21/11/2025 - 21:30
Negociações avançam pela noite em Belém após rascunho de documento final ser considerado fraco e não mencionar combustíveis fósseis. Prazo para fim da conferência é incerto.Um dia depois de uma evacuação rápida em resposta ao fogo num pavilhão da Conferência do Clima da ONU em Belém, a COP30, o retorno das negociações na zona azul foi tenso. Marcada no calendário para encerrar nesta sexta-feira (21/11), a reunião diplomática se estende para além do prazo.
A área afetada pelas chamas ficou isolada e não atrapalhou o fluxo dos participantes. Os corredores ficaram cheios ao longo do dia, e já se viam sinais da desmontagem gradual dos estandes.
No fim da manhã, uma transmissão acidental mostrou negociadores nervosos e um princípio de bate-boca numa das reuniões fechadas. Representantes da Índia, por exemplo, consideravam inadmissível a presidência brasileira tentar incluir um cronograma para o abandono dos combustíveis fósseis no documento final.
Momentos antes, numa sala para coletivas de imprensa, a coalizão liderada pela ministra de Meio Ambiente da Colômbia, Irene Vélez Torres, criticava o debate “fraco” e apresentava uma proposta para o fim da era do petróleo e seus derivados.
“Não estamos pedindo um documento vazio”, criticou Torres, aplaudida pela plateia na sequência. “Não queremos um gesto voluntário, precisamos de um mapa do caminho que realmente nos leve adiante.”
Ao longo do dia, observadores da sociedade civil e cientistas criticaram o rascunho do documento liberado pela manhã, mas evitaram o pessimismo. “A solução não é ir embora, jogar fora, acabar tudo. A gente tem que trabalhar. A gente tem tempo ainda para encontrar um texto que seja melhor”, disse à DW Carolina Pasquali, diretora executiva do Greenpeace Brasil.
Sem rota
A insatisfação após a publicação do segundo rascunho do documento final foi percebida em todos os cantos desta COP30. A ministra da Espanha, Sara Aagesen, considera o momento “difícil” e defende que as equipes trabalhem mais numa versão mais robusta.
As principais críticas são a ausência no rascunho de uma proposta para o fim da queima dos combustíveis fósseis, falta de clareza de financiamento para adaptação dos países mais vulneráveis e ausência de um plano para zerar o desmatamento.
“A gente não tem caminho e nem mapa mais”, disse Pasquali sobre o estado das negociações.
O mapa do caminho rumo ao abandono do petróleo ganhou força após uma provocação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso de abertura na COP30. A ideia cresceu ao longo da conferência e foi abraçada pela Colômbia, que formou uma coalizão para pressionar os negociadores e ganhou adesão de 80 países. Ministros e ministras da Alemanha, Dinamarca, Austrália, Tuvalu e Ilhas Marshall apoiam publicamente a proposta.
A Holanda também é a favor da definição de uma rota programada rumo a um futuro sem petróleo. Em Belém, a ministra holandesa Sophie Hermans, ao lado da colega colombiana de pasta, anunciou a primeira conferência para debater a transição energética justa e sem petróleo. Segundo as ministras, o encontro vai acontecer em abril de 2026 na Colômbia.
Observadores receberam a informação com ressalvas. Alguns especialistas ouvidos pela DW consideram a iniciativa voluntária importante, mas ressaltam que a COP tem um mandato para entregar uma decisão por consenso dos países signatários da convenção das Nações Unidas.
Segundo o Acordo de Paris, eles se comprometem a buscar medidas para limitar o aumento da temperatura global em até 1,5°C em comparação com a média do período pré-industrial. O ano de 2025 tem potencial para acabar entre a segunda ou terceira posição no ranking dos mais quentes já registrados, com 1,42°C acima dessa média.
E a ciência?
Thelma Krug, coordenadora do comitê científico formado a pedido da presidência da COP30, foi uma das pesquisadoras que se decepcionaram com os resultados parciais das negociações. Ao longo dos últimos anos, ela liderou um time estrelado de pesquisadores para respaldar com ciência as conversas diplomáticas.
Antes da COP, os diplomatas brasileiros receberam um documento de quatro páginas que resumia as principais conclusões do trabalho feito pelo comitê. A ciência mostrava alta probabilidade de a humanidade promover o aquecimento médio do planeta para além do 1,5°C.
Um dos caminhos apontados para evitar esse cenário seria eliminar o uso dos combustíveis fósseis até 2040 – e não mais 2045, como previamente pensado.
Carlos Nobre, climatologista brasileiro e membro do comitê, passou toda a conferência em eventos falando isso no pavilhão da Ciência Planetária – o primeiro do tipo numa COP. “O termo ‘combustíveis fósseis’ nem apareceu neste último rascunho”, lamentou. “Hoje é o último dia de COP, vamos torcer”, disse ele à DW.
Momentos finais
Ao fim da tarde, alguns chefes de delegações deixaram a zona azul para jantar e retornar à mesa de negociações. O ministro alemão do Meio Ambiente, Carsten Schneider, foi visto num momento de pausa e disse à DW que havia muito trabalho pela frente.
Muitos membros de países participantes também precisam encontrar um novo lugar para se hospedar em Belém. Os dois transatlânticos que funcionaram como hotéis flutuantes e abrigaram cerca de 5 mil pessoas têm partida programada para a manhã deste sábado.
Protestos de jovens, indígenas, quilombolas e povos tradicionais tentaram se aproximar das salas onde diplomatas negociam com portas fechadas. E discursos emocionantes marcaram a chamada Plenária do Povo, com pessoas ocupando a capacidade máxima do espaço.
“Nós já perdemos nossa casa por causa das mudanças climáticas e da violência”, afirmou a ativista Roaa Ahmed Dafaallah, do Sudão. Ela também falou sobre os estupros e assassinatos de meninas em seu país. Entre cartazes que pediam justiça climática e fim da era fóssil, ela foi aplaudida de pé.