o Banco Central (BC) do País começou o processo de afrouxamento monetário antes de muitas autoridades, sendo que outras nem começaram, caso, por exemplo, do Fed; outro é a melhora das condições fiscais, o que, segundo ele, tende a permitir apreciação do real. O Bradesco vê a taxa de câmbio fechando este ano em R$ 5,00 e indo a R$ 4,80 em 2024.

“O Brasil tem muito mais solidez do balanço de pagamentos e o Investimento Direto Estrangeiro cobre com folga o déficit em conta corrente. A grande preocupação é com a curva de juros, mas não há uma reverberação desse cenário no câmbio. O real está até bem em relação aos pares”, avalia Honorato.

Outro ponto, na opinião do economista do Bradesco, é que o Brasil pode se beneficiar mais da valorização do petróleo do que ser influenciado de forma desfavorável.